sexta-feira, 28 de maio de 2010
"Chatear" e "encher" - Paulo Mendes Campos
Contei esta história nesta semana na escola. Descobri que algumas profes, em outras escolas (públicas), haviam teatralizado com seus alunos do Ensino Médio. O livro que garimpei na biblioteca é da década de oitenta, da coleção Para gostar de ler, da Editora Ática. Saudosismo à parte, esta coleção de fato nos levou a gostar de ler, e hoje continua a despertar na gurizada o gosto pela leitura. Não tem como negar: com muito amor pelos livros, e com o olhar atento ao nosso redor, podemos despertar muitíssimo as crianças e os jovens para a descoberta dos livros e da leitura.
Um amigo meu me ensina a diferença entre "chatear" e "encher".
Chatear é assim: você telefona para um escritório qualquer na cidade.
- Alô! Quer me chamar por favor o Valdemar?
- Aqui não tem nenhum Valdemar.
Daí a alguns minutos você liga de novo:
- O Valdemar, por obséquio.
- Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.
- Mas não é do número tal?
- É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.
Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:
- Por favor, o Valdemar já chegou?
- Vê se te manca, palhaço. Já não lhe disse que o diabo desse Valdemar nunca trabalhou aqui?
- Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.
- Não chateia.
Daí a dez minutos, liga de novo.
- Escute uma coisa! O Valdemar não deixou pelo menos um recado?
O outro desta vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis.
Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos, faça nova ligação:
- Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar. Alguém telefonou para mim?
quinta-feira, 27 de maio de 2010
COMEÇAR DE NOVO
Queria trocar o ranger de dentes
da escada rolante dos compromissos
pela harpa e suas cordas dedilháves
que acalmam os ouvidos.
Abolir os roncos
de lábios sedentos
raspando a lata de refri
com a flauta de um canudinho.
Queria libertar-me
dos toques de celulares
que atropelam as horas
como um sino
e espantar a cacofonia
das conversas diárias
como estrondo
de terremoto
imprevisto.
Gostaria de reaprender a ouvir
como se fosse a primeira vez
e como se fosse pra nunca mais.
Beber gole após gole
novos acordes
e notas musicais.
da escada rolante dos compromissos
pela harpa e suas cordas dedilháves
que acalmam os ouvidos.
Abolir os roncos
de lábios sedentos
raspando a lata de refri
com a flauta de um canudinho.
Queria libertar-me
dos toques de celulares
que atropelam as horas
como um sino
e espantar a cacofonia
das conversas diárias
como estrondo
de terremoto
imprevisto.
Gostaria de reaprender a ouvir
como se fosse a primeira vez
e como se fosse pra nunca mais.
Beber gole após gole
novos acordes
e notas musicais.
terça-feira, 25 de maio de 2010
A MORTE DA TARTARUGA - Millôr Fernandes
O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. "Cuidado, senão você acorda o seu pai". Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.
Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse - "Está aí assim há meia hora, chorando que nem maluco. Não sei mais o que fazer. Já lhe prometi tudo mas ele continua berrando desse jeito". O pai examinou a situação e propôs: - "Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta, não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o papai". O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou garoto no colo e disse: - "Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer para ela um grande funeral". (Empregou de propósito a palavra difícil). O menino parou imediatamente de chorar. "que é funeral?" O pai lhe explicou que era um enterro. "Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o "Happy Birth-Day-To-You"pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?" O garotinho estava com outra cara. "Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela". Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. "Papai, papai, vem cá, ela está viva!" O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo, normalmente. "Que bom, hein?" - disse - "Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!" "Vamos sim papai" disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande - "Eu mato ela!"...
Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse - "Está aí assim há meia hora, chorando que nem maluco. Não sei mais o que fazer. Já lhe prometi tudo mas ele continua berrando desse jeito". O pai examinou a situação e propôs: - "Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta, não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o papai". O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou garoto no colo e disse: - "Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer para ela um grande funeral". (Empregou de propósito a palavra difícil). O menino parou imediatamente de chorar. "que é funeral?" O pai lhe explicou que era um enterro. "Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o "Happy Birth-Day-To-You"pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral! Vamos fazer isso?" O garotinho estava com outra cara. "Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela". Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. "Papai, papai, vem cá, ela está viva!" O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo, normalmente. "Que bom, hein?" - disse - "Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!" "Vamos sim papai" disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande - "Eu mato ela!"...
domingo, 23 de maio de 2010
FLORES E BORBOLETAS
À noite
desligo o celular
e os outros laços
que me prendem
à vida real.
Desejo que a memória
não me abandone
se algum pesadelo me raptar.
Mesmo que a noite insinue vários perigos
faço viagens a lugares desconhecidos.
O melhor de tudo é despertar
com flores e borboletas
para poder cruzar
a barreira dos sonhos.
Elas vão me aquecer
quando a solidão
for de doer.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
LABIRINTO - Hermínio Bello de Carvalho
Acho bonito falar alemão.
Por isso, talvez, eu não queira aprender a falar alemão.
Se eu falasse alemão
as pessoas iriam dizer, simplesmente, "ele fala alemão"
e aí perderia toda a graça.
A graça está em achar bonito falar alemão.
Por isso, às vezes,
eu deixo de fazer algumas coisas.
Deixo de dizer que te amo
porque dizer que te amo soaria como uma banalidade
a mais
nesse mundo cheio de banalidades.
E simplesmente me calo, deixo a barba crescer,
escrevo poemas para depois apagá-los de minha lembrança
e esqueço coisas que seriam inesquecíveis
simplesmente porque perdi a capacidade
de reter as coisas boas em minha memória.
Do livro Trem de Alagoas e Outros Poemas.
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