terça-feira, 2 de setembro de 2014

Lições de política com o temerário Revisor

Minha conversa com o temerário Revisor rendeu mais do que escrever histórias e de como melhorá-las. Segundo ele, aplicamos a correção e a reescrita também na ação política.
- Tu tens acompanhado o horário eleitoral? – Perguntou-me.
Disse-lhe que, curioso por novidades, assisti pela TV durante os dois primeiros dias. Caro leitor, aposto que também você daria uma resposta idêntica à minha. Certamente compartilhamos o mesmo sentimento, “O que estou fazendo aqui?” diante do aparelho de TV, ouvindo um desfile de bordões saturados, tais como “nova forma de governar”, “sou o candidato mais preparado”, “vou cuidar das pessoas”, “meu governo será um pilar”, “serei um político de atitude”, “sou um homem de palavra”, “tenho propostas concretas”.
Foi então que o Temerário iniciou sua aula para ver se abria minha cabeça.
- Tu percebeu que esse povo que torce por um partido, ou candidato, ou inclusive time de futebol, não tem luz própria? Ao abraçar uma ideologia corre-se o risco de apagar a própria luz. Sim, apegar-se ou até “endeusar” os que sobem no palco e acendem (bem ou mal, forte ou fraca) a sua luz, significa um esquecimento ou fuga de si mesmo.
Veio-me à lembrança tiradas que ouvi comentarem do Temerário, tais como: “Você precisa ouvir melhor isso porque tá aprendendo”. Para mostrar que não andava por fora, eu comentei:
- Percebo nas redes sociais que os militantes veem os candidatos adversários como inimigos a serem combatidos. Dizem que seus candidatos representam o bem, enquanto os adversários representam o mal.
- Sim, parece um combate numa arena. Há pressa para nocautear o adversário. Comportam-se assim: que a eleição ocorra o quanto antes, e que possamos garantir o poder imediatamente. Acho um absurdo não valorizar o espaço da troca de argumentos. Parecem não se importar para com a transparência nas propostas, esclarecendo mais e mais a população.
Pois é, meus amigos, soube através de terceiros que o Temerário ficou uma dúzia de anos sendo persuadido por colegas, professores e militantes. Mas ele mesmo diz que mudou. Não é mais ingênuo. Sem falsa modéstia, ouvi de sua boca a afirmação de que somos todos professores. E de que precisamos admitir que só temos a aprender com os outros. Após um breve silêncio, perguntei-lhe:
- Será que é por isso que se percebe um certo conformismo e indiferença dos eleitores, pois acreditam que grande parte das promessas não serão cumpridas?
- É bom tu ficar atento sobre como esse jogo funciona. Logo vais ter o título de eleitor, acho importante não fazer como a maioria dos eleitores mais velhos. Eles esquecem pouco tempo depois em quem votaram, e também as promessas feitas e se foram ou não cumpridas.
E acrescentou:
- Pra mim, isso é uma traição. Os políticos apostarem na falta de memória e na ignorância dos eleitores. Enquanto isso, a história se repete: grande número de pessoas sonha com a entrada em cena de um salvador da pátria, um “Messias”, não compreendem que a democracia precisa da contribuição delas para debater propostas, propor projetos, fiscalizar as administrações e auxiliar na tomada de decisões.
- Pois é, qual o problema em não aceitar ou suportar um argumento bem elaborado, razoável, por parte de quem joga num outro partido? – perguntei-lhe.
- Absurdo não admitir que o nosso programa de governo, como qualquer outro, tem suas falhas, e necessita de correções. Os conflitos e o embate de ideias e argumentos é fundamental para arejar o solo da democracia, já que no seu funcionamento a sociedade possui diferentes interesses.
Foi então que eu associei política com futebol:
- Sabe que não consigo ver diferença no debate de gremistas e colorados e o debate entre militantes de diferentes partidos?
- Exato. É um equívoco tomar esse conflito de ideias de maneira emocional (como se fosse grenal) e não racional.
Revisitando seus tempos de professor, o Revisor explicou-me que o mais importante não é estar acima do bem e do mal. Nada de ser profeta. O que estão em jogo são as manhas e artimanhas. Mas elas devem nos levar aos “cernes” das questões. Embora possam haver vários cernes - quer dizer, as verdades são relativas.
E o Temerário (cada vez menos temerário) se empolgou e acrescentou:
- Meu sonho é que cada um de nós possa tomar consciência de sua liberdade de escolha, e que tenha cada vez mais autonomia, inclusive para se sentir responsável por essas escolhas, como por exemplo em quais candidatos votar. Ah, e que tenha coragem de revisar suas crenças, em vez de se agarrar a vida inteira a elas, pois essas crenças acabam sendo obstáculos para ampliar a visão de mundo, a qual poderá quem sabe acrescentar algo de novo ao mundo do qual faz parte.
- Acho que entendi – acrescentei – em vez de serem Maria-vai-com-as-outras, e totalmente passivas, deveriam ficar mais inquietas e se engajarem na vida social...

Andei matutando, ao retornar para casa. Por que chamam o Revisor de temerário? Acho que deram-lhe este apelido porque ele diz o que pensa, enquanto a maioria teme pagar o preço para ter luz própria.


 (TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Levantadores de copo - Stanislaw Ponte Preta




Eram quatro e estavam ali já ia pra algum tempo, entornando seu uisquinho. Não cometeríamos a leviandade de dizer que era um uísque honesto porque por uísque e mulher quem bota a mão no fogo está arriscado a ser apelidado de maneta. E sabem como é, bebida batiza­da sobe mais que carne, na COFAP. Os quatro, por conseguinte, esta­vam meio triscados.

A conversa não era novidade. Aquela conversa mesmo, de bêbedo, de língua grossa. Um cantarolava um samba, o outro soltava um palavrão dizendo que o samba era ruim. Vinha uma discussão inconseqüente, os outros dois separavam, e voltavam a encher os copos.

Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mu­lher no bar. Logo as quatro vozes, dos quatro bêbedos, arrefeciam. Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada de mulher no bar. Mas, mal a distinta se in­corporava aos móveis e utensílios do ambiente, tornavam à conversa em voz alta.

Foi ficando mais tarde, eles foram ficando mais bêbedos. Então veio o enfermeiro (desculpem, mas garçom de bar de bêbedo é muito mais enfermeiro do que garçom). Trouxe a nota, explicou direitinho por que era quanto era etc. etc., e, depois de conservar nos lábios aquele sorriso estático de todos os que ouvem espinafração de bêbedo e levam a coisa por conta das alcalinas, agradeceu a gorjeta, abriu a porta e deixou aquele cambaleante quarteto ganhar a rua.

Os quatro, ali no sereno, respiraram fundo, para limpar os pul­mões da fumaça do bar e foram seguindo calçada abaixo, rumo a suas residências. Eram casados os quatro entornados que ali iam. Mas a bebida era muita para que qualquer um deles se preocupasse com a possibilidade de futuras espinafrações daquela que um dia — em plena clareza de seus atos — inscreveram como esposa naquele livrão negro que tem em todo cartório que se preze.

Afinal chegaram. Pararam em frente a uma casa e um deles, depois de errar várias vezes, conseguiu apertar o botão da campainha. Uma senhora sonolenta abriu a porta e foi logo entrando de sola.

—   Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbedos, não é?
Foi aí que um dos bêbedos pediu:

—   Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...