quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O último punk

 

- Cadelão, Cadelão... Porra, Cadelão!

- Fala, Beiço... Deixa eu dar mais um pega.

- Não, não, cara. Não quero mais fumar.

Olha ali, do outro lado da rua.

- Quê? Os tiras?

- Capaz. Não viaja.

Olha aqueles dentes tortos,

e o sorriso banguela...

- Onde?

- Ali!

- Porra! É ele? Tu tem certeza de que isso é maconha?

- Bah, Cadelão. Não sei. É ele ou não é?

- Velho... Quem mais seria? Observa, violão detonado,

cantando "cheirando cola em uma sacola de mercado".

Claro que é ele!

- Meu, tenho certeza que um dia cruzei pelo maluco

na praia de Garopaba.

Lembro que carregava uma prancha de surf

e estava cheio de loves com uma fofa.

 

- Wander... Wander!

- Quê?

- Chega aqui. Canta pra nós aquela...

- Bah, garotos, só canto por dinheiro.

Quero 10 pilas ou um pega.

- Claro, claro.

- "Bebendo vinho", pode ser?

- Vai tomar no c*, Wander! Que música é essa?

Toca as tuas. "O último romântico da rua Augusta",

"Canivetes, corações e despedidas".

E, depois, a cereja do bolo:

"Jesus voltará"!

 

(B. B. Beiço)




terça-feira, 18 de outubro de 2022

Plateias

 

- Wolve, tu pedala e corre por aí,

e filma e cronometra tua performance,

pra te exibir nas redes sociais,

ou são as tais redes que te convocam e

"obrigam" a tamanho esforço?

- Véio, eu curto o que tô fazendo,

embora não saiba se no mês que vem

vou persistir com tal esforço.

- Imagine que um de nós sobreviva a um naufrágio,

junto com uma garota belíssima, refugiando-se numa ilha...

Nos sentiremos felizes se não pudermos mostrar

aos amigos e curiosos a diva que nos faz companhia?

- Hehehe... Elementar, Beiço, elementar...

- Acho que não tememos a morte ou a solidão.

Nosso pavor é o de hoje não termos uma plateia.

- Deus me livre, nem quero imaginar que no meu velório

vai ter uma plateia fingindo que algum dia

deu importância pra minha vida!

 

(B. B. Palermo)


Pobres zumbis

 

Carros passam,

pessoas passam,

essa vida é inútil, meu amor.

Seres barulhentos,

opiniões castradas e

castradoras,

olhares faiscando como fuzis.

Tudo são quedas-d'água

que fluem cruelmente em nosso

interior.

Existe algo que nos arrebate

que nos faça ir além

do obscurantismo e do ódio e das intrigas

e dos planos frustrados

pro amanhã?

Ah, pobres zumbis!

Estamos encurralados

e embrutecidos,

somos uns requintados

mortos-vivos.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Sonhando com a monja Coen

 

Escuta só, Cadelão, o sonho que tive ontem de noite:

estava numa sala com pouca luz, incensos queimando,

num silêncio que dava até pra ouvir a respiração

e as batidas do coração.

A monja Coen tentava me conduzir ao relaxamento,

ao controle dos pensamentos e tals.

Dizia "Respira fundo, Beiço... depois solta... solta devagar..."

O mais louco é que, durante o sonho, eu estava

numa ereção do caralho, o que acontece com frequência,

depois que passei a consumir açafrão,

alho e pimenta do reino.

Cara, acho que não era tesão pela monja,

creio que era uma mistura entre meu cotidiano relapso

e a vida "ideal" que a monja me inspira.

Meu, nosso subconsciente é surreal.

Mais perto do desfecho do sonho

a monja despontava em imagens sedutoras

e se transfigurava na ministra, aquela,

vestindo uma lingerie pré-adolescente

e usando uns acessórios de sex shop,

me chamando "vem, vem, Beiçudinho escroto!".

 

(B. B. Palermo)


domingo, 16 de outubro de 2022

Plantinhas

 

Beiço, o sumido mais estranho que eu conheço,

bateu aqui em casa esses dias.

Abriu o porta-malas do Corcel II e foi despejando sacos

com uma mistura de areia, terra e composto orgânico,

e potes, bacias, garrafas plásticas

e uma garrafa de uísque vagabundo.

- Cadelão...

- O que manda, desgraçado?

- Cara, descobri minha terapia.

Farei como tu, príncipe vagabundo,

plantarei e criarei meus mantimentos.

- Vai com calma. Ando numa ressaca braba,

como podes ver. Por ora, só localizo

uns tomates bichados em minha horta.

Beiço, Beiço, de terapia tu já tem milhões

de quilômetros rodados, inclusive no CAPS.

Agora tu me vem com esse papo de sustentabilidade?

Ficou insano?

- Não, Cadelão, é sério, vamos criar o novo estoicismo

e faturar muita grana!

- Desconfiava que tu logo viria com mais um plano mirabolante,

tipo fazer palestras e tals pra enriquecer.

Mas, cretininho, não tenho a menor vontade de palestrar

pra um bando de bobocas que se deixam enfeitiçar

e se alimentam da autoajuda.

Vá pro inferno com esse "novo estoicismo".

Minhas plantinhas não têm preço!

- Véio, é a nossa chance!

- Sim, sim, como daquela vez que raspamos a cabeça

e vestimos um "traje" budista e saímos a palestrar

sobre nossa experiência de um ano meditando no Himalaia.

lembra, maluco?

- Bah, cara, foi uma boa ideia.

Pena aquele bêbado sentado nos fundos de um auditório

ter nos reconhecido.

- Relaxa, garoto. Vamos beber!

 

(B. B. Beiço)


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Tears in heaven

 

Rapaz, lembra que em 1996 vc comprou um 3 em 1,

e ouvia CDs do Eric Clapton (Tears in heaven?)

e manjava pouco  do inglês e do blues,

e vc nem havia casado,

nunca fora pai,

nunca rabiscou um poema

para um hipotético filho?

O 3 em 1 rodava os blues do Eric Clapton e de tantos outros,

e vc amava ouvir aquela angústia

que te entristecia e (por isso) te presenteava mais vida.

Hoje os animais questionam:

"A arte vale mais do que a vida,

mais do que a comida,

mais do que a justiça?",

como se uma coisa excluísse a outra.

Rapaz, parece que os tempos estão

reféns da ignorância e da barbárie,

propícios para a detonação

de bombas atômicas em massa

e a extinção da vida

por aqui.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de outubro de 2022

Consertos de primavera


 

Consertar o noty

e as tampas das panelas.

Trocar os óculos

e estancar o vazamento

da pia.

Vai, guria.

Me dá corda,

me dá linha,

me dá trela.

Depois olhe pela janela

e morra de saudade

da primavera.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O bagulho anda muito loko

 

Olhar inquiridor de um garoto

acariciado pela erva,

Wolverine veio com essa:

- Cadelão, vivemos na Pós-modernidade

ou ainda estamos na Idade Média?

- Por quê?

- Bah, cara, o bagulho anda muito loko.

As multidões acusam-se de sanatismo, canibalismo,

muitos acreditam que a terra é plana

e um monte de outras bobajadas,

chamadas de teorias conspiratórias.

Veja só, acreditam inclusive que Deus pode ou deseja interferir

nas merdas que fazemos diariamente.

- Nem me fale, Wolve.

Escuta a notícia que li esses dias:

próteses são roubadas de defuntos nos cemitérios

e vendidas para clínicas dentárias.

Tu não acha, cara, que chegamos no topo

de nossa humanização?

- Hehehe...

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Aconteceu...

 

Aconteceu...


E hoje?


(Livro "O diário de Anne Frank")




Não quero mijar sentado

 

A urina borbulha,

sabe do meu esforço pra fazer a coisa certa,

nada de corromper o vaso do banheiro.

Ela argumenta de um modo conclusivo,

numa lábia definitiva.

Na viagem que me encontro,

sei que bato de frente com um mijo sábio.

Guardo o coiso

sentindo-me leve e satisfeito.

Disse um não categórico ao que ela sugeriu:

- Na Suíça, povo civilizado,

os homens devem mijar sentados!

Diante do meu jato potente mas indeciso,

eu retruquei:

- Nananá! Só te obedeço quando estiver

beeem velhinho!

 

(B. B. Palermo)


Carinhas tristes

 

Avenidas,

estacionamentos,

lojas, mercados e padarias,

passeios, fábricas e construções,

vejo tantas carinhas tristes,

não importa se são miseráveis ou lunáticos

cheios da grana.

Toneladas de paranoias como geleiras derretendo

encharcam oceanos e bombardeiam meu cérebro.

Constatações entram na ordem do dia:

Gente, isso tudo são milongas!

Estamos envelhecendo,

estamos morrendo,

alguns enriquecem,

a maioria destrói sua vida

juntando migalhas!

Criaturas de uns 30 anos com aparência de 60.

Os rebanhos estão enfeitiçados pelas intrigas.

Creio que ainda não planejaram meu assassinato,

jogando seus carros pra cima do meu corpo,

quando perambulo por aí.

 

(B. B. Palermo)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...