sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Um chester de segunda mão

 

O Tiagão e o Wolverine apareceram no bar

com um chester meio devorado,

dentro de uma sacola plástica.

O Wolve exibia uma câmera fotográfica Sony

das bem moderninhas - e dê-lhe tirar fotos,

que saíam desfiguradas, bem do jeitinho

como anda o mundo.

É que nosso herói não localizava

o flash da máquina.

Aí eu dizia pra ele, erguendo o copo de ceva:

Ô, seu maluco, você não leu o manual dessa bosta?

O Manetta esquentou a iguaria no micro-ondas,

e todos do bar provaram aquela delícia.

Acabada a ceia o Tiagão revelou que adquirira o penoso

com 50% de desconto, já que a ave era sobra

dos assados de dias atrás, dum cara de uma fruteira.

Pensei ir ao banheiro vomitar,

mas ao lembrar das condições fétidas da espelunca,

desisti da ideia.

Poeta nas horas vagas, meditei sobre

a vida pregressa da triste ave,

onde nasceu, cresceu, que condições existenciais

ela desfrutou na vida e etc. e tals.

 

LEI DA ATRAÇÃO

 

Não demorou muito apareceu no bar um sujeito

pilotando uma bicicleta das bem fodidas.

Era o fornecedor de erva e afins.

Foi mais um exemplo de que a lei da atração

funciona, feito ímã: tudo o que você pensa

e deseja vem até você.

 

Todo final de ano recarrego a bateria

de meus pensamentos e emoções

assistindo ao documentário "O segredo".

Todo ano eu começo mentalizando "sucesso",

"saúde", "prosperidade"...

Tenho quase certeza de que em 2022

eu chego lá.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Despencando

 

Você observa o vazio

que se distancia lá embaixo

e pergunta:

 

POR ONDE

ANDARÁ

DONA

MORTE?

 

Temendo

ter que assistir

a retrospectiva

das travessuras

realizadas durante a vida,

você se segura

receando chocar-se

com algo

ao cair

no fosso.

 

Você tem dúvidas

se no depois

vai flutuar

eternamente

ou se vai dormir

pra nunca mais.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Taturanas

 

Preparo-me pra ir ao centro pagar umas contas.

Ao vestir o moletom, que estava sobre uma cadeira, sinto uma picada,

como se fosse de vespa ou abelha, percorrendo o braço esquerdo.

No reflexo e no espanto, arranco-o com as mangas do avesso.

A lagarta caiu no chão da sala.

"Puta que pariu! Uma Taturana!".

Imediatamente crescem uns vergões, do pulso ao cotovelo.

Apanho o celular e pesquiso no Google sobre o que fazer.

"Lave abundantemente com água e sabão e depois faça compressas com água gelada".

Enquanto faço as compressas, sinto que a ardência diminui.

Pesquiso quais os sintomas, no caso de ser atacado por essa lagarta:

"Síndrome hemorrágica aguda,  insuficiência renal aguda, etc., etc.".

"Puta merda!".

 

No caminho até o Posto de Saúde fico atento nos batimentos, febre, taquicardia.

O Posto está lotado. Já na entrada sou notado pelo vigilante, que conversa com alguns caras.

Ao perceber que eu vinha meio torto, apoiando meu braço nu, perguntou o que havia ocorrido.

"Fui picado por uma Taturana".

Ele correu pra dentro da sala de espera e gritou pra uma atendente.

Sem fazer meu cadastro, e diante dos olhares curiosos dos pacientes que aguardavam,

a garota me encaminhou pra enfermeira.

Entrei na sala carregando numa sacolinha plástica a minha algoz.

Ela examinou meu braço e disse que já tinham se passado uns 10 anos

desde o último caso de paciente picado por taturanas.

Imediatamente pediu para ver a bichinha, reparando que eu estava com a cara boa

e não tinha dificuldades pra respirar.

No Google Imagens do computador ela identificou a criatura.

"Hum... Lagarta verde". Virou o monitor na minha direção e apontou com o dedo.

"Se fosse Taturana, você estaria saindo daqui direto pra UTI de um hospital".

Verificou a temperatura, batimentos por minuto, pressão arterial...

"Hum... Só a pressão tá um pouquinho alta... Deve ser por causa do susto hehehe.

O resto está perfeito. Aguarde na sala de espera, logo a doutora vai lhe atender".

 

Ao entrar na sala, reparo numa frase escrita na parede, logo atrás da doutora:

CEGO NÃO É QUEM AVANÇA POR SEUS PASSOS,

MAS QUEM QUE POR MAIS QUE ANDE

NÃO VAI A LUGAR ALGUM.

 

- Palermo, o senhor é casado?

- Às vezes.

- Como?

- Casamento me deixa triste e solitário.

A doutora desandou a falar do marido. Um traste, comunistinha desocupado.

- Vive às minhas custas. O filho da mãe se exibe pras garotinhas,

enquanto posa de intelectual marxista.

Que papo é esse - pensei - o que isso tem a ver com minha frágil saúde?

Olhava pro meu braço e percebia que as feridas e bolhas simplesmente estavam sumindo.

- No que o senhor trabalha? Ou é um desocupado, igual ao meu marido?

- Eu escrevo umas histórias.

- Tem livros publicados?                                                                                   

- Ainda não criei coragem pra buscar uma editora. Não sei se minha obra tem qualidade.

- Acho que entendi.

A doutora apontou pra frase na parede, às suas costas.

- Leia isso e tire tuas conclusões. Ah... o senhor é um sujeito imaginativo,

a ponto de acreditar que foi ferido mortalmente por uma taturana hehehe.

 

Caí numa armadilha. As frenéticas taturanas de jaleco deitaram e rolaram

pra cima deste pobre poeta... Eu mereço.

 

Assim que saí do posto de saúde avistei um pátio com arvores e um gramado.

Abri o saco e libertei a pobre lagarta verde.

 

(B. B. Palermo)

 

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Alucinação

 

- Sossega, Cadelão... Como pode, nessas alturas da vida,

tu estar com um pé na igreja e outro no boteco?

- Beiço, escute só, os puteiros andam mais ou menos,

e uma estranha alergia espirituosa não larga do meu pé.

- Sei bem o que é isso. Tu tá é desvairado.

- Queria sumir por um tempo. Não suporto o que vejo por aí.

- Cadelão, não me venha com esses papos bem Belchior,

de que a tua "alucinação é suportar o dia a dia,

e teu delírio é a experiência com coisas reais".

- Rapaz, é sério. Semana passada tive um sonho

e acordei com esta frase na cabeça:

"Crie bons hábitos para espantar o óbito".

 

Sabe, Beiço, procurei uma psicóloga.

Pense numa magrona... em todos os sentidos.

Quando falei pra ela que de vez em quando tenho

umas premonições, a seca veio com esta:

"Cadelão, larga dessa mania de achar que existem mundos paralelos.

E não leve tão a sério os teus sonhos.

Todo mundo sonha, todo mundo viaja.

E também não me venha com esse papo fácil de que existem espíritos.

Não use subterfúgios para explicar as merdas

que o teu subconsciente apronta!".

 

- Cadelão, só tenho uma coisinha pra te dizer.

Volte a ser aquele caótico que ficava radiante

ao avistar o rabo das ciclistas,

cruzando como raio pela avenida!

 

(B. B. Palermo)

domingo, 12 de dezembro de 2021

A vida é curta pra ser pequena

Cheguei no bar do Telmo com uns trocos

que surrupiei do caixa eletrônico,

bolsos forrados de extratos bancários
amassados.
Ela tomava sua Heineken
dentro de um short preto
justíssimo.
Eu não uso viseiras,
eu bebo pra estreitar a vista,
eu bebo pra enxergar o que desejo.
Não me saía da cabeça
o que o poeta Chacal
me falou:
Cadelão, a vida é curta pra ser pequena!
Ela rebolava os quadris
no ritmo de sua música imaginária,
e sorria, e dizia baixinho
Eu sei o que tu quer,
mas eu não vou dar...
Eu entornava um copo atrás do outro
como um maluco
que desfolha margaridas
bem-me-quer-mal-me-quer,
vai-dar-não-vai
vai-dar-não-vai...
não-não-não-vai-dar-não!
Sentado do meu lado esquerdo
o Cesinha lembrou dos versos
de um blues do Saco de Ratos
Esqueça a loira, "somos cada vez mais
velhos, bêbados e barrigudos".
Eu sabia, todos sabiam, que o Cesinha
nunca ia entender que eu precisava
compreender o conteúdo
da caixa preta da loira,
e não sacava qual o pecado nisso.
Sentada do meu lado direito
a poeta lésbica bebia e ria,
enquanto dizia
Cadelão, tu nunca vai entender
o conteúdo da caixa preta
de uma mulher!
(B. B. Palermo)

Bundamental - Chacal

 sou trocador de ônibus.

tenho 35 anos e quero me casar.

ter mulher, filhos, um lar.
meu nome é bundamental.
uma tarde, o coletivo parou
num ponto da praça seca.
subiu uma moça que era um sonho.
branca, peluda, dentes bons.
e que perfume!
meu nome é bundamental
quando passou na roleta, num ímpeto súbito,
a pedi em casamento.
meu nome é bundamental. genival bundamental
ela olhou pra mim e disse sim.
ali mesmo por cima da roleta
entre os passageiros, um beijo
selou nosso pacto sagrado.
meu nome é genival bundamental.
cuidei de tudo. alianças, igreja, padre, cerimônia.
no dia fatal, meu nome é genival,
eu lá. eu e o padre. ela nada.
uma hora duas nada.
enfim, chega o sacristão com um bilhete.
“querido bundamental
fui feliz enquanto amor entre nós houve.
agora vou ser feliz com um pé de couve.
daquela que um dia foi seu poema,
maria helena.
ps: a vida é curta para ser pequena.”

meu nome é genival. genival bundamental.

sábado, 11 de dezembro de 2021

FAUNA

 

vira-latas tiram selfies nas esquinas

galos dançam no terreiro

cigarras lamentam a vida

formigas corcundas agradecem a deus

sapos saem da penumbra e berram:

- "meu time é o melhor!"

- "não é!" - "é!"  - "não é!"

 

e assim se passam os dias

nesta fauna facebookiana

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Você sonha umas coisas que vou te contar

 

Você pensa demais, Cadelão.

E viaja também.

E sonha umas coisas que vou te contar.

Diz que participou do exército de Napoleão.

Esteve no quarto do Kafka, no dia em que o maluco acordou

metamorfoseado numa barata.

Você viaja um baseado.

Foi um negro americano esquizofrênico

analisado por Jung.

Se apaixonou pela mãe de Pedro II.

Você diz que esteve em todos os carnavais do Rio.

Você morreu em todas as páscoas e, claro, ressuscitou.

Você bateu um papo cabeça com Alice,

aquela do País das maravilhas.

Você visitou as Sete Quedas do Leminski,

conversou com ele no dia

em que nasceu o seu poema.

Você diz pra todo mundo que já foi bispo,

padre, psicólogo, cafetão.

Você construiu andaimes que te levaram ao céu,

mais do que a Torre de Babel.

Você entrou nos quadros de Van Gogh

e viveu as paisagens que o gênio pintou.

Você jura que foi criador de porcos, alfaiate,

um pobre mosquito que caiu nas armadilhas

de uma aranha apaixonada.

Você conhece todas as obras, vistas e admiradas,

de todos os museus do planeta.

 

Você sonha umas coisas que vou te contar, Cadelão.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Boneco sem alma



A folha permanece em branco,

espelhando o vazio

de minha alma.

Rabisco então meia dúzia de traços e um círculo,

e eis que vislumbro a cabeça,

olhos, boca e nariz

de um boneco.

Ainda não se fez humano.

Não percebi se está triste ou sorrindo.

Sua dor, saudade, ódio ou amor futuros

dependem dos traços vorazes

que sonho gravar no papel.

Essa espera é solitária demais,

e nem você

nem ninguém

podem fazer

nada.

 

(Pensamentos & poemas espirituosos)

Quando os jovens se vão do mundo - Paulo Fensterseifer

Poesia em apoio às famílias e em memória às vítimas da tragédia da boate Kiss.



segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Outro ensaio sobre a cegueira

Algumas coisas 

entristecem

e amordaçam.

O povo adora 

frequentar

igrejas e farmácias.

E como ficam o teatro,

cinemas e livrarias?

Só fica a saudade

do que já foi um dia.


Tudo tem seu lugar, você me diz.

Tudo está fora do lugar, eu te digo.

 

Como qualquer outra doença,

a cegueira não devia 

ser considerada

normal.

 

(Pensamentos & Poemas Espirituosos)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...