quinta-feira, 22 de abril de 2021

AGUARDANDO A VISITA DA RAINHA VITÓRIA DA INSPIRAÇÃO

 

As coisas andam um pouco estranhas.

Me peguei dia desses lendo

o espiritismo de Allan Kardec.

Eis que me senti contemplativo,

admirando a via láctea

às duas da manhã...

Fazia um tour

depois de ter sugado

várias garrafas de Heineken.

Desfrutava de liberdade extrema,

uma carta de alforria da prisão

do mundo material.

Simpatizei com a ideia de ter uma vida sem luxo.

Doeu-me imaginar a face nada oculta e sofrida de um sujeito

pressionado o dia inteiro pra ganhar mais e mais grana

e comprar essas coisas que a gente vê descartada nos lixões.

Coisas estranhas se passaram na minha cabeça.

Cheguei a crer que o estresse do cão do meu vizinho,

uma mistura de Poodle com Shih Tzu,

que late furiosamente por qualquer coisa,

se dá pelas minhas energias mal distribuídas.

Descobri também que essas leituras que ando fazendo

não fazem o menor sentido pra boa parte dos amigos.

Eles estão cagando pra isso,

e você é o timoneiro das m*****

que se agitam dentro do teu ser

- Juro, li isso em algum lugar,

não me lembro quando...

O lado bom é você se sentir mais livre

e até imagina que é um sujeito privilegiado,

um cara "mais adiantado" espiritualmente.

Sim, você fez descobertas fodásticas

que nossa ciência ainda nem chegou perto,

e você se entorpece de cerveja e então ri

das paranoias desses pobres otários,

ouvindo-os repetirem pela enésima vez

seus fracassos cotidianos.

Você se diverte porque as dores deles

são tão repetitivas e nada originais.

É a insatisfação com o trabalho,

é a insatisfação com uma vida

sem criatividade e brilho...

Não, você não perdeu totalmente o juízo,

embora uma parte do teu ser seja pura dúvida,

e nem sempre está convicto de que o prazer

seja a única salvação pra essa vida tão morta,

que é trabalhar, dormir, pagar contas,

trocar de carro, lavar a calçada

e reclamar dos políticos.

A coisa desandou de vez quando os FDPs

elegeram o Lava a jato como um novo deus.

Você relaxa, coloca um Mozart pra tocar,

acende uns galhinhos de Alecrim

pra distensionar o ambiente e purificar o teu espírito,

apanha a caneta e o papel e se prepara

pra receber a visita da Rainha Vitória da Inspiração.

Afinal, centenas de cursos de escrita criativa,

oferecidos por garotinhas e garotinhos na internet,

garantem que você tem o perfil de escritor de sucesso.

E aí... Aí entra em cena o vizinho, que avança imponente,

numa marcha militar, empunhando seu Lava a jato,

está decidido a dar um trato na calçada.

E o pior é que o cretino ainda reclama

das árvores do teu quintal,

dizendo que elas fazem muita sujeira.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 21 de abril de 2021

FAÇA AS COISAS COM ESPERANÇA

 

Olho desanimado pra alguns livros da estante,

geometricamente robusta

e encostada e impassível

na parede ali em frente,

desafiando meus olhos

e pensamentos.

Estou cético sobre a possibilidade

de encontrar uma linha sequer

que possa me inspirar.

Eis que ouço uma voz

de sino batendo

fora de hora:

 

"Velho, você tem que fazer

as coisas

com esperança".

 

Apanho um livro, chama-se

VIII Antologia de escritores

da PQP.

Leio as biografias

de dezenas de autores

e seus poemas e suas histórias.

Desanimado, confesso pro sino

que bate nas horas

inesperadas:

 

"Velho, posso tentar

turbinar

minha esperança

lendo uns poemas

do velho Bukowski?".

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 20 de abril de 2021

O MORTO

 


REFUGIADO NO LAR

 Refugiado no meu lar,

ouço sirenes reais e imaginárias,

tanques meia boca dos quartéis,

eles me conduzem ao banheiro

onde sou refém de uns impulsos

que sintetizam a muita vontade de vomitar

e quase nenhuma lembrança de sexo.

Eis a guerra real do terceiro milênio

que encorajou minhas neuroses

a ponto de colocarem em dúvida

se de fato estou vivo.

Sou especialista em pesquisas no Google

e outras plataformas

com meu aparelho de três mil.

Sei bem demais dos alimentos para baixar o peso,

alimentos para aumentar a massa muscular

e para aumentar minha potência sexual.

Um solitário mochileiro das galáxias,

fiel aos puteiros quase falidos,

devido à fuga dos amantes

encagaçados pelo Covid.

Observo minhas mãos limpas

de crimes e de atitudes pouco edificantes

e isso é o que menos importa,

a cabeça é que não anda boa,

fora mais atrevida e sonhadora,

hoje está enferrujada e barulhenta

como portão de prédio abandonado...

Meus olhos cansados pela ressaca

da noite de ontem

estão indiferentes.

Se você quiser se inspirar,

vai se deparar com coisas nada confiáveis.

Uma música do Raul diz que "as pedras

sonham sozinhas no mesmo lugar".

Eu deliro e sambo na avenida, de madrugada,

e também me triplico atrás de namoradas virtuais.

Me jogo pra todo canto,

caio, levanto, sou pior do que pedra,

ainda tenho uma visão romântica

do amor.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Janela sobre a palavra (VI) - Eduardo Galeano



A letra A tem as pernas abertas.
A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.
A O, círculo fechado, asfixia.
A R está evidentemente grávida.

Todas as letras da palavra AMOR são perigosas- comprova Romy Díaz-Perera.

Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.

sábado, 17 de abril de 2021

Aquela voz

 

Disse uma voz, 

atravessando-se num sonho meu, 

de madrugada:

"Um dia nós vamos revelar 

segredos cabeludos 

de você!".


(Pensamentos & Poemas  Espirituosos)

O fogo que nos transforma

 


Como o milho duro, que vira pipoca macia, só mudamos para melhor quando passamos pelo fogo: as provações da vida. A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens, para que eles venham a ser o que devem ser. O milho de pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas que, pelo poder do fogo, podemos, repentinamente, voltar a ser crianças! 

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. O milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. 

O fogo é quando a vida nos lança em uma situação que nunca imaginamos. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão -- sofrimentos cujas causas ignoramos. 

Há sempre o recurso dos remédios que apagam o fogo. Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade de grande transformação. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro, ficando cada vez mais quente, pense que a sua hora chegou: "Vou morrer". 

De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Mas, subitamente, a transformação acontece: pum! -- e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado. 

Mas existem pessoas PIRUÁS, que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida, perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. 

Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela, ficam os piruás, que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira... 

(Rubem Alves) 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Milionária


 

Tudo ao seu redor

parecia uma cascata furiosa

depois da tempestade.

Mas dentro dela havia

uma fonte cristalina,

nascida das coisas simples da vida.

Nada de mansões, carros de luxo,

grandes negócios.

Ela medita, faz Ioga,

gosta de bichos e plantas.

Ela aprendeu a ser milionária

emocionalmente.

 

(Pensamentos & Poemas Espirituosos)

Anjo

 

Anjo -

Ser celestial metediço na vida terrena, 

uma espécie de Relações-públicas 

de Nosso Senhor. 


Mario Quintana

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Não há vagas - Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. 

O preço do arroz

não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema senhores,
não fede
nem cheira

terça-feira, 13 de abril de 2021

Onírico e passional


Tinha um bom coração.

Ele não era cardíaco,

era cordial.

Não tinha gordura localizada,

fazia abdominal.

Não acreditava nos anjos,

mas se esforçava pra ser

angelical.

Tinha pena dos fracos,

e a cabeça dava pinotes

quando achava que os fortes

mereciam a pena capital.

Ao ser questionado

por alguma atitude imoral,

dava nos dedos e xingava os amigos

com habilidade digital.

Seu poder bélico não era magistral,

tanto que no final sempre aparecia

um desconforto intestinal.

Não vivia à margem.

Não era marginal.

Nem tinha qualquer poder letal.

No fundo no fundo ele era

exageradamente onírico

e passional.

 

(Pensamentos & Poemas Espirituosos)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...