sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Vamos todos blindar!



A partir da manchete de jornal, "Dilma blinda ministro", decidi, antes da virada do ano, fazer uma lista das (possíveis) coisas que devemos nos blindar.
O ministro foi blindado pela presidente porque é de sua cota pessoal. Então, eu também vou iniciar blindando os que estão mais próximos: os pais blindam os filhos, os filhos blindam os pais. As mulheres blindam os maridos, maridos blindam as mulheres. Os professores blindam os alunos, os alunos blindam os professores. Chefe blinda subordinado, funcionário blinda chefe... E por aí vai...
Se vocês me perguntarem o que é blindar, e o que ganhamos com isso, penso que blindar é o contrário de conflitar. Não significa proteção, pelo menos não a super-proteção que, no extremo, rouba a liberdade e responsabilidade de quem blindamos.
Blindar é negociar, fazer política, porque ocorre no contexto da pluralidade - não é possível o EU sem o OUTRO. Estão sempre entrecruzados.
No plano individual, blindar não representa me encolher, me isolar numa redoma, mas sim respirar ares mais criativos. Não quero enxugar a represa da minha criatividade, apenas, ao me blindar, canalizar a água na direção das turbinas da criação. Por isso, quando percebo que muitos "são iguais", ao repetirem as mesmas paranóias em seus blábláblás, tenho a opção de me afastar. Mas não o faço para, logo adiante, cair na armadilha de ficar acorrentado na caverna, sozinho, mas sim para me libertar dos vícios do cotidiano.

Vamos nos blindar da raiva, para proteger nosso coraçãozinho.
Mas não blindemos apenas os mais próximos. Blindemos os que ainda não conhecemos e que, é bem possível, podem vir a ter alguma forma de relação conosco. Blindar significa respeitá-los, dar-lhes o mesmo valor que damos a nós mesmos. Ao fazermos isso, o IBOPE de nossa reputação vai aumentar.
Vamos blindar nosso tempo, não sobrecarregá-lo demais com tarefas estressantes. Relaxar, meditar, praticar esportes, isso tudo deixa nosso corpo, alma e o tempo mais leves.
A blindagem requer uma medida certa, isto é, não deve ser extrema, nem demais, nem de menos... Como o remédio e o veneno, a vida e a morte, o corpo e a alma, o dia e a noite... se, por causa do outro, um deles transbordar, vai perder o efeito, ou desencadear efeito contrário.
Enfim, com a "blindagem" que propomos, pretendemos rir um pouco de nossas façanhas neste ano, para nos blindarmos da culpa por não termos realizado nem 10% do que planejamos.
Um brinde (nem um pouco blindado) para relaxar e gozar no final!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Elementar, meu caro Watson

Sherlock Holmes e o dr. Watson decidiram tirar férias acampando na selva. Logo depois do jantar, foram dormir. No meio da noite, Holmes acorda, gritando:
- WATSON!
O companheiro Watson acorda, assustado, e diz:
- O que foi, Holmes?
- Olhe para cima e me diga o que você vê.
- Eu vejo milhões de estrelas, Holmes.
- E o que você deduz disso?
- Bem, astronomicamente, que há milhões de galáxias e potencialmente bilhões de planetas. Do ponto de vista astrológico, eu observo que Saturno está em Áries. Do ponto de vista teológico, que Deus é todo-poderoso e nós somos insignificantes. Do ponto de vista meteorológico, suspeito que teremos um dia maravilhoso amanhã.
Watson pensa um pouco, vira-se para Holmes e pergunta:
- E você, o que deduz disso?
Sherlock acende o cachimbo, dá uma longa baforada e responde:
- Elementar, meu caro Watson: roubaram a nossa barraca.

domingo, 4 de dezembro de 2011

GURI ASSUSTADO





Falávamos do velório
da velhinha
das vidas que se foram
e de outras que virão...

Quando fui atravessar a rua
o defunto por mim passou...

Para meu espanto
movimentos quânticos
puseram o féretro
no meu caminho

- minha consciência quase deu nó!

Acordei com o sino da capela
e as batidas do relógio de parede
do vizinho.

Os sentinelas do tempo
tiveram comportamento estranho
pra uma tarde de domingo!

Como guri assustado
agora eu morro de medo
de ficar sozinho!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O açúcar - Ferreira Gullar



O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e
tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes,
onde não há hospital,
nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã
em Ipanema.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Idiotas espancam morador de rua



O jornal Zero Hora de terça-feira, 29/11/2011, traz como uma de suas manchetes o seguinte: "Morador de rua agredido por jovens". Ao ler a notícia, me deparo com a seguinte argumentação desses jovens idiotas, para defenderem seu ato: "O homem não era ninguém, era apenas um morador de rua".
Vendo o outro, seu semelhante, como "ninguém", nossos jovens sentiram-se autorizados a agir com violência. Em seu depoimento, o pai de um desses heróis, afirmou que seu filho manifestou comportamento agressivo depois que começou a usar drogas. Os pais desse jovem deviam se perguntar sobre a gênese da coisa: por quais motivos seu filho caiu no mundo da droga?
O que falta a esses jovens? Parece que a sedução das bebidas e drogas se apossa de um vazio existencial vivido por eles. Há uma energia reprimida que se manifesta, infelizmente, através da violência. 
Uma explicação é de que essa garotada anda perdida, sem uma âncora de valores que sirva de ponto de apoio e equilíbrio. Daí surge o grupo, os estimulantes, e facilmente são persuadidos pelos argumentos da violência, que muitos deles dizem "não dar nada".
Para contrapor a essa explosão de violência por parte desses jovens, vou trazer para vocês um texto do escritor e poeta Affonso Romano Sant'Anna, "O incêndio de cada um".
O autor apresenta uma série de cenas, para mostrar pequenos acontecimentos (quase imperceptíveis) em que os personagens "desabrocham", detonam em si o que mais profundamente eles são. Viram outra pessoa.
Sant'Anna chama de "momento de sedução típico de cada um". Quando o indivíduo está assentado no que lhe é mais próprio e natural.
Obviamente, esses momentos são impulsionados pelo amor. "Estou falando de uma coisa simples e única, quando o que cada um tem de mais seu relampeja a olhos vistos. Quando isto se dá, quebra-se a monotonia e o indivíduo se transcendentaliza".
É isto o que importa. O incêndio de cada um. Cada um deve ter um jeito de deflagrar sua luz aprisionada.
No caso dos jovens agressores, em vez do incêndio criativo impulsionado pelo amor, eles foram impulsionados pela brutalidade, pelo instinto de morte, que é o que de mais assustador possui o ser humano.
 

O INCÊNDIO DE CADA UM

Affonso Romano de Sant'Anna

A cena foi simples. Ia eu passando de carro pela Lagoa quando vi na calçada uma moça esperando o ônibus com seu jeans e bolsa a tiracolo. Nada demais numa moça esperando o ônibus. Mas eis que passou um caminhão de som tocando uma lambada. Aí aconteceu. Aconteceu uma coisa quase imperceptível, mas aconteceu: os quadris da moça começaram a se mexer num ritmo aliciante. Já não era a mesma criatura antes estática, solitária, esperando o ônibus na calçada. Ela havia se coberto de graça, algo nela se incendiara.
A fotógrafa veio fazer umas fotos. Estava com o pescoço envolto num pano, pois tinha torcicolo. E eu ali posando meio frio, fingindo naturalidade, e ela cautelosa com seu pescoço meio duro, tirando uma foto aqui, outra aIi, quase burocraticamente. De repente, ela descobriu um ângulo, e pronto: se incendiou profissionalmente, jogou-se no chão, clic daqui, clic dali, vira para cá, vira para lá, este ângulo, aquele, enfim, desabrochou, o pescoço já não doía. Ela havia detonado em si o que mais profundamente ela era.
Estamos numa festa. Aquele bate-papo no meio daquelas comidinhas e bebidinhas. Mas de repente alguém insiste para que outro toque violão. Aparentemente a contragosto ele pega o instrumento. E começa a dedilhar. Pronto, virou outra pessoa. Manifestou-se. Elevou-se acima dos demais, está além da banalidade de cada um. Achou o seu lugar em si mesmo. Assim também ocorre quando vemos no palco o cantor dar seus agudos invejáveis, o bailarino dar seus saltos ou o atleta no campo disparar seus músculos e fazer aquilo que só ele pode fazer melhor que todos nós. Isto é o que ocorre quando o instrumentista pega o sax e sexualiza todo o ambiente com seu som cavernoso e erótico. Isto é o que se dá até quando um conferencista ou um professor entreabre o seu discurso e põe-se como uma sereia a seduzir a platéia, como um maestro seduz todo o teatro. 
Há um momento de sedução típico de cada um. Quando o indivíduo está assentado no que lhe é mais próprio e natural. E isto encanta. 
Claro, esses são exemplos até esperados. Mas há outros modos de o corpo de uma pessoa embandeirar-se como se tivesse achado o seu jeito único e melhor de ser. Digo, o corpo e a alma. 
Mas nem todos podemos ser tão espetaculares. Nem por isso o pequeno acontecimento é menos comovente. 
De que estou falando? De algo simples e igualmente comovente. Por exemplo: o jardineiro que ao ser jardineiro é jardineiro como só o jardineiro sabe e pode ser. 
E que ao falar das flores, ao exibi-las cercadas de palavras, percebe-se, ele está em transe. Igualmente o especialista em vinhos, que ao explicar os diversos sabores nos quatro cantos da boca faz seus olhos verterem prazer e embalam a quem o ouve com sua dionisíaca sabedoria. 
Feita com amor, até uma coleção de selos se magnifica. Se torna mais imponente que uma pirâmide se a pirâmide for descrita ou feita por quem não a ama. É assim que pode entrar pela sala alguém e servir um cafezinho, mas sendo aquele o cafezinho onde ela põe sua alma, ela se torna de uma luminosidade invejável. 
Cada um tem um momento, um gesto, um ato em que se individualiza e brilha. Nisto nos parecemos com os animais e peixes ou quem sabe com as nuvens. Animais e peixes têm isto: têm trejeitos raros e sedutores, cada um segundo sua espécie. Até as nuvens, como eu dizia, tem seu momento de glória. 
Uma vez vi um pintor em plena ação, pintando. Meu Deus! O homem era um incêndio só, uma alucinação. Sua face vibrava, havia uma febre nos seus gestos. Era uma erupção cromática, um assomo de formas e volumes. 
Então é disso que estou falando. Dessa coisa simples e única, quando o que cada um tem de mais seu relampeja a olhos vistos. Quando isto se dá, quebra-se a monotonia e o indivíduo se transcendentaliza. 
Pode parecer absurdo, mas já vi uma secretária transcendentalizar-se ao disparar seus dedos no teclado da máquina de escrever. Era uma virtuose como só o melhor violinista ou pianista sabem ser. E as pessoas achavam isto mais sensacional que se ela estivesse engolindo fogo na esquina. 
lsto é o que importa: o incêndio de cada um. Cada qual deve ter um jeito de deflagrar sua luz aprisionada. As flores fazem isto sem esforço. Igualmente os pássaros. Todos têm seu momento de revelação. É aguardar, que o outro alguma hora vai se manifestar.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...