sábado, 1 de janeiro de 2011

2011





O tempo para deixar
a roupa suja de molho
e fazer o acerto de contas
pode ser a conta-gotas
ou pode ser num segundo...

Vamos ser
como a roupa
que seca no varal
suave ao vento
logo logo fica leve
e se livra dos ressentimentos...


Deixemos evaporar
nossos medos
que sejam nuvens
a povoar oceanos
e que levem consigo
toda a ganância...

Vamos inventar o dia
de um jeito alegre
e sempre que possível
com esperança!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

COM QUE ROUPA EU VOU...

Depois de revirar no balaio as experiências 
que juntei durante o ano
constatei que pensei mais 
com o estômago
pensei mais com o bolso
pensei mais com os outros
pensei mais com as manchetes de jornais.

Suo frio a cada campanha na TV,
desde educação para o trânsito
até os "preserve!", "respeite!", "não maltrate!"...

E ao imaginar uma arte
meu superego se inflama
e põe pra trabalhar
meu sentimento de culpa.

Não sei se devo levar a sério
as notícias de catástrofes
ou se devo permanecer indiferente
e me recolher no mundo da literatura...
Enquanto isso a TV 
superdimensiona os fatos
para ter mais IBOPE 
e me entope com propaganda 
de comida industrializada
cerveja e refrigerante...

Tantos ângulos, recortes, 
efeitos especiais e montagens
vestem meu caráter
e dizem qual deve ser
minha visão de mundo
e minha disposição 
pra encarar isso tudo...
Hoje eu não me pergunto:
"Onde estou?", "para onde vou?"
Vestido desse jeito
tenho até vergonha de perguntar:
"Com que roupa eu vou?"

sábado, 25 de dezembro de 2010

ELA CANSOU...

Ela cansou de tanto pensar.

Então, pra descansar a razão
e despertar os sentidos,
dei-lhe uma flor que roubei
de um desses jardins
de classe média.

Agora ela disse
que o amor apagou
a luz da razão
e fez moradia
na flor de sua pele...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O que o vento não levou - Mario Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha no dia do próprio vento...

do livro Acordo. Ed. Globo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

EU E AS PORTAS

Aguardo as férias
para me despedir das portas
e procurar algo novo.

busco oxigênio
para recuperar o tempo
e sugar a essência da vida.

Os homens têm pressa e não me ouvem
por isso eu converso com as portas.
Elas compreendem e não fico só.

As portas me deram as chaves
depois que ficamos amigos
num constante vaivém.

Enquanto as portas se abrem
sem medo do novo
as pessoas se prendem à rotina
pra ter mais segurança.

Ser poeta é perigoso
a mim e aos outros
ainda mais se recitar
em alto e bom som.

As portas pegaram gosto
das minhas histórias
- as pessoas, não.

domingo, 19 de dezembro de 2010

CEIA DE NATAL

Tropecei na perna
de uma mesa
ao ver aquela deusa
na ceia de natal

um vestido vermelho
despertou o apetite
do meu olhar

me apaixonei
sem perceber
que ela podera ser
modelo
de caderno de jornal...

Agora eu me pergunto
se fiquei cego
ou translúcido
se vi uma boneca
um anjo
ou se figurante
de carnaval...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

FEIRA

Na feira
ofertas 
amadurecem
pra todo lado
frutas enfeitadas 
pra estação
e compradores 
apressados...

Se uma feirante disser, no final:

"Gente que compra 
tem demais da conta,
o que falta são abraços!"

O que você diria para ela?

"Nada. Apenas lhe daria um abraço!"

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

INÊS - L. F. Verissimo

Ela tinha as unhas do pé
pintadas de dourado
- eu devia ter me flagrado.
Ela tinha uma flor-de-lis tatuada
nas costas apontando para o rego
- pra onde iria meu sossego?
Ela gostava de Camile Paglia
e de esportes radicais
- como eu não vi os sinais?
Agora é tarde, Inês está aí
eu é que morri.

Zero Hora, 16/12/2010. Da série "Poesia numa hora dessas?".

Gita - Raul Seixas










- Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando, foi justamente num sonho que Ele me falou:


Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado,
Não falo de amor quase nada,
Nem fico sorrindo ao teu lado.


Você pensa em mim toda hora.
Me come, me cospe, me deixa.
Talvez você não entenda,
Mas hoje eu vou lhe mostrar.


Eu sou a luz das estrelas;
Eu sou a cor do luar;
Eu sou as coisas da vida;
Eu sou o medo de amar.


Eu sou o medo do fraco;
A força da imaginação;




O blefe do jogador;
Eu sou!... Eu fui!... Eu vou!...


Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!


Eu sou o seu sacrifício;
A placa de contra-mão;
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição.


Eu sou a vela que acende;
Eu sou a luz que se apaga;
Eu sou a beira do abismo;
Eu sou o tudo e o nada.


Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água e do ar!


Você me tem todo dia,
Mas não sabe se é bom ou ruim.
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim.


Das telhas eu sou o telhado;
A pesca do pescador;
A letra "A" tem meu nome;
Dos sonhos eu sou o amor.


Eu sou a dona de casa
Nos pegue pagues do mundo;
Eu sou a mão do carrasco;
Sou raso, largo, profundo.


Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!


Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão;
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão.


Eu!
Mas eu sou o amargo da língua,
A mãe, o pai e o avô;
O filho que ainda não veio;
O início, o fim e o meio.
O início, o fim e o meio.
Eu sou o início,
O fim e o meio.
Eu sou o início
O fim e o meio.

Raul Seixas e Paulo Coelho

sábado, 11 de dezembro de 2010

COBRAS EM COMPOTA - Índigo






Cobras em compota


Quando eu era pequena, os vidros de maionese eram bem maiores. Não devia existir colesterol naquela época e é aí que começou o problema. Por serem vidros grandões, comportavam cobras enroladas dentro. No laboratório de ciências havia uma prateleira cheia deles.
Se não fosse por esses vidros de maionese, eu poderia ter ido melhor na matéria. Mas com eles ali, impossível. Eu só queria abri-los, meter a mão dentro e puxar uma cobra pelo pescoço. Eu a giraria no ar, feito laço de boiadeiro.
Passávamos de ano e elas ali, provocando. Nunca chegou a série certa para estudá-las. Lembro-me que, de vez em quando, no meio da aula, alguma cobra de índole mais atrevida sibilava para mim. Eu ignorava.
Com o tempo aprendi que, caso abrisse um desses potes, ela pularia em mim, fincaria seus dois únicos dentes no meu pescoço e eu me transformaria numa delas. Eram todas ex-alunas mal intencionadas...



O pintinho e o analista



Um dos motivos por que não faço terapia
é por saber que lá pelas tantas o analista
vai perguntar:
“Qual é a sua primeira memória de infância?”
E como estarei pagando os olhos da cara,
vou me sentir na obrigação de dizer a verdade.
Mas como é que se diz: “sou eu correndo
atrás de um pinto”, sem abrir espaço
para as interpretações mais estapafúrdias?
Era um desses pintinhos amarelos de
feira. Naquela época crianças ganhavam
pintos quando iam à feira com suas mães.
Seu nome era José, e quando busco a mais
remota das lembranças, é esse pinto que
encontro. José correndo pela escada de incêndio,
e eu atrás, chamando por ele. José
some e eu volto para casa sem o pinto.
Dito isto, o analista vai tossir e fazer um
barulhinho do tipo:
“A-hã...”
Isto me irritará profundamente e eu começarei
a me explicar melhor, o que apenas
piora a situação.


Livros pompom



Sempre que me deparo com livros que soltam gritinhos e têm pelúcia na capa, eu me pergunto:
"Por que não escrevo coisas assim, fico rica e viajo o mundo?"
A fim de tentar responder esta pergunta, criei um sistema de leitura para livrinhos desse tipo. Antes de ler suas cinco páginas de texto, avalio o que eu teria feito. O de ontem tinha antenas e se chamava Bia, a abelha. A minha Bia, a abelha, seria:
1) na verdade um coelho, que nasceu num corpo de abelha e, por ter natureza de roedor, rói o caule das plantas e é expulso da colméia.
2) Uma abelha que foge por não concordar com os caprichos da rainha e começa uma sociedade alternativa, que não dá certo porque ninguém trabalha, só ficam tocando violão ao redor da fogueira.
3) Uma abelha que tem um zumbido no cérebro, acaba se perdendo na floresta e tem que se infiltrar em outra colméia, onde as regras são diferentes.
Então abro o Bia, a abelha oficial. O que eu devia ter escrito, para ficar rica e viajar o mundo, é a história de uma abelha que não sabia que para chegar às flores ela tinha que voar. A idiota escalava. Para o desfecho eu teria que criar uma joaninha que explica à Bia que ela devia bater suas asas. Final feliz.

Índigo, do livro Cobras em compota, Ministério da Educação - 2006.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

RETORNO

Ao regressares de viagem
retoco a maquiagem
subo no palco sem saber
qual será meu personagem.

Inventei punhados de papéis
rastejei por becos sem saída
mas nunca aceitei sua mão
dirigir minha vida.

Embaralhei os figurinos
estampas cores perfis
inventei tudo do jeito
que sempre quis...

Agora - tarde demais ou cena repetida? -
agora descubro que preciso correr
se quiser reinventar a minha vida!

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...