terça-feira, 9 de novembro de 2010
Sina
Obedientes
ao mundo
as pombas
ciscam.
Amanhã
o mundo pode
ruir...
Tudo precisa ser feito:
arrumar o ninho
por ovos, chocar...
O destino ordenou
para ter pressa
que a vida vale
o entardecer.
Observo a sina
atrás da cortina
da janela
choca-me a corrida
desigual:
sou pombo
que não tem asas
para fugir.
domingo, 7 de novembro de 2010
Gata
Ela é toda
ardilosa
com sorrisos
e guizos
caninos
molares
me paralisam
ela é dona
do pedaço
que mandou
meus sonhos
pro espaço
o espaço
confunde
na porcentagem:
100% felicidade
ou 100% realidade?!
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Pai não entende nada - L. F. Verissimo
-Um biquíni novo?
-É, pai.
-Você comprou um no ano passado!
-Não serve mais, pai. Eu cresci.
-Como não serve? No ano passado você tinha 14 anos, este ano tem 15. Não cresceu tento assim.
-Não serve, pai.
-Está bem. Toma o dinheiro. Compra um biquíni maior.
-maior não, pai. Menor.
Aquele pai, também, não entendia nada.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
GODOFREDO
Sou refém do Godofredo
um celular cheio de dengos
que vibra fora de hora
aloprando os meus medos!
Vivo numa casa
sem flores na sacada
no mais não tenho nada
além dos tiques do Godofredo...
Ele sempre me acorda
até num sonho profundo
com seus fricotes estranhos
de coisa do outro mundo!
Extravia caminhos
elimina meus sonhos
de desejo e esperança
com sotaque de criança!
Sei que posso desligar Godofredo
seja dormindo ou acordado,
mas o que posso fazer
com o tagarela do outro lado?
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
DIÁLOGO - Moacyr Scliar
- Pai, Deus existe?
O homem deixou de lado o livro que estava lendo e ficou olhando para o garoto sem dizer nada.
- Pai, eu perguntei se Deus existe.
- Eu ouvi. Estou pensando.
- Precisa pensar? Eu só quero saber se Deus existe ou não - disse o garoto irritado.
- Bom - o homem, cauteloso - para algumas pessoas existe, para outras não.
- Para mim não existe - disse o menino.
- Não existe?
- Não, quer ver? - Olhou para cima: - Deus, eu quero uma bicicleta nova. Agora.
Esperou um pouco - muito pouco - e disse, triunfante mas amargo:
- Viu? Viu como Deus não existe?
- Bem - disse o pai, sentindo o terreno movediço - isto não chega a ser urna prova. As pessoas não conseguem logo o que querem.
- Ah, mas se Deus existe, ele tinha de me dar uma bicicleta. Deus não existe.
O homem não disse nada.
- Deus não existe - insistiu o garoto. - Ouviu? Não existe. Ou então está morto. Deus morreu, pai.
Meu Deus, pensou o pai, o garoto está dizendo aquilo que Nietzsche levou anos para descobrir. O seu bom humor, porém, logo desapareceu: o menino estava chorando. Está cansado, pensou o homem. Tomou-o nos braços, sentou com ele na cadeira de balanço, embalou-o, até que o menino adormeceu. Então colocou-o na cama; mas aí já não tinha vontade de ler; de modo que pôs o pijama e foi dormir também.
Acordou de manhã cedo. O menino estava ao lado da cama do casal, uma expressão de triunfo no rosto:
- Sabe o que sonhei, pai? Sonhei que estava cercado de inimigos que queriam me matar. Aí caiu do céu uma metralhadora, e eu matei todos os inimigos. Todos, pai! Com a metralhadora! Foi Deus quem mandou aquela metralhadora!
O pai suspirou, aliviado. Finalmente, Deus estava dizendo a que vinha.
SCLIAR, Moacyr. Diálogo. In: Para gostar de ler - vol. 18 - crônicas - Ática, 2010.
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