terça-feira, 19 de outubro de 2010

Rose e Mary

Rose
e Mary
não são daquelas
que desaceleram
pra um dia sair
de cena.


Alguém olhou
e isso bastou
pra desfilarem
decididas.


Têm de sobra
calor sedução
e sete-vidas...


Sussurros
e segredos
de meia luz
meia noite
e penumbra

miram a todos
sem medo
de coisa qualquer
e coisa nenhuma...

digam, por favor,
que segredos têm
escondidos

na bolsa
no olhar
nas suas vozes
de espuma...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

CONVERSANDO COM DEUS - o filme




Quem assistiu o filme "O segredo", ao ver o filme "Conversando com Deus" vai se deparar com um argumento parecido entre os dois: todo o universo conspira a nosso favor, desde que... façamos alguma coisa...
Várias cenas do último ilustram isso. Coisas, fatos, pessoas, que cruzam nosso caminho, não estão nesse lugar por acaso. A princípio podem parecer absurdas, mas depois ganham um sentido.
Temas voltados à questão da espiritualidade, permeadas pela nossa emoção, são um prato delicioso para a indústria de livros e filmes. Isso não ocorre por acaso. Tem a ver com a nossa condição existencial: viver em nome do consumo e do imediatismo.
O filme questiona o valor que damos às coisas. Onde investimos nosso dinheiro e energia: em ganhar a vida. Será que é isso o que mais importa?

É controversa a questão sobre como "conversamos com Deus". Confesso que para mim, no filme, não ficou claro: ocorre na fantasia? Numa dimensão sobrenatural? No imaginário do personagem?
De qualquer modo, tanto se disse, pregou, sobre a revelação divina para nós, mortais - portanto, falíveis. Que eu não saberia o que dizer agora, mas não abro mão da dúvida, já que sou "humano-falível"...

Neste sentido, busquei no Google escritos sobre o filme que trouxessem alguma luz neste momento. Vai a seguir um texto (vitrine2009.blogspot.com) que visa ser uma crítica ao filme. Considero seus argumentos questionáveis - porém eles embrenham na discussão religiosa, e isso não me encorajo fazer. Vai também um comentário, que considero um tanto esclarecedor na discussão.
Confesso desde já que simpatizo com a visão panteísta sobre a o que é Deus e sua relação com o homem. E no filme pude ver algo, mesmo introdutório, que se aproxima dessa visão.




O filme “Conversando com Deus” é uma criação mística, que envolve conceitos de uma filosofia ocultista e espírita, sendo, claro, camuflado por uma aparência de cristã.




Atualmente, mais do que antes, as novas filosofias místicas encabeçadas pelo Movimento Nova Era vem assumindo um perfil com ares científicos e Cristão. Jesus Cristo vem sendo uma figura que ao ser exposta como “bandeira” de paz, amor, caridade e humildade, serve para conquistar e enganar a muitos que não conhecem a verdadeira mensagem de Jesus Cristo.




O filme Conversando com Deus sintetiza tudo o que falamos no texto “Quem somos nós. Uma crítica cristã”, acerca da compreensão mística de que todos nós, seres humanos, somos deuses. Com um enredo envolvente, o filme explora constantemente o lado emocional humano, buscando através disso, desviar o senso crítico em substituição por uma imagem piedosa e sentida com a história do personagem.




O cristão cauteloso segue o exemplo dos crentes de Beréia, que segundo o livro de Atos faziam questão de conferir tudo o que ouviam com as Escrituras Bíblicas. Se assim fizéssemos saberíamos discernir rapidamente as mensagens ocultas existentes em muitas dessas produções, a exemplo do filme “Conversando com Deus”.




Nesse filme o personagem principal não é do Deus da bíblia, muito menos Jesus Cristo, mas sim o homem-deus, ou deus-homem que, segundo tal filosofia “existe dentro de você”. Conversar com Deus, na mensagem subliminar do filme significa conversar com você mesmo. Ou seja, com o deus que “existe em você”, mas que para isso é necessário “despertar” para essa “verdade” e desenvolver em si mesmo a capacidade de “ouvir” a esse deus interior.




O sucesso ou o fracasso do ser humano depende único e exclusivamente dele aprender ouvir seu íntimo, como diz o personagem: “Concentre-se no que você, pensa sobre você”. E é nessa perspectiva que desenvolve-se todo o filme, baseado na história do personagem em, através de suas experiências sofríveis, “descobrir” que existe uma fonte de sucesso e luz dentro dele mesmo, pronta para “guiá-lo”, desde que ele esteja pronto para ouvir e confiar, afinal: “Não há mais segredos” (risos). Fazendo assim alusão ao documentário “O segredo”.




A filosofia expressa implicitamente no filme reflete a compreensão espírita, hinduísta, teosófica, budista e mormonista de que o grande segredo supostamente revelado por Jesus Cristo é de que somos deuses. Para refutar isso meus queridos, com base bíblica, não quero me dar o trabalho nesse momento, uma vez que já escrevi um texto a esse respeito que explica muito bem através de uma experiência pessoal em minha faculdade. Para quem não leu leia - Quem somos nós. Uma crítica cristã.


Um abraço e até a próxima... (vitrine2009.blogspot.com)

Anônimo disse...

A verdade é uma terra sem caminhos que não pode ser mostrada por seitas, livros sagrados, dogmas etc. A verdade é viva e essa é a beleza dela pois só algo morto pode estar confinada em um só lugar. Partindo do princípio que somos "imagem e semelhança" de Deus, acredito que a melhor forma em estarmos em conformidade e ao mesmo tempo conhecendo a Deus é pela auto-observação e auto-conhecimento. Nascemos e somos criados em um código de condulta estabecidos pela sociedade e tradição e somos moldados conforme esse código. Nunca nos prestamos ao cuidado de olhar as entrelinhas que nos propõe esse código. Sempre nos conformamos o que sempre nos foi imposto. Será esse o verdadeiro caminho ao conhecimento da realidade? Quando julgamos ou condenamos algo ficamos impossibilitados de ver o fato como realmente é, pois nossa mente está sempre a tagarelar com as referências dadas pela nossa tradição. Muitas vezes não nos damos contas que de fato fazemos parte desse TODO que é o universo. Como o livro Conversando com Deus menciona, a humanidade atribuiu a Deus um papel de pai condenador, justiceiro que lhe pune ou recompensa de acordo com os seus atos (onde está o livre arbítrio nesse sentido?), temos medo de ir pra o inferno e com base nisso amamos a Deus para que ele não nos puna com o sofrimento eterno. Onde está o interesse de Deus nos punir com o sofrimento eterno? Ganharia o que com isso? No texto de Deteuronomio 28:15 podemos fazer uma reflexão sobre essa questão de punição. Leiam e reflitam...mas depois só não venham com essa história de que Deus é amor mas é justiça também pois essa afirmação é paralela àquela de que a bíblia foi escrita por homens mas inspirada pelo Espírito Santo. A humanidade precisa acreditar nessa tese para que os fundamentos bíblicos tenham efeito. Contudo, a fé é individual...embora quando ela se organiza ela se mortifica consequentemente se tornando uma religião, seita ou dogma a ser impostos por aqueles que buscam uma respostas para o sofrimento que assolam a humanidade (assim como individual). Particulamente eu acredito que as leis de Deus se manisfestam na natureza e não em livros sagrados (não desfazendo da beleza em suas literaturas). Acontece que só queremos aceitar a "verdade" como nós a compreendemos, rejeitando por sua vez a verdade como nos é apresentada através das nossas experiências.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VELHA HISTÓRIA - Mario Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... 
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: 
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." 
Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...

sábado, 9 de outubro de 2010

PROGRAMADOS





Gepeto acordou
o espírito de Pinóquio.
- O resto da história todos sabemos...

Ai de nós terráqueos
que fomos acesos
pela mão
de um espírito
que habita planetas
desconhecidos...

E se for verdade
que esse espírito
nos programou
para sermos
trágicos e cômicos
só pra sua diversão?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A VELHINHA CONTRABANDISTA - Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)






Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava na fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.


Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:


- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?


A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:


- É areia!


Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.


Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com moamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.


Diz que foi aí que o fiscal se chateou:


- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.


- Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:


- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?


- O senhor promete que não “espáia”? – quis saber a velhinha.


- Juro – respondeu o fiscal.


- É lambreta.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Maria-vai-com-as-outras - Sylvia Orthof





Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Onde as outras ovelhas iam, Maria ia também. As ovelhas iam para baixo, Maria ia também. As ovelhas iam para cima, Maria ia também.


Um dia, todas as ovelhas foram para o Pólo Sul. Maria foi também. E atchim! Maria ia sempre com as outras.


Depois todas as ovelhas foram para o deserto. Maria foi também.


- Ai que lugar quente! As ovelhas tiveram insolação. Maria teve insolação também. Uf! Uf! Puf!


Maria ia sempre com as outras.


Um dia, todas as ovelhas resolveram comer salada de jiló.


Maria detestava jiló. Mas, como todas as ovelhas comiam jiló, Maria comia também. Que horror!


Foi quando de repente, Maria pensou:


“Se eu não gosto de jiló, por que é que eu tenho que comer salada de jiló?”


Maria pensou, suspirou, mas continuou fazendo o que as outras faziam.


Até que as ovelhas resolveram pular do alto do Corcovado pra dentro da lagoa. Todas as ovelhas pularam.


Pulava uma ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra, quebrava o pé e chorava: mé! Pulava outra ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra e chorava: mé!

 
E assim quarenta duas ovelhas pularam, quebraram o pé, chorando mé, mé, mé!

Chegou a vez de Maria pular. Ela deu uma requebrada, entrou num restaurante e comeu uma feijoada.


Agora, mé, Maria vai para onde caminha seu pé.

sábado, 2 de outubro de 2010

MANIA DE TROCAR - Joel Rufino dos Santos




Era uma vez um roceiro que tinha um rádio. Que foi presente de seu pai. Era para o roceiro ouvir os jogos do Brasil na Copa do Mundo.
No primeiro jogo o Brasil empatou.
O roceiro ficou muito aborrecido. Ele só queria que o Brasil ganhasse.
Aí, disse para a mulher:
- Sinhá, o nosso rádio não presta. O Brasil só empatou. Vou trocar por coisa melhor.
E saiu.
Ia passando um tropeiro com sua tropa de burros. O roceiro perguntou:
- Troca um burro por um rádio?
O tropeiro trocou. Levou o rádio e deixou um burro chamado Roucão.
Mas Roucão era demais de burro. Aí o roceiro levou Roucão para a feira. Para ver se conseguia trocar por coisa melhor.
Na feira, tinha um menino com um pato no colo. O menino apertou a barriga do pato. Saiu um montão de moedas. Todas de ouro.
Como se chama esse pato? – perguntou o roceiro.
- Se chama Uma-vez-só.
- Troca pelo meu burro Roucão?
- O que faz o seu burro? – perguntou o menino.
- Fala 432 línguas.
O menino trocou.
O roceiro saiu todo feliz.
- Agora eu fico rico! – disse o roceiro.
E apertou a barriga do pato. Apertou que apertou. Saiu foi ouro nenhum.
Foi reclamar para o menino. Mas o menino explicou:
- Ele só faz as coisas uma vez. Por isso se chama Uma-vez-só.
O roceiro quis destrocar, mas o menino encerrou a conversa:
- Trocou, ta trocado!
Ia passando um violeiro.
- O senhor não pode me dar comida? – gritou ele para o roceiro.
O roceiro respondeu:
- Só tenho esse pato... mas troco por sua viola.
- Minha viola é encantada – disse o violeiro.
- E o que faz uma viola encantada?
- Ela toca sozinha, mas como estou com fome, troco pelo pato.
E o sorriso do roceiro saiu com a viola. Ela tocou que tocou. Tanto que o roceiro não agüentou.
Tapou os ouvidos, guardou a viola no baú. Adiantou? Qual nada!
- CHEGA!
Ficou esperando na estrada até que passou um mágico.
- Quer vender a viola?
- Troco por sua cartola.
- Sem minha cartola estou perdido, mas troco pelo meu cavalo invisível.
O roceiro não enxergava cavalo nenhum. Mas trocou.
E se arrependeu loguinho. Não sabia onde o cavalo estava. Ficou com a testa cheia de calos, dos tombos que levou tentando montar no cavalo.
Vai daí que passou um matuto. Escatapum! Deu uma trombada no cavalo invisível.
- O que é isso? – perguntou o matuto.
- É um cavalo que não se vê. Mas garanto que é bom. Quer trocar?
O matuto matutou que matutou.
Estava doido pelo cavalo invisível.
Nunca tinha visto um, na sua vida de matuto. Remexeu que remexeu na sacola.
- Só tenho um rádio...
E o roceiro deu o cavalo. E o matuto deu o rádio.
Era o rádio que o seu pai lhe tinha dado.
O roceiro ligou o rádio. E ouviu que o jogo ia começar de novo.

Do livro Mania de trocar.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Oficina de poesias e contação de histórias




Muitas vezes a realidade em que vivemos é monótona e desoladora. Nos deixamos envolver de tal forma por ela, que os sonhos que nos acompanham desde pequenos acabam fugindo pelas janelas das percepções.
Muitos não foram apresentados aos livros, seja na vida familiar, na escola ou no trabalho. Os livros, que ganhamos de presente da tradição cultural, sacodem nossos sonhos, e também criam sonhos, junto com o desejo e a esperança. Aceitar o convivío com eles pode ser nossa salvação.
Renovamos nossas expectativas quando escolas abrem suas portas para os autores poderem conversar com crianças e jovens sobre a importância da literatura na vida de todo mundo.
Ter contato com as histórias, reais e imaginadas, e confrontá-las com nossa história. Esse é um grande passo na direção da liberdade.

Obrigado à Escola E. E. E. F. Hermann Faulhaber, de Panambi/RS,  por nos ter recebido no dia 29/09/2010.
Pudemos realizar oficinas (de declamação de poesias e contação de histórias) com alunos de quinta a oitava séries do Ensino Fundamental.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

O DIAMANTE - L. F. Verissimo



Um dia, Maria chegou em casa da escola muito triste.
"O que foi?" perguntou a mãe de Maria.
Mas Maria nem quis conversa.
Foi direto para o seu quarto, pegou o seu Snoopy e se atirou na cama, onde ficou deitada, emburrada.
A mãe de Maria foi ver se Maria estava com febre. Não estava. Perguntou se Maria estava sentindo alguma coisa. Não estava. Perguntou se estava com fome. Não estava. Perguntou o que era, então.
"Nada" disse Maria.
A mãe resolveu não insistir. Deixou Maria deitada na cama, abraçada com o seu Snoopy, emburrada. Quando o pai de Maria chegou em casa do trabalho a mãe de Maria avisou:
"Melhor nem falar com ela..."
Maria estava com cara de poucos amigos. Pior, estava com cara de amigo nenhum.

Na mesa do jantar, Maria de repente falou:
"Eu não valo nada."
O pai de Maria disse:
"Em primeiro lugar, não se diz 'eu não valo nada'. É 'eu não valho nada'. Em segundo lugar, não é verdade. Você valhe muito. Quer dizer, vale muito."
"Não valho."
"Mas o que é isso?" disse a mãe de Maria. "Você é a nossa filha querida. Todos gostam de você. A mamãe, o papai, a vovó, os tios, as tias. Para nós, você é uma preciosidade."
Mas Maria não se convenceu. Disse que era igual a mil outras pessoas. A milhões de outras pessoas.
"Só na minha aula tem sete Marias."
"Querida..." começou a dizer a mãe. Mas o pai interrompeu.
"Maria, disse o pai, você sabe por que um diamante vale tanto dinheiro?"
"Porque é bonito."
"Porque é raro. Um pedaço de vidro também é bonito. Mas o vidro se encontra em toda parte. Um diamante é difícil de encontrar. Quanto mais rara é uma coisa, mais ela vale. Você sabe por que o ouro vale tanto?"
"Por quê?"
"Porque tem pouquíssimo ouro no mundo. Se o ouro fosse como areia, a gente ia caminhar no ouro, ia rolar no ouro, depois ia chegar cm casa e lavar o ouro do corpo para não ficar suja. Agora, imagina se em todo o mundo só existisse uma pepita de ouro."
"Ia ser a coisa mais valiosa do mundo.'
"Pois é. E em todo o mundo só existe uma Maria."
"São iguais a mim. Dois olhos, um nariz..."
"Mas esta pintinha aqui nenhuma delas tem."
"É..."
"Você já se deu conta que em todo mundo só existe uma você?"
"Mas, pai..."
"Só uma. Você é uma raridade. Podem existir outras parecidas. Mas você, você mesmo, só existe uma. Se algum dia aparecer outra você na sua frente, você pode dizer: é falsa."
"Então eu sou a coisa mais valiosa do mundo."
"Olha, você deve estar valendo aí uns três trilhões..."

Naquela noite a mãe de Maria passou perto do quarto dela e ouviu Maria falando com o Snoopy:


"Sabe um diamante?"

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

OS ESTATUTOS DO HOMEM - Thiago de Mello


Foto - Sebastião Salgado


Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.


Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.


Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.


Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.


Parágrafo único:

O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.


Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.


Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.


Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.


Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.


Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.


Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.


Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.


Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.


Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.


Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
(Ato Institucional Permanente) - a Carlos Heitor Cony

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um dia em sala de aula - Fernando Sabino

Magricela como Olívia Palito, mulher do Popeye, parecia um galho seco dentro do vestido escuro. Era antipática e ranzinza. Usava óculos de lentes grossas: não enxergava direito, vivia confundindo um aluno a outro.

A aula de religião não contava ponto nem influía na nossa média, mas a diretora nos obrigava a frequentar.
Um dia apareceu uma barata na sala de aula. Descobrimos então que Dona Risoleta tinha horror a baratas: soltou um grito, apontou a bichinha com o dedo trêmulo e subiu na cadeira, pedindo que matássemos. Era uma barata grande,daquelas cascudas.

A classe inteira se mobilizou para matá-la. Foi aquele alvoroço: empurrões,cotoveladas,pontapés, risos e gritaria, todos querendo atingi-la primeiro. E a coitada, feito barata tonta, escapando no chão. Até que, de repente, tive a sorte de dar com ela passando a correr entre meus pés - e esmigalhei-a em uma pisada só.


Fui aclamado como herói, vejam só: herói por ter matado uma barata. Até Dona Risoleta me agradeceu trêmula, descendo da cadeira e me dando um beijo na testa. Esse beijo a turma não me perdoou,durante muito tempo fui vítima da maior gozação: diziam que dona Risoleta estava querendo me namorar.

Deste episódio nasceu uma brincadeira que passamos a fazer em toda aula de religião, duas vezes por semana. Alguém trazia uma barata viva dentro de uma caixa de fósforos vazia, para soltar na sala de aula entre as carteiras, até que um aluno denunciasse a sua presença. Quando não era a dona Risoleta que soltava um gritinho:

- Uma barata!

Um dia ela foi reclamar providências da diretora, dizendo que o prédio era velho, estava precisando de uma limpeza em regra, vivia cheio de baratas. Naquele tempo não havia dedetização,de modo que a diretora não tomou providência nenhuma, nunca tinha visto barata na escola. Aquilo eram fricotes de Dona Risoleta.

E a coisa ficou por isso mesmo, de vez em quando aparecendo uma baratinha, para alegrar a aula de religião. Houve uma que subiu pela perna da professora e foi se esconder debaixo da sua roupa. A mulher deu um pulo de três metros de altura se sacudindo toda, aos berros, como se estivesse louca, por pouco não se atirou pela janela.

Até que o Dico um dia esqueceu na carteira uma caixa de fósforos com a barata dentro. Sem saber para que diabo aquele aluno havia de ter trazido fósforos de casa, se todos nós éramos crianças, não fumávamos, dona Risoleta, curiosa, abriu a caixa. A barata saltou em sua cara num vôo aflito, largando pedaços de asas no ar, e se refugiou nos seus cabelos. A coitada só faltou desmaiar de susto. Saiu correndo feito doida com barata e tudo e foi nos denunciar à diretora.

O Dico acabou suspenso por uma semana, como responsável por todas as baratas que já tinham aparecido. Com isso, ficou sob ameaça de perder o ano, por falta de frequência.

Do livro O Menino no espelho.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...