terça-feira, 22 de junho de 2010

O ROBÔ - Luis Fernando Veríssimo


Tenho contado esta história para meus alunos de sétima, oitava e ensino médio. É mais uma daquelas narrativas do Veríssimo que misturam humor com ironia. Uma daquelas histórias que gostaríamos de ter escrito. Que dizemos, depois de a ter lido: "Como não pensei nisso antes?"

Um dia ele chegou em casa com um robô. O robô era baixinho, redondo e andava sobre rodinhas. A mulher achou engraçado, mas sentiu uma ponta de apreensão. Para que um robô em casa?
- Olhe só - disse o marido. E, dirigindo-se ao robô, disse: - Seis!
O robô foi até o quarto do casal e de lá trouxe os chinelos do homem e a sua suéter de ficar em casa. Voltou para o quarto levando o paletó, a gravata e os sapatos.
- Mas isso é fantástico - disse a mulher, sem muita animação.
- Ele está programado para só obedecer à minha voz - explicou o homem.

Estava tão entusiasmado com o seu robô que a mulher decidiu não lembrar a ele que naquele dia eles faziam dez anos de casados. Ele continuou:
- É um código. De acordo com o número que eu digo, ele sabe exatamente o que fazer.
- Sim.
- Os números vão de 1 a 100 e obedecem a uma sequencia que corresponde, mais ou menos, à importância relativa das tarefas. Entendeu?
- Entendi.

Se ela não tivesse dito nada, seria a mesma coisa, porque o homem não a escutava. Olhava para o robô como um dia, dez anos antes, olhara para ela. Pelo menos ela ficou sabendo que, numa escala de 1 a 100, os chinelos que lhe trazia todos os dias quando ele entrava em casa correspondiam a 6.
Depois do jantar, quando ela começou a limpar a mesa, ele a deteve com um gesto. Disse para o robô:
- Sessenta e um!
O robô rapidamente tirou os pratos da mesa, botou tudo dentro da máquina de lavar pratos, ligou a máquina e voltou para aguardar novas instruções.

Mais tarde, quando o marido disse: "Que tal um joguinho de cartas?", ela levantou-se, alegremente, para pegar o baralho. Logo descobriu que o marido falava com o robô.
- Dezoito!
O robô correu na frente dela, pegou o baralho, pegou o bloco de papel e um lápis, arrumou a mesa para o jogo e ficou esperando. Ele sentou-se para jogar cartas com o robô. Ela perguntou:
- Posso jogar também?
- Este jogo é só para dois - disse o marido. - Você pode ir se deitar, se quiser.
- Você não vai querer mais nada?
- O que eu precisar o robô pega.

Do quarto, ela ficou ouvindo o marido dizer, a intervalos, "vinte e seis" ou "trinta e um", e o ruído do robô, na cozinha, pegando cerveja, salgadinhos, etc.


Tomou uma decisão.
Levantou-se e foi até a sala. De camisola.
- Querido...
- Você não estava dormindo?
- Não.
- Nós fizemos muito barulho?
- Não.
- Então o que é?
- Tem uma coisa que eu faço que esse robô não faz.
- O quê?
- Uma coisa de que você gosta muito.
- Você quer dizer...
- Arrã - sorriu ela.
- É o que você pensa - disse ele. E, para o robô: - Um!
Aí o robô correu até a cozinha e começou a reunir os ingredientes para fazer uma musse de chocolate.

Grupos feministas a apoiaram ruidosamente durante o julgamento, com toda a razão.

Do livro A mãe de Freud, Círculo do livro.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

CENÁRIOS

A maquete dos sonhos
prendeu meu olhar.

Cenários se suscedem
e meus olhos
nem conseguem piscar
ou desviar sua direção.

Quando vem o medo
e implora pra recuar
a maquete sussurra horizontes
que moram juntinhos
do meu coração.

Aí, dá uma vontade
de construir praças árvores
cheiros que a chuva traz
tudo o que um dia vi
e toquei com as mãos.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

SEGREDO Henriqueta Lisboa

Andorinha no fio
escutou um segredo.
Foi à torre da igreja,
cochichou com o sino.

E o sino bem alto:
delém-dem
delém-dem
delém-dem
dem-dem!

Toda a cidade
ficou sabendo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

FRANKSTEIN




A menina tem

             a boca

    nas orelhas



não é pela lua

não é pelo sol

é que a menina passeia

       com seu frankstein



O rabo é um toco

               e o troço

diz pouco

au, au, au

diz pouco

ai, ai, ai...



frankstein não vive

                amarrado

não é solto das patas

não tem pedigree

não é vira-latas



só diz au, au, au

quando a menina vem

só diz ai, ai, ai

quando a menina vai.

terça-feira, 15 de junho de 2010

QUERIA QUE EXISTISSE... - Tatiana Belinky



Esta história, creio, traz preciosos argumentos que ajudarão a justificar a necessidade dos livros e da leitura na vida das crianças. "Criança necessita tanto do 'sobrenatural' como do 'mágico' e do 'fantástico'". Dizem o mesmo os psicanalistas Diana Corso e Mário Corso, no livro Fadas no divã


O que vou contar aconteceu quando o protagonista deste “causo” estava em plena época dos “por quês” e “pra quês”: quatro anos de idade. Uma idade em que as cabecinhas infantis funcionam à toda, observando e indagando e tentando decifrar o complicado e misterioso mundo que as rodeia. Um mundo complicado e misterioso, mas também fascinante, e às vezes mesmo assustador. Mas vamos ao “causo em causa”.

Andrezinho nasceu de um casamento “misto”, de um casal oriundo de religiões diferentes, e seus pais, um tanto intelectualizados e agnósticos, não se preocuparam em ensinar-lhe qualquer coisa sobre religião. Achavam que, à medida que os filhos fossem crescendo e amadurecendo, acabariam por encontrar e escolher o seu próprio caminho. E que, por enquanto, bastava educá-los numa linha ética e humanista, de amor, solidariedade, tolerância e respeito – por si mesmo e pelo próximo.

Foi na hora do almoço. Sentado à mesa, com os pais e o irmão maior, Andrezinho não participava da animada conversa familiar. Como sempre, quando ficava pensativo, ele enrolava no dedinho indicador a mecha de cabelo macio que lhe caía da testa, os grandes olhos negros, tão parecidos com os do pai, perdidos na distância. Até que por fim, já na sobremesa, o menino soltou um suspiro tão profundo, que todos se voltaram para ele.

- O que foi, André? – Perguntou a mãe, que nunca o chamava de Andrezinho, porque ele não gostava de diminutivos, a ponto de chamar uma escrivaninha de escrivana e uma galinha de gala...

A resposta veio sem titubear:

- Ah... eu gostaria que existisse Deus!

Surpresa geral: ninguém – pelo menos ninguém da família – nunca lhe falou nesse assunto, nunca disse que Deus existia ou deixava de existir. Quando muito, ele deve ter ouvido em casa – porque ainda nem ia à escola – exclamações do tipo “Ai, meu Deus”, “Se Deus quiser”, “Graças a Deus”, “Deus me livre”, essas coisas. E agora, aquele sentido suspiro!

- Mas... por que você diz isso? – pergunta a mãe, carinhosamente, após brevíssima hesitação.

- Porque, se existe Deus, eu ia pedir-lhe uma coisa.

Os pais se entreolharam: o que será que falta a este menino, “onde foi que erramos”? E a mamãe, jovem e inexperiente, pra não dizer bobinha, pergunta:

- Mas o que é que você iria pedir a Deus, que o papai e a mamãe não te podem dar?

E imediatamente, pela expressão do rosto do filhote, mesmo antes de ouvir a resposta, percebe que a sua pergunta foi no mínimo ingênua, ou mesmo tola. Porque a resposta veio pronta, em tom entre admirado e reprovador:

- Ah, mãe! Se existisse Deus, eu ia pedir a Ele para existir Papai Noel!

Ninguém riu. E não era caso de rir, mesmo.O Andrezinho acabava de nos dar uma grande lição, uma “aula magistral”, numa só curta frase. E a lição era: criança necessita do “sobrenatural” como do “mágico” e do “fantástico”.

“Tadinho” do André – quatro aninhos e já tão sem “ilusões”. As lindas ilusões e fantasias dos contos de fadas, das poesias, de todas essas coisas bonitas e muito, muito importantes para a criança. “A fantasia é o hormônio da alma”, disse o famoso escritor e pensador Ortega y Gasset, “sem a qual a alma se resseca e morre...”.

Mas não se preocupem: o Andrezinho superou esse ceticismo, e foi, ele mesmo, um formoso sonhador e poeta na vida.

Do livro Bidínsula e outros retalhos. Editora Atual, coleção Conte outra vez. 1990.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...