domingo, 20 de dezembro de 2009

FINAL DE FESTA



Minha via-crúcis me fez suportar as lojas lotadas do centro, atrás do visual ideal para despertar seu olhar. Mas as vendedoras tinham a alma cansada e concentrada nas comisões do final de temporada.

Meus planos não eram os de ser o Papai Noel da festa. Precisava de uma performance genuína. Afinal, todos dizem para que sejamos improvisadores, e que façamos sempre diferente.

Precisava despertar sua atenção, como os fogos de artifício na praia de Copacabana, na virada de ano.

Minha inspiração andava meio desnorteada, por causa da cobrança maluca de alcançar um final feliz.

Todos estão cansados de saber que chegamos no final dessa festa que é o 2009 meio carentes de olhares e aplausos. E aqueles em que mais apostavámos que nos olhassem e aplaudissem, foram os mais indiferentes.

Os outros gravitam em órbitas diferentes, e a grana para pagar analista anda meio curta. Se os outros só falam de si mesmos, resta-nos o comércio. As roupas, jóias e calçados tornam-se o par ideal.

Não prometemos fidelidade, até que a morte nos separe. Já tínhamos assinado um pré-contrato com a moda. E a moda anda igual camaleão.

Eu não era diferente de todo mundo. Um amigo meu comprara a mesma camisa, e a estava usando justamente nesse dia.

Quem dera você não tivesse aparecido nessa festa. De mãos dadas com outro, você estancou a hemorragia de meus sonhos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

PALMAS NO FINAL

Acabou o filme e as crianças aplaudem, não sei se eufóricas, decepcionadas ou indiferentes.
Aplaudem o filme, o teatro, a história, por educação, alegria ou pela força do hábito.
No final desse ano vou aplaudir, com euforia, o que fiz (não, não vai ser pelo dinheiro, que esse foi tão pouco...). Foram novos ensaios, novos amigos(as), e descobertas que colhi por inventar outras formas de agir.
E você, leitor e/ou leitora, vais dedicar-te muitas palmas no final deste mês?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

LEMBRANÇAS DE NATAL



A imagem de Natal que guardo comigo não é a de uma torre, com dezenas de metros de altura, e milhares de lâmpadas coloridas e piscantes, num lugar movimentado e vistoso de um grande centro urbano.

Minha lembrança latente é a de uma estrela, imensa e misteriosa, que indicou aos Reis Magos o lugar de nascimento daquele menino simples, filho de pais pobres, e que veio nos mostrar outros (novos) caminhos: o da simplicidade, humildade, altruismo, liberdade e amor.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pequenas observações sobre a vida em outros planetas - Ricardo Silvestrin



PLANETA DESERTO


Do planeta deserto,

ninguém chega perto.

Não adianta bater palmas

e dizer "oh de casa!",

não vem cachorro latindo,

vizinho espiando,

criança sorrindo.


O carteiro não leva carta,

o circo não leva alegria.

A noite é igual ao dia.


No planeta deserto,

não existe errado

nem certo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CACASO - do livro LERO-LERO (1967-1985)



RITO


Cadê o queijo que estava aqui?

O gato comeu.

Gato filho da puta.


LÓGICA MENOR (DE IDADE)


Nem todo guerreiro guerreia

nem todo Pacífico é de paz

nem todo Constante é constante


mas a Gracinha é gracinha


MINORIDADE


Sou criança mas não sou

bobo


CONSOLO NA PRAIA


A beleza passa mas a inteligência

permanece


CARTEIRA PROFISSIONAL


Não sou amado no amor: sou

amador


O LUGAR DA TRANSGRESSÃO


Encontrei um sapo cochilando dentro de

minha botina. Nunca me meti em botina

de sapo. Que liberdades são essas?


ROTINA


Uma comissão de urubus inspeciona

o pasto desde ontem. Foi cascavel novamente.


SÃO FRANCISCO


O velhinho saiu da janela pra não ser

fotografado.

Coisa de criança.


MODA DE VIOLA


Os olhos daquela ingrata às vezes

me castigam às vezes me consolam.

Mas sua boca nunca me beija.


LÁ EM CASA É ASSIM


Meu amor diz que me ama

mas jamais me dá um beijo


pra continuar rejeitado assim

prefiro viajar para a Europa.


SERESTA AO LUAR


Desde que declarei meu amor nunca

mais me olhou de frente.

domingo, 6 de dezembro de 2009

DO LIVRO "CLASSIFICADOS POÉTICOS" - Roseana Murray



Menina apaixonada oferece

um coração cheio de vento

onde quem quiser pode soprar

três sementes de sonho.

O coração da menina

ilumina as noites escuras

como se fosse um farol.

É um coração como todos os outros:

às vezes diz sim

às vezes diz não

às vezes diz sim

às vezes diz não

e tem sempre uma enorme

fome de sol.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SEM ASSUNTO



Não sei se foi furacão tornado que passou por Ijuí.

Só sei que me entornei, qual árvore torturada no liquidificador.

E foi assim que esse (tão) pouco pude escrever.


Seus olhos

consoantes

a vogais

sublinhavam

tônicas

trêmulas


a boca DJ

cuspia

canções

tetraplégicas


nem tosse

nem rinite

alérgica

era overdose

da adrenalina

biotônica.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

LUA ATRÁS DO TELHADO



Estava na ante-sala

e seus passos

pediam socorro

às lajotas.



Usava short

peircing no nariz

e tinha olhar assustado

pra estremecer

gengivas e lábios.



Recordo o episódio

emocionado ao avistar a lua cheia

sair detrás do telhado de um prédio.



Não quero pensar

sou todo sentir

- sem rancor nem ódio -

e enxergar a moça e a lua

turbinando de vida

o tédio.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CADÊ A SAÍDA?



Contou-me uma amiga que, desde pequena, ao se enredar numa frustração, ou diante de algum problema sem imediata solução, levava as mãos aos cabelos – alisava, ajeitava, enfeitava. E o faz até hoje. Além dos cuidados com os seus cabelos, devora barras de chocolate e assiste punhados de desenhos animados.

Barão de Munchausen é um personagem de aventuras em que o herói realiza façanhas pra lá de impossíveis do ponto de vista da normalidade e da compreensão lógico-racional. Numa das aventuras o barão, montado em seu cavalo, depara-se afundando num pântano de areia movediça. Está perdido, pois não pára de afundar. Nisso o barão é iluminado pela seguinte idéia: puxar-se pelos próprios cabelos e, assim, sair do buraco em que afundavam, ele e o cavalo.

Em filosofia esse recurso é visto como um problema lógico insolúvel, uma situação em que não há saída. Por exemplo, ao apresentarmos a defesa de uma idéia e, para isso, recorremos a uma premissa absurda – porque não tem sustentação lógico-racional.

Todo o dia, desde crianças, engolimos frustrações, porque vivemos o jogo de estímulos e apelos constantes para desejarmos ter alguma coisa, (e a sua relação com um ideal de felicidade – identificar-se com os objetos de consumo), e a negação disso tudo, tendo em vista nossa condição social e existencial. Nesse jogo entre oferecer e negar, vamos empilhando frustrações.

Diante dos nãos que a vida e a sociedade nos dão, é preciso buscar saídas. E a maioria, em vez de buscar uma luz em si mesma, volta-se para o exterior. Uma religião, grupo de boêmios, drogados ou, até, nos medicamentos (faixas pretas).

Com certeza, a literatura serve como grande auxílio para fortalecer nosso eu. Os grandes textos, romances, poemas etc., com seus personagens (heróis, vilões), bem como os valores que estão em jogo, vão fortalecer os alicerces de nosso eu interior. Assim estaremos melhor preparados para enfrentar tsunamis e tempestades.

Podemos alisar os cabelos, ficarmos horas diante do espelho, ou sonhar com saídas absurdas para nossos problemas. Mas eles, os problemas, vão e voltam. Por isso necessitamos fortalecer nossas defesas. Que tal um bom livro na cabeceira da cama, em vez de caixas de remédio em cima da cômoda?

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

MENTIRAS E MENTIRAS

Dia desses meu filho, Giovanni, fez o seguinte pedido: queria que eu fosse campeão ou, ao menos, um dos melhores jogadores no campeonato de pais do colégio onde ele estuda.
Com o passar dos jogos, vendo a dificuldade de nosso time vencer (foram 3 derrotas e 2 vitórias), ele frustrou suas especativas. Agora quer que eu conquiste, pelo menos, uma medalha. Para me motivar, o Giovanni dizia:
- Você joga bem, cara! - Força! Você pode!
Diante da dura realidade de atleta, a vontade que tive era de jogar video-game. Nos jogos virtuais escolhemos o grau de dificuldade e, sendo assim, podemos vencer a maioria das competições. Nos jogos de brincadeira, libertamos a imaginação, e aí erguemos taças, colecionamos medalhas.
Tenho consciência da decepção de meu filho, e fico chateado ao saber que ele criou alguma espectativa, com relação à minha performance na quadra. Joguei bem dois ou três jogos, fiz um golaço no ângulo, chutando a bola de voleio, do meio da quadra. Confesso que até me iludi, achando que poderia ser um dos melhores do campeonato, e beliscar, quem sabe, uma vice-artilharia.
Agora que o campeonato terminou, fico matutando: no que uma criança pode confiar, com relação às promessas dos adultos?
Com nove anos, Giovanni habita vários mundos. O de verdade e o de mentirinha. Mundos do brincar, jogar, fingir, teatralizar, etc., etc. Mesmo que, ao brincar, ele esteja criando outros mundos - mais ricos e mais belos, porque cheios de possibilidades e invenções, se comparados ao mundo real -, ele sabe a diferença entre realidade e imaginação.
Confesso a vocês que estou superando minha ignorância a respeito da "inocência" que as crianças têm das coisas. Elas imaginam, fantasiam, brincam, mas sabem diferençar as "mentirinhas" da mentira. Ao se defrontarem com a última, elas se sentem magoadas e angustiadas.
Sabedor disso, desde o início do campeonato tratei de dizer a meu filho que era um dos mais velhos, dentre os jogadores, que estava fora de forma e acima do peso, e biriri bororó...
Mas o pior de tudo é que construí a convicção (mentira?), para mim mesmo, de que no próximo campeonato de pais do colégio vou baixar o peso e estar em forma. E, é óbvio, vou ser um dos melhores e, quem sabe, vice-goleador.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

FRUTA NO PONTO - Roseana Murray

Às vezes dá vontade
de agarrar a vida
com uma duas
dez mãos
e levar à boca
e trincar nos dentes
como uma fruta
no ponto

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...