segunda-feira, 24 de abril de 2023

Quando eu era louquinho

 


Você-é-tudo-e-nada

ao-mesmo-tempo.

Num dia, revolucionário,

faz picadinho da tábua de valores,

mas logo se vê juntando os cacos de vidro

de mais um prato que quebrou.

Durante semanas brotam

cacos-espalhados-pelo-chão.


Hoje foi viagem total.

Um livro meu tem a possibilidade 

de ser adaptado para o teatro,

e nessa le-va-da fui até o quarto borrifar perfume,

queria chegar logo ao bar pra beber umas

e brindar com os amigos 

os-momentos-quem-sabe-possíveis-de-se-eternizarem.

Tanto delírio me levou a derrubar e espatifar

o frasco no chão.


Comentário de uma amiga psicanalista:

Diz muito o fato de você deixar as coisas caírem

e virarem fragmentos-de-histórias.

Em poucos anos de terapia

você compreenderá. 


Quando eu era louquinho

cortava a realidade feito meteoro.

Hoje as coisas que toco

quebram com mais e mais facilidade.

O perfume não era importado.

Era apenas imitação.

Mas no final das contas

ficou um pouco do perfume

em-cada-poema-e-nas-minhas-mãos.


(B. B. Palermo)

domingo, 16 de abril de 2023

Rebelião dos bichos

 


O Zé lia seus poemas para mim

enquanto a bicharada se empoleirava 

nas mesas próximas do bar,

declamando suas qualidades culinárias. 

Gritavam todos ao mesmo tempo,

ninguém dava ouvidos a ninguém 

- como desenvolviam suas panquecas, 

seus camarões ao molho e etcétera e tals.

Zé pegava carona

numas sinfonias de Beethoven e Bach,

senti que desejava alcançar os olhos 

de Deus.

No meio do bombardeio, 

eu tentava entender onde o poeta iniciava, 

desenvolvia e fechava suas narrativas.

Ele carregava uma pasta 

com uns 1.100 poemas.

Não suportou emprestá-los 

para que eu os degustasse com calma, em casa,

longe da rebelião dos bichos.


Será que um dia a galera vai ter alguma sensibilidade 

e vai conseguir sentir o sabor 

de uma obra de arte?

Imagino como foi com o pobre do Van Gogh, 

pintando seus quadros 

em meio a uns bárbaros 

totalmente insensíveis 

ao desabrochar 

da criação. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Singela

 


Pelas ruas 

ando

desolado 

à procura de um destino

a que possa me agarrar 

como um náufrago 

no oceano.

No alto

da janela 

de um prédio 

ouço singela voz.

Pareciam as canções 

que me embalaram

na infância 

fadas

princesas

ou afagos de mamãe. 


Singela, assim a batizei

e fiz as perguntas que há séculos 

me perseguem:

O que tens para mim

para ti

para o nosso lar

o que trazes das esquinas 

das feiras

das promessas feitas 

todo ano?


Sua voz trouxe 

sossego 

a alma náufraga 

se aquietou. 

Agora a eternidade 

me pertence 

embora haja espaços 

vazios 

que voz nenhuma 

preenche. 


(Zé & B. B. Palermo)

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Capitu

 

Ela partiu não sei pra quais jornadas
nas estrelas
e eu fiquei destruído,
então joguei o Buggy azul
contra uma guarita na beira do mar.
Tudo certo, não havia veranistas
e salva-vidas e senhoras marisqueiras
com seus olhares inquisitivos,
minha dignidade sobreviveu.
Miro o futuro,
dispenso pensar se alguém teve seu abraço,
sexo e olhar misterioso - estou tranquilo,
um apaixonado
pela Capitu do Século XXI.
Ela voltou ofertando-me de bandeja
versos mortais e até imorais.
Isso não tem importância
diante das ideias e ações duns monstros
agindo por aí.
Todos botam a boca no mundo e falam
e sabem a verdade.
Apenas eu tenho dúvidas
de quem pirou quem:
o indivíduo ou a sociedade.
Milagre, ela retornou ao lugar
que nos anima e inspira, aqui no bar do hotel,
e eu vi, alguns bebuns já cruzam
o Cabo da Boa Esperança,
mas eu, juro, nunca perdi o amor por essa dama
de verde.
ESPERANÇA!
Eu a contemplo sem culpas.
Estou à vontade e bebo outra cerveja,
e assim (Aleluia!) estou dispensado de voltar para casa no início da noite,
estou livre de ver na TV
as tragédias do dia
de hoje.
(B. B. Palermo)
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sábado, 25 de março de 2023

A genuína overdose

 


pingos me vinham

das calhas e

dos céus

e formavam córregos

e rios

correndo feito loucos 

até os oceanos


mas só havia pedreiras

pântanos 

e peraus 

dentro de mim


bêbado ou sóbrio

certo dia captei 

alguma beleza

amanhecendo 

e anoitecendo 

triste triste


hoje engatinho atrás 

da próxima dose 

e de alguns pingos 

que sejam o elixir 

da genuina 


overdose 


(B. B. Palermo & Zé)


terça-feira, 21 de março de 2023

Vem tormenta por aí

 


Ridículo ou engraçado, não sei.

O casal de velhinhos me viu na praia

meio curvado 

(movimentos suspeitos?)

anotando algo num papel. 

Espantaram-se, quando comentei:


ESTOU CAPTANDO IDEIAS NO AR.

VEM TORMENTA POR AÍ!


Pobres criaturas, 

logo partirão. 

Não terão o privilégio 

de cuspir 

pra bem longe

minha literatura. 


(B. B. Palermo)

terça-feira, 14 de março de 2023

Não é preciso tacar fogo na casa

 



Eu poderia estar contemplando a paisagem

pela janela de um avião 

a caminho da ilha de Fernando de Noronha, 

mas aqui estou me digladiando com a senhoria do cafofo. 

Tento vários disfarces pra entrar e sair 

com os latões de ceva.

Ela sabe tudo, 

é uma caninana cheia de truques. 

Me distraio mirando sua filha, 

uma baixinha com pernas bem torneadas. 

Ah, que pena, pouco tem ido à praia, poxa, o sol precisa retocar o seu bronzeado!

Tento manter relações amistosas com a senhoria.

Elogio as plantas "milagrosas" que ela cultiva junto ao prédio, 

próximas das janelas do cafofo.

À tardinha ela embriaga as pobrezinhas com uma mangueira,

e aí está um bom motivo pra correr pro boteco. 

Falando em plantas, o que me vem 

é o chá de Boldo,

o garotinho dá uns golpes abaixo da linha de cintura 

quase que diários 

na minha ressaca.

Tentei ser um bom homem,

nada de brigas com a dona,

instrui as minhocas que cavoucam na cabeça 

a focarem nas pernas tentadoras de sua filha.

Hoje o clima está ameno,

a senhoria prometeu me ensinar a apanhar mariscos na praia 

e preparar deliciosos pastéis, 

que ela jura serem tudo de bom.

Rapaziada, se me permitem um conselho,

nunca batam de frente com essas poderosas. 

Negociem, negociem...

Avancem 2 passos e recuem pelo menos 1.

Acredito que não é preciso 

tacar fogo na casa 

pra se livrar do cupim.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de março de 2023

Não me chames em cima da hora



Meu bem, até parece que tu 

não delirou na adolescência, 

nem se dilacerou com algumas 

paixões. 

Até parece que tu não leu 

O Pequeno Príncipe, 

não copiou em letras de forma 

nos cadernos de escola 

as frases ditas pela raposa ao garoto, 

o personagem do Exupéry. 

Se queres me cativar, 

não telefone em cima da hora,

não estarei preparado, 

serei mais um dos tantos 

cadelões 

errando pelo mundo. 

Sem os dias agendados

à espera de tua doce mensagem,

estarei embriagado 

contando histórias engraçadas 

porque absurdas

pra outros bebados 

naquele bar de esquina,

voltado para o sol 

e o mar.

Baby, o amor quer 

ser fisgado 

por rituais,

até acontecer o milagre:

um sentir saudade 

do outro. 


(B. B. Palermo)

terça-feira, 7 de março de 2023

Lar

 


Foram 9 horas num ônibus,

e no caminho remoí o prazer

e o cansaço dos reencontros 

com amigos,

e também  as novidades,

fofocas e perplexidades.


Flanando por uma avenida 

do Texas

em direção ao lar

e ao mar,

respiro fundo 

e agarro a vida,

as alegrias e tristezas 

que terei 

pela frente.


Passei diante do cantinho 

onde se instalava o Arthur,

um amigo morador de rua,

e experimentei estranha dor -

não havia mais um lar.


Perdas são tsunamis,

e duvido que alguém esteja 

preparado.


Certo dia seu Arthur 

prometeu  

contar sua história

e por que ainda insiste 

que seu lar

sejam as ruas.


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 1 de março de 2023

O intelectual orgânico

 


- Beiço, como minha literatura 

não rende likes,

pensei compartilhar vídeos 

no Tiktok

botando a mão na massa.

Sei lá, vou passar pra galera 

a imagem de que um intelectual 

de primeiríssima 

também deve sujar 

as mãos

nas batalhas 

do dia a dia. 


- Cadelão,  pelo visto 

tu não tem a mínima ideia 

de que existe uma linha 

que separa 

o ser ridículo 

do ser 

sublime.


(B. B. Palermo)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Prometeu



Concordo, garota, pareço 

com os loucos que brecam 

seus velhos  carros,

enquanto os cães desfilam.

Não fazemos ideia 

de que percorremos as mesmas 

rodovias,

e assim rola minha ligação contigo,

pessoinha,

que PROMETEU devolver o fogo.

Já passei por muitas, Lau,

mulheres perfeitas jogando 

na minha cara:

FRACASSADO!

Ninguém quer ouvir a minha versão. 

Mãos tremendo 

no início da manhã. 

É o álcool, são as drogas?

Uma ansiedade, 

como se embarcasse pra Marte,

numa viagem sem volta...

Lembra quando disse curtir 

Renato Godá?

Meu bem, os sonhos envelhecem,

certezas vão embora,

mas eu faço qualquer coisa,

salto num paraquedas 

e mergulho 

até o centro da terra

pra ficar 

com você!


(B. B. Palermo)

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Cafajeste

 


Garotas maduras 

miram minha face 

e abatem alguém 

que elas imaginam 

ter muitas mulheres.

Elas têm tanto medo 

de entrar numa roubada,

(de novo?)

que visualizam meu corpo 

(fantasma ou assombração?)

como se fosse um Mel Gibson, 

Brad Pitt ou James Bond.

Um sujeito que, 

além de gostosão, 

é um verdadeiro 

Cafajeste. 


(B. B. Palermo)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

7ceva ou 12ceva

 


Novo lar.

Pensei estar livre

dos fantasmas kafkianos.

Aconteceu de madrugada, 

ao acender a luz do banheiro. 

Ela veio em minha direção, atordoada, 

suas perguntas eram as minhas,

uma bobajada, talvez -

Deus, amor, bem, mal, sexo, sexo, sexo.

A barata e eu, repletos de dilemas.

Quem sou?

Por que devo existir?

Devo matar primeiro papai,

Deus,

o patrão

ou a barata?

Sugara na véspera 7ceva ou 12ceva?

Interrogações 

interrogações 

interrogações:

quantas chineladas devo dar na bichinha?

De quantas chinelagens necessito 

para estar à altura

dos meus irmãos?


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Tracy Chapman

 

Tracy Chapman 


se estiver embriagado 

estarei sensível 

e tremendamente 

apaixonado 

por você. 

Não ligue

eu não sei inglês direito, 

longe disso. 

Bebaço, 

sou verdadeiro, 

e me amarro em seu cabelo

e lábios 

e versos

e voz.

Pena, Tracy,

você nunca saberá. 

Embora dependente do tradutor, 

sou sensível o suficiente 

pra ser tocado

e me amarrar 

em tua alma. 


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O poeta e seus clichês



Então ele quis me impressionar 

com sua veia poética, o Zé. 

"Hoje eu vi Rosinha 

onde ela anda, será?

Vem, vem, Rosinha, 

logo você fode o meu lar".

Não suportei o troço. 

- Pô, Zé, isso é um baita clichê!

Aí ele ensaiou outro verso, 

aquelas rimas fáceis 

que vocês conhecem.

- Assim não, Zé!

Rapaz, tu desmonta a poesia,

o M. Quintana vai se revirar na tumba

e pedir pra ser expulso da Casa de Cultura. 


Deixei a poesia de lado 

e falei do cultivo das PANCs.

Ora, ora, sou especialista 

em Ora-pro-nobis. 

Zé aproveitou o embalo, e falou:

- Bah, cara, tu mete na cachaça, 

faz como se fosse um licor,

e salva a humanidade 

de seu problemas 

gastrintestinais!


Apostando na potência 

de minha crítica literária, 

o Zé me alcançou 

um manuscrito seu,

de ontem de noite.

Caralho, ao chegar no final do texto 

eu senti Baudelaire. 


BICHO, BAU-DE-LAI-RE, BICHO!


(B. B. Palermo)

Mariscos



A poucos metros do mar

sinto rebeliões

invisíveis. 

Bolas, cadeiras, guarda-sóis, 

crianças e suas ferramentas 

de plástico, 

buracos enormes na areia

que parecem obras de arte,

mães com seus baldes

aguardam a chegada 

e o recuo das ondas 

pra arrancarem da areia

graúdos mariscos, 

é dia de pastéis 

e de ingerir menos refris

e mais água com gás 

e cerveja se houver

queima de estoque. 

O mar,

em sua força

e natureza angelical 

e durável,

vai roncar pela

madrugada 

enquanto o nosso 

sagrado 

ou perturbado 

sono 

acontece. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Poeta do avesso

 


Alguns senhores, 

papos sérios - 

do alto de suas caipirinhas 

e uísques vagabundos -

não chegavam 

a um consenso 

sobre onde comprar 

a melhor carne do Texas. 

Aí o Zé olhou 

pra garçonete,

linda, 

discreta,

curiosa 

e gostosa,

e disparou:

- Menina, tu não quer devorar 

esse velho coração?


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Chegamos lá

 


Gatinhas de gesso,

com seus lindos olhos ausentes, 

nos observam dos pátios das mansões. 

É como se não nos vissem,

por isso não há corpo,

sexo ou resistência do ar.

Rancorosos, frequentamos academias,

invadimos baladas e sugamos 

aqueles drinks açucarados e depois

nos refugiamos sob as saias 

das mamães. 

Discurso próprio já era,

esperta, a palavra nos foge,

ficamos travados na hora 

de soltar o verbo,

mas não quer dizer que não há 

outras saídas:

compremos uma esteira 

e a instalemos na garagem, 

um lava a jato para nos ocuparmos 

nos fins de semana, 

dando novo visual 

aos carros e calçadas. 

Compremos uns 5 mil livros 

pra ocuparem nossas paredes e mentes ou, do contrário, 

doemos boa parte dos livros que temos

aos que fazem por merecer. 

Talvez seja indispensável uma barraca, 

mesmo sendo usada umas 2 X por ano.


Talvez a essência está em zelarmos 

as medalhas conquistadas na juventude, 

até sacarmos que nossa carcaça 

definitivamente se encontra 

bêbada 

e lúcida. 

Ufa! 

Chegamos lá!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Em busca do repouso



Localizo um bar na direção noroeste

saindo da cidade. 

Do outro lado da avenida 

há um bosque com eucaliptos altos, 

e nas suas copas uns ninhos 

enormes de caturritas,

indo pra lá e pra cá, 

ao sabor do vento. 

Parecem estar na corda bamba,

como a minha vida de poeta 

depenado,

fugindo da gaiola. 

Não é primavera, 

e os pássaros estão calmos.

Quando tudo florescer 

e a sua gritaria for insuportável, 

abandono meu ninho

e rumo para outro continente. 

No bar, os caras entornam seus drinks,

despreocupados com futuras homenagens

nas funerárias,

por padres ou pastores 

e suas belas e reconfortantes 

mensagens:

"Foi um bom homem, bom pai, 

esposo e trabalhador, 

e agora descansa 

junto ao Senhor".


Não suportamos pensar 

que nosso futuro

é o repouso,

quando nosso ninho 

não mais balançará

nem correrá o risco 

de cair.


(B. B. Palermo)

domingo, 22 de janeiro de 2023

Cachorros sabem

 


Pressentia que devia mudar de ares.

Cachorrões sabem que é cansativo 

estar rodeado a vida toda 

pela mesma

matilha. 

Ainda não pressentira a necessidade 

de trocar a filosofia pelo álcool, 

o álcool pela poesia, 

a ficção pelo álcool. 

Hoje, com uma ou com outra,

tanto faz.

Como não encontrei algo decente para fazer,

escrevo umas coisas que vejo

nas ruas.

Estou indiferente a essa destruição acelerada

do amor pelo ódio, 

da esperança pelo terror. 

Tanto faz.

Não importa de qual lado,

somos todos perdedores. 

Miseráveis, o que nos preocupa realmente 

é a vida dos outros.

Há cães decentes e indecentes 

em todo lugar, 

e eles me atraíram para cá. 

Vou me afastar do bando

e vou andar sobre as águas 

e vou acenar pra plateia 

que afunda

abraçada. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

O último chope

 


A última verdade, 

mentira, dissimulação, 

sinceridade, verbo ser,

metáfora aleatória, 

adjetivo qualquer, 

grito, silêncio.

Alguma 

coisa

será 

pela última vez. 

Resta a esperança 

de outra

e outra 

e mais outra

saideira.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Amor

 


Em Texas Beach,

por onde quer que vá

há um cão 

abandonado 

pedindo carinho.

Ainda não aprendi 

a retribuir 

todo esse

amor.


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Um tubarão em Texas Beach

 


- Cadelão, tá sabendo do tubarão 

que apareceu em Texas Beach?

- Claro, Beiço, eu tava lá. 

- Han??

- Tinha uma garotada metida a surfista.

Embriagado de poesia e cerveja, resolvi

dar-lhes umas aulas.

Assim que peguei a primeira onda, ela quebrou,

fiquei meio zonzo, engoli água e aí levei uma rabanada, assim, de lado.

Beiço, o bicho nadou em círculos ao meu redor,

me olhou de lado e falou:

ESTA NÃO É A TUA PRAIA, CADELÃO!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Sensível demais

 


Os ovos tinham aparência estranha, sei lá,

me esforçava pra raciocinar,

Eram de granja?

Galados?

O que significa, porra, essa cor rosada?

Secava as mãos num pano de prato 

que fedia pra caralho, 

Barbaridade, como pode esse cheiro,

se o estou usando não faz uma semana?

Veio à mente a possibilidade de uma faxina geral. 

Fogão encardido, frituras e molhos derramados, 

a pia entupida, copos, talheres, pratos.

A senhoria deixou um tapete comprido junto ao balcão da pia,

não tive coragem de verificar

a aparência dos monstrinhos que ali se escondiam. 

Ao chegar no nono latão,

me dou conta de que o James está na área, e o ratinho me fita com admiração. 

Óbvio, está aguardando o que lhe pertence.

Desisti da faxina ao lembrar o que o Buk me disse certo dia:


CADELÃO, SE O SUJEITO MORA SOZINHO E ESTÁ COM A COZINHA SEMPRE SUJA, EU TE PROVAREI,  EM 5 ENTRE 9 CASOS, QUE O SUJEITO É FORA DE SÉRIE. 


(Inspirado no conto "Sensível demais", de Bukowski. Livro "Fabulário geral do delírio cotidiano ").


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Espere de você

 


Você está morto e de nada importam 

as cenas das novelas, 

os jogos nos pay-per-views, 

o noticiário nacional e internacional. 

A lua segue seu caminho, 

algumas vezes é lembrada e contemplada por apaixonados, 

enquanto você despenca 

no esquecimento. 

Ator, empresário, 

pai, filho, 

neto, padre, pastor, 

você já teve palcos, 

vacilou, sacudiu a poeira

e se regozijou. 

A vida cansa, 

há a fadiga dos metais,

de cérebros, 

corações, rins,

fígados, etc. etc. etc.

Papéis representados,

provisórios, ilusórios, 

não acreditarmos que somos coadjuvantes 

e por tempo limitadíssimo,

ridículo ou sublime. 

Fique ligado,

você ainda está vivo 

e a vida se alimenta do

movimento, 

somos uns palermas emigrantes, 

mutantes,

agarre a vida enquanto ela te acena.

Você pode ter bons momentos.

Não embarque no pessimismo semeado por aí, 

dizendo:


DOS HUMANOS EU NADA ESPERO.


Tudo certo.

Não espere dos outros. 

Espere de você. 


(B. B. Palermo)

domingo, 8 de janeiro de 2023

1001 tons de camarão



Quis encarar o mar

com a cerveja na mão, 

quis fazer um duelo 

mas saquei o surreal da coisa,

uma multidão sapecava na areia

enquanto me observava 

e se besuntava com uns protetores 

do Paraguai. 

Apalpei minha pança 

sapecada pelo sol

e decidi avançar contra as ondas 

até onde a água acariciasse 

meu umbigo. 

Não sou bobo, 

não brinco com o garoto 

gingando e

roncando e

chicoteando 

este corpitcho 

que tem assumido 1001 tons

de camarão. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Alma

 


Meia tarde, esperava 

algo grandioso 

que espantasse o meu tédio. 

Poderiam desembarcar por aqui

centenas de alienígenas 

ou baixar o fim do mundo, 

que fosse. 

Precisava de ação para conter o inevitável:

correr pro bar encher a cara

e o saco de uns bêbados 

ingênuos. 

Foi aí que percebi:

os cães que circulam 

nessas ruas

têm mais alma 

do que os ricaços 

desfilando em seus 

carrões. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Meus pés tostados pelo sol

 


Você pode virar evangélico ou batista, 

ou seja lá o que for,

pode jogar a vida toda na loteria 

sem nunca ter sonhado com as 6 dezenas,

você pode chamar de retardado o garoto que solta fogos 

na virada do ano,

e imediatamente foge pra não levar um tiro 

e até acredita que foi o anjo da guarda que te afastou do perigo,

porque pais, tios, parentes do garoto são traficantes,

você se deixou convencer que uma entidade comanda o universo e, diante dela, não pode fazer nada, 

senão aceitar o destino, 

enquanto bebe todas e 

 todas e todos e etcétera e tals.

Você pode acreditar que a democracia está salva, 

independente do contexto histórico e da vontade dos humanos, 

ou acreditar em milagres, 

dizendo que nossa liberdade está nas mãos de um deus.

Desconfio que o todo-poderoso 

anda pouco sensível aos apelos de bilhões de formiguinhas. 

Academias produzem músculos em série, 

homens se adaptam

e o simples movimentar-se torna-se desfile de soldados com cabeça de papel. 

Penso em tantas coisas que imaginamos e fazemos, 

enquanto as ondas do mar

vão e vêm, vêm e vão, 

beijando esses pés

tostados 


pelo sol.


(B. B. Palermo)

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Em direção ao sol do entardecer

 


Uma garota cruzou de bicicleta 

com sua filhinha na garupa. 

Pedalava em direção ao sol 

do entardecer.

Ia serena e esperançosa, 

e a menina segurava 

uma flor. 


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Será que um dia

 


Cambaleantes, latões numa mão,

a outra segurando a caixa térmica 

das bebidas, 

os caras retornam da praia à tardinha. 

Suas esposas enormes e sérias 

e narizes empinados

debulham ladainhas

e seguem na frente, 

indicando o caminho.

As crianças, bem nutridas

e com algum tédio,

caminham lentamente. 

Diante dos sujeitos embriagados,

empurrando seus porres

e casamentos e férias,

é impossível não me perguntar:

Será que um dia eu chego lá?


(B. B. Palermo)

sábado, 31 de dezembro de 2022

Seja leve

 


Seja leve, 2023,

como um garoto 

zen budista

que ensina 

a esperar

o que era pra ter sido 

e quase foi.

Seja bom garoto, 2023,

continuo 

a esperar.


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Juízo

 

Dizia pro garoto:

Tu é 30 e poucos anos mais jovem

do que papai,

e tem mais juízo do que ele.

Tudo bem.

Cada um percorre e constrói 

o seu próprio caminho,

mesmo que habitemos 

o mesmo hospício. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Medo de morrer

 


Quando as panturrilhas doem,

o coração não vai bem.

O fígado,  ah, esse pobre coitado, deve estar num farelo,

preciso dar uma olhada nele.

O médico falava dos meus órgãos, 

como se fosse mecânico falando de carburadores,

vazamento do radiador ou qualquer outra peça desregulada. 

Cretinos invadem nossa vida

como se fossem moscas em dias de calor e umidade 

e copos de cerveja pela metade

azedando sobre a mesa

de um dia para o outro.

Tantos pitacos,

vontade de fugir,

e não suporto bares vazios,

é terrível encarar a mim mesmo

diante do espelho 

do banheiro. 

Beira a doentio ouvir velhos papos,

futebol,

política, 

negócios...

o mesmo de sempre.


Algo está errado. 

Não consigo me afastar desses cretinos previsíveis. 

Deve ser a idade ou força do hábito,

que nos leva a perguntar do coração, 

rins,

próstata, 

fígado e tals...

como se perguntasse da saúde dos cães e gatos e das amantes. 

Escrotinhos,  eu sei o que se passa: 

temos medo de morrer.


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Pra onde escorre

 


O povo que circula em Texas Beach 

tem comido tanto...

Gente, é um apetite insano,

até as gôndolas dos mercados 

contendo papel higiênico 

esvaziaram. 

Aí eu me locupleto:

Pra onde vai toda

essa merda?

À noite sonho,

deliro,

tenho pesadelos,

e neles estou na praia 

portando faixas, 

cartazes,

pedindo que fechemos as bocas 

e esvaziemos as panças.


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Disritmia

 

Cães órfãos, 

nessas festas

de Natal e Ano Novo

exibimos nossos 

rabos

como se fossemos 

presunto 

ou cerveja

anunciados 

em comerciais 

de TV.


(B. B. Palermo)

Dia de mudança

  Era um dia especial, então fui cedo pro bar. Desejava contar pros bacanas a novidade: depois de alguma espera, deixaria a pensão pra...