Estava
no bar do Telmo lendo jornal e bebendo algumas. Daí a pouco chegou um grupo de
mulheres, duas delas com seus maridos. Um dos casais carregava um bebê de uns
seis meses. Imaginem a operação envolvida pra se levar um bebê num jantar de
amigos num bar, numa noite de inverno. Carrinho, cestinho, cobertores de lã,
sacola com fraldas e mamadeira, etc., etc.
O
brinde do reencontro foi pelo aniversário de uma amiga e, claro, com várias
fotos para postar no Facebook.
Eu tentava
escrever um poema para uma garota que trabalha numa confeitaria, perto de minha
casa. Todo o dia queimo minha grana com sanduíches e doces, só pra vê-la se
engraçar. Ela se exibe parecendo rir de minha cara mas, como me transformo num
palerma quando me apaixono, não percebo nada.
O
bebê choramingou. A
mãe falou pras amigas: “Ela não faz cocô há dois dias”. Disse uma outra: “Você
precisa comer mamão. Essa fruta é laxante. Com a amamentação, isso passa pra
criança. Vai fazer cocô logo logo”.
A
mãe então lembrou de um episódio quando voltou a tomar cerveja, depois do
período de gestação e da quarentena. “Fomos jantar fora. Tomei umas cervejas
com meu marido. Em casa, antes de dormir, amamentei a nenê. Vocês não imaginam.
Ela começou a rir que não parava mais. Pegou no sono às três da manhã!” Disse
uma outra: “Criatura, você embebedou a criança”.
Como
não tinha jeito de não ouvir o que conversavam, pedi outra dose pro Telmo. Uma
das amigas foi até o carrinho e pegou o bebê no colo. “Nossa, parece chumbo!” A
mãe disse: “Ah, não exagera”. “Dê pra ela meio comprimido de laxante. Logo,
logo ela fica bem levinha”.
E
foi assim que a inspiração ficou pra outro hora. Daí a pouco entrou no bar,
meio desnorteado, um amigo meu de beber umas e outras em algumas espeluncas da
cidade. Com aquela cara, pressenti que algo tinha acontecido. Fiz um sinal pra
que bebesse comigo. Eu levo jeito pra psicólogo. Isso, gosto de escutar as
pessoas contarem suas paranoias e tragédias, e o Flori me parecia com cara de
trágico.
“Daí,
meu amigo! Que cara é essa?” “Minha mulher meteu o pé na minha bunda”. “Putz...
O que você aprontou dessa vez?” “Nada demais. Cara, tô casado há quinze anos.
Juntos, construímos uma linda história. Temos nosso menino, o Pedro Geromel, e
também um cachorro, o Cebolinha”. “Mas, assim do nada, tua mulher não ia te
botar pra fora de casa”.
Então
ele contou em detalhes o episódio que desencadeou a crise do casamento. Num
sábado, depois do expediente, encontrou alguns amigos e decidiram conversar e
tomar algumas cervejas. Estendeu-se, o dia passou rápido nesse sofrimento que é
ir de bar em bar. A noite avançou, novos amigos, histórias de amores, festas e
aventuras, e o MEDONHO esqueceu-se de voltar pra casa. Foi com a turma a um
baile, num bairro da cidade. Ele
tentava me convencer, e concordei, de que essa fraqueza, por si só, não tem
tanto poder para sacudir as bases da lei e da ordem do sagrado matrimônio. No
dia seguinte, porém, na hora de colocar os fatos em panos limpos, meu amigo
disse à esposa que chegou tarde porque havia sido convidado pro aniversário
do filho de um amigo. Lá, o jogo de canastra invadiu a madrugada.
No
baile Flori ganhou um prêmio. Nossa, Ele que nunca ganhou nada em sorteios,
durante a vida toda! Era um frango assado, patrocinado por um mercadinho do
bairro.
Dada
a quantidade de cerveja que lhe subiu à cabeça, esqueceu-se completamente do
galináceo. O baile foi um sucesso, e na segunda-feira pela manhã uma emissora
de rádio anunciou os ganhadores dos brindes sorteados.
Pro
seu azar, a esposa sintonizava aquela emissora, naquele instante.
Acusado
de mentiroso e infiel, e pra dar uma resposta à altura dos anseios de familiares
e amigos, Dona Flor botou a criatura pra correr. Arrependido, e morando de
favor na casa de um parente, ele sente falta da esposa, do filhinho e do
cachorro, sua pátria e porto seguro.
“Cara,
fiquei tocado com tua história. Acho que isso não é motivo suficiente para
acabar um casamento”. “Quando entrei no bar e te vi, fiquei pensando...” “No
quê?” “Você, que é escritor, podia bolar uma carta pra convencer Flor a me
aceitar de volta. Pode ser uma carta anônima”. “Hum, posso criar um
pseudônimo”. “Faço um churrasco e ainda te pago meia dúzia
de litrões se a carta convencer Flor a me perdoar...” “Fechado”.
No
dia seguinte escrevi uma carta. Dizia assim:
Dona
Flor, não necessito da sabedoria de um guru para afirmar que os dias atuais são
muito perigosos. Em cada esquina surge um anjo mau disposto a colocar
minhocas em nossa cabeça, e levar nossos amores à perdição.
Cabe
lembrar à senhora de que nem Flori, nem qualquer outro homem, funcionam como
relógio suíço: certinhos, previsíveis, totalmente ajustáveis. Aliás, nem os
homens nem as mulheres.
Para
não ser acusado de machista, vou citar algumas frases ditas por mulheres, no
livro “O amor de mau humor”, de Ruy Castro, com o objetivo de fazê-la mudar de
ideia e aceitar seu marido de volta.
Embora
madame Stael diga que “o amor é a história da vida de uma mulher; e um episódio
na vida de um homem”, convém prestar atenção no conselho de Dorothy Parker:
“Conserve os dedos abertos... e o amor fica. Feche-os, e ele se desprende”.
Marido
é coisa séria, dona Flor. Diz ZsaZsa Gabor: “Maridos são como fogo:
extinguem-se se não forem atiçados”.
Quanto
ao casamento, este nem sempre representa o paraíso. Diz Dra. Joyce Brothers: “O
casamento não se compõe apenas de uma comunhão espiritual e de abraços
apaixonados; compõe-se também de três refeições por dia, lavar a louça e
lembrar-se de pôr o lixo para fora”.
Sem
querer desanimar-te nesse sonho de manter reto o teu casamento, veja o que
disse Helen Rowland: “Quando uma garota se casa, está trocando a atenção de
muitos homens pela desatenção de um só”.
E
para dividirmos as responsabilidades a respeito das dificuldades no casamento,
diz Mae West: “Nunca pergunte a um homem por onde ele andava. Se não estava
fazendo nada errado, não precisa de álibi. E, se estava, a culpa é sua, minha
filha”.
Dona
Flor, Flori precisa muito de você. Tanto é que veio a público, como se esta
carta fosse sua serenata e buquê de flores, para dizer-te o quanto te ama.
Depois
dos puxões de orelha, o que seu homem mais precisa é de colo. Portanto,
aceite-o de volta, abra-lhe as portas e acolha-o na segurança do teu abraço.
Não se sinta humilhada; parafraseando François Truffaut, saiba que, no amor,
vocês mulheres são profissionais, enquanto nós, homens, somos amadores.
Meu
amigo colocou a carta anônima no correio dois dias depois. Antes do final de
semana seguinte Flor o aceitou de volta, mas com algumas ressalvas, que ele
preferiu não narrar.
Além
da meia dúzia de cervejas e do churrasco no bar do Telmo, ele apresentou sua
esposa ao autor da carta. Nesse momento tive consciência de minhas dores
interiores... Quer dizer, gosto de ajudar a curar as dores de amores dos
outros, mas não consigo ME AJUDAR. Por que será, hem meus amigos?
Ali, diante-daquela-flor-de-li-ca-dís-si-ma,
fiquei louco pra narrar minhas leituras de Nelson Rodrigues, de que não amamos
na presença, e sim na falta e blá-blá-blá... Porém... Ela disse que serei um
escritor famoso. Então paguei mais uma dúzia de cervejas. Todos ficamos
bêbados, cantamos abraçados e desafinados e fomos felizes por algumas horas.
(B. B. Palermo)