Saindo
do mercado, pensava se o melhor seria dar umas moedas pra aquelas crianças que ali
pediam, filhas de índios Kaigang, ou se havia outra alternativa para dirimir a
miséria desse mundo. Eis que me deparo com uma senhora no meio da rua
movimentada, agarrando um filhote de gato. Minha pretensão de ser um homem melhor
em 2019 me tirou do lugar de espectador. Pedi pro atendente da farmácia em
frente, que assistia à cena, se poderia conseguir uma caixa. Dirigi-me à
senhora, que agora tentava acalmar a gatinha assustada, e vi nos seus olhos
aquele brilho, uma mistura de indignação e gratidão, aquele sentimento
humanitário que muitas pessoas têm.
O
rapaz veio com a caixa, juntaram-se mais duas garotas atendentes, opinaram que
o bichinho estava apavorado e com sede e, na hora, baixou aquela chuva
torrencial. Ficamos debaixo do toldo da farmácia e de novo olhei pra senhora
que agarrou a gatinha no meio da rua e vi que ela, em silêncio, me suplicava
por algo.
-
Está bem. Vou levar o bichinho. Meses atrás envenenaram meu gato, companheiro
de longos anos.
Enquanto
esperava a chuva diminuir, brotaram as velhas dúvidas. Posso ou não posso adotar o
bicho. Como fazer quando viajar? E o apego, e o risco de perder sua companhia,
ante os perigos dessa vida?
Dirijo-me
ao primeiro ponto de táxi. Preocupado com o calor e sufoco do bichinho dentro
daquela caixa, o motorista ligou o ar condicionado. E falou e falou de mais
essa problemática, a dos animais abandonados, além das ruas da cidade
esburacadas. Eu apenas ouvia, e ele estava tão concentrado nas suas teses que,
numa das esquinas, cruzou o sinal vermelho.
A
primeira coisa que me veio foi de uma clínica veterinária perto de minha casa.
Chama-se FELINNE. A gatinha devia ter menos de trinta dias, necessitava de
alguns cuidados, antes de ser adotada.
Abri
a porta da clinica com a caixa no colo e uma garota veio ao meu encontro. Não
sei se o ano todo as pessoas têm esse sentimento humanitário, ou se isso surge à
flor da pele quando se aproxima a virada de ano.
Narrei-lhe
o que acontecera e a garota, formanda em Veterinária, falou-me que a filhote
necessitava de vacinas e, logo, iria ser castrada, pra depois ser colocada pra
adoção. Ato contínuo, disse-me que levaria pra sua casa aquela-abandonada-rejeitada-por-algum-humano.
Não viajaria no feriado porque precisava cuidar de um outro gato seu, que teve
uma fratura no fêmur.
Tratei
de juntar uns trocos pra ajudar na ração e vacinas. Deixei meu número de
telefone pra ser avisado, quando o filhote estivesse em condições de ser
adotado. Ao me despedir, fiquei perplexo, aquele anjo ainda me disse
"Obrigado". Eu é que agradeci, imagina, teremos um mundo melhor se
todos tivermos esse cuidado para com os animais.
É,
tenho certeza de que a filhote-de-felino-abandonada não cruzou o meu caminho por
acaso.