terça-feira, 23 de agosto de 2022

Cenas dos próximos capítulos


 

Ela fotografou as grades de minha prisão,

lacrou as gavetas alternativas do meu cérebro,

desencardiu meus sonhos

e os pendurou em dezenas de cabides.

Ela removeu meu lixo

e reciclou meus delírios.

Algum tempo depois, ela disse:

- Tu não faz mais parte

das cenas dos meus próximos

capítulos.

 

Fiquei perdido.

Eu só queria caminhar juntinho

debaixo do temporal,

escalarmos as muralhas

socialmente instituídas.

Hoje busco consolo em Nelson Rodrigues:

"Quem ama perde o sossego".

Vou encarar a corda bamba,

o trapézio

e o globo da morte

sozinho.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Mister sincero

 

Mister deseja que não chova

amanhã,

porque seu trabalho é

fundamental.

Cadelão fingido,

nada pressinto de importante,

creio até que sou

bundamental.                                                  

Mister é um agricultor, um cara prático.

Conhece as singularidades de cada

estação.

Categórico, diz que basta cortar

o saco do touro

pra tudo ficar bem.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 21 de agosto de 2022

Preção

 

A guria escreveu no seu perfil,

num site de relacionamentos:

"Gosto de ser livre,

mas sem 'preção' sobre mim".

 

Senti que nada rolaria

entre nós.

Fiquei triste,

gramaticalmente falando.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 20 de agosto de 2022

Ninhos de cobras

 

Histórias de amor

escondem

ninhos de cobras,

atentas, 

agitadas,

que suspeitam,

atacam

e acusam

todo mundo.

Bonitas e bonitos 

querem sangue,

em combates

emocionantes,

traições bem-vindas 

nos lares,

esquinas,

igrejas

e puteiros.

 

Saudade da infância colorida,

todo mundo distraído dos delírios

inconsequentes

 dos adultos,

cantando e dançando cantigas de roda

em volta da fogueira,

ouvindo histórias

e imaginando

antigos heróis.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Contando histórias

 Um contador de histórias é uma boa definição para o entrevistado da semana

😍 A conversa com o Professor Américo Piovesan passou pelo futebol, pelo rádio e por mesas de bar, sem esquecer de Teco e das crônicas de Palermo, personagens criados por ele ⚽🎙


terça-feira, 16 de agosto de 2022

Caminho de casa

 

O cara se perdeu?

O cara se afobou?

O cara se escondeu?

Vi no jornal

que o cara se afogou.

Esses lagos

nesses parques

na reta final do inverno

estão chamando a atenção:

- Meia volta, volver, Cadelão!

Teu caminho de casa não é pro norte,

teu caminho de casa

é pro sul!

 

(B. B. Palermo)


sábado, 13 de agosto de 2022

O tempo todo



O Luiz de cara perguntou:

- Palermo, seu bisonho, o que tens feito pelo mundo?

Lembrei das tiradas do Carleone, e parodiei:

- Sempre que possível, nada!

Derrapei pela diagonal, fazendo a única queixa

que estava ao meu alcance:

- Véio, precisa desse refletor na minha cara?

Tá me dando um calorão!

Escuta, Luiz Henrique Berger,

cadê a caneca de cerveja?

- Calma, garoto, da próxima vez, quem sabe,

tu faça por merecer!

 

O dia evapora e todo mundo faz perguntas

temerosas.

Carente de ruminações profundas,

quando o nobre amigo perguntou das novidades pra 2022,

eu falei:

- O TEMPO TODO ando esquisito das ideias!

 

(B. B. Palermo) 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Conversas de bar

 

Tive ótimas fases.

Eu iluminava Ijuí.

Não conquistava uma,

conquistava dez.

Tu deve se lembrar.

Eu era o Don Juan

das calçadas.

mas o tempo passa.

Hoje sou peão e sou

broxa.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Sacanagem, João

 

João, o que aconteceu?

Sacanagem, disseram

que você morreu.

Uma bobagem,

coisa sem fundamento,

disseram que foi choque elétrico.

Você que sonhava com novo apartamento,

você que buscava uma escola decente

pros filhos.

E a turma, João, como fica?

Sacanagem, ontem estavas disposto

e com a boca

nas orelhas...

...

Agora percebo como sou fraco,

ainda tenho vontade de chorar

relendo estas linhas

uns 30 anos depois.

 

(B. B. Palermo)

Desapegar

 

Tá difícil me livrar
de recortes de jornais e tals
que fui juntando
em décadas.
O mantra que venho seguindo nos últimos meses
é "desapegar, desapegar...".



domingo, 31 de julho de 2022

Arthur

 

Arthur é um cão que chamam de Preto,

um carente de humanidade

mais do que a maioria

dos sapiens.

Circula desde cedo por entre os malucos

que frequentam o bar do Manetta.

Pobrezinho, carente de humanidade

enquanto nós somos carentes de humildade,

carentes de coragem,

carentes de dúvidas

e de sensibilidade.

Arthur merece circular também

por entre as páginas

de algum romance,

como a cadela Baleia, do Graciliano.

Ou de alguma crônica ou poema...

que seja.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 27 de julho de 2022

Pragmatismo


 O Grêmio se estrebuchou pra conquistar

um ponto contra a Chapecoense,

numa retranca danada.

A coisa escorregava

pelas laterais e diagonais

e pencas de passes errados,

e os esforçados corriam

pra lá e pra cá.

Os papos no bar eram de indignação

dada a covardia do time,

então eu lembrei do pragmatismo, e disse:

"Um ponto fora de casa é legal".

Foi divertido, me pediram pra traduzir esse conceito

e aí desandei a falar de William James

e rolou o óbvio...

fiquei falando sozinho.

É legal saber que, mais do que praguejar contra o time,

as criaturas se empolgam quando falam de carros,

Fipes e negócios de ocasião.

Se você quer ser poeta,

saiba a pedreira que vem pela frente.

Você é de outro planeta.

Só há uma única certeza:

somos um bando de fodidos!

          

(B. B. Palermo)

terça-feira, 26 de julho de 2022

Para um amigo que partiu

 

Depois que você morre

deve ser triste

pois você nunca saberá

se teve trajetória importante

ou se caiu no esquecimento.

Pode ser triste hoje lembrar

mas é também gratificante

ter viva, pre-sen-te-men-te,

a memória de um amigo

que se foi há 10 anos.

Hoje você se toca

de que na época tinha

pouca lucidez,

você assistia futebol na TV

e estava bêbado

10 horas da noite

quando o telefone tocou.

Mas é consolador

lembrar

que o amigo que partiu

faz um bocado de falta...

 

muita falta.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 21 de julho de 2022

O gato Américo


 

Perguntei pro meu amigo,

o tutor do gato Américo,

se o bichano era eu.

Fiquei confuso

e também feliz da vida

ao perceber que o gato e eu

temos a mesma cara

e o mesmo nome.

Se um dia rolar encrenca

eu mudo de nome

e geografia.

Serei o pai do Palermo

ou seu irmão gêmeo

morando na

Sicília!


terça-feira, 19 de julho de 2022

Anotações em guardanapos assistindo futebol na TV do bar

 

Ao empinar o copo de cerveja,

o Betão empina junto o dedo mindinho.

Não sabemos se é uma questão de etiqueta, de coordenação

ou se ele está se exibindo pras gurias.

Toda vez que o Cesinha corre pra calçada fumar,

o time faz um gol.

No intervalo, na calçada diante do bar,

se dizemos uma frase de efeito                      

ele canta desafinado uma canção.

A estatística não nos engana:

90% das vezes que o Elson vai pro banheiro mijar,

o time recua as linhas e leva um sufoco do adversário.

O Telmo é multitarefas.

Consegue olhar o jogo na TV,

escutar o jogo de outro time no celular

e ainda servir cerveja pra um bando de malucos barulhentos.

Toda vez que passa um jogo do Grêmio,

o Pedro Byke, numa tranquilidade impaciente,

pergunta se vai passar o jogo do Inter.

Se tem uma coisa que ferve sua adrenalina,

mais do que a performance do Inter

ou uma jogada de craque nos jogos na Afucotri,

é a véspera do resultado do Jogo do Bicho.

Quando o Grêmio está com deficiente poderio ofensivo,

o seu Ivo reclama indignado, do técnico:

"Por que não bota os lebreiros?!"

Como a maioria de nós que está no bar tem muita rodagem,

quando os caras vão a toda hora no banheiro mijar

nos perguntamos se eles têm problema na próstata

ou se é a ceva que é diurética.

O Pedro Borges não debate geometria,

filosofia,

astronomia

ou até metafísica

com tanta desenvoltura no departamento da universidade onde trabalha

como acontece no bar.

E os debates esquentam nos momentos

em que o jogo está mais tenso.

Perguntaram ao João Grandão se o Carleone  

(que tirava um cochilo debruçado na mesa dum cantinho do bar)

tem problemas com álcool, e ele respondeu:

"Claro que não! Só quando falta!".

 

(B. B. Palermo)


domingo, 17 de julho de 2022

É muita emoção, cara!

 Véio, tu tem que assistir

os jogos do Grêmio

no bar do Telmo.

Me aparece cada figuraça

que tu nem imagina.

Meu, tu precisa entrar no clima,

quer dizer, beber uns litrão,

porque estando sóbrio

tu não te diverte.

Lá aparece gremista pra tudo quanto é gosto:

tem os ressentidos,

os que fazem uma misturança e com(fusão)

entre futebol e política,

tem os fãs do técnico atual,

tem os desconfiados

e tem as viúvas do Renato...

e por aí vai...

É muita emoção, cara!

 

(B. B. Palermo)


sábado, 2 de julho de 2022

Uma noite qualquer

 

Você debulha ladainhas

de amenidades

e até me encanto mas

canso

e respiro

compassado

como um craque em meditação

transcendental

e então mais calmo

devolvo amenidades

monossilábicas

e depois de tantas insignificâncias

descobrimos os abraços

e as mãos se entrelaçam

e as turbinas enlouquecem

e o tesão deixa um rastro de quero mais

e isso é tudo

tudo tão banal.

 

(B. B Palermo)


Sujeito comum

 

Você não admite

ser catalogado

como sujeito comum.

Você pretende ser lembrado

como O Cara!,

alguém que por aqui passou

e espalhou diversas sementinhas

que vingaram.

Claro, há uns tropeços previsíveis,

aquela desconfiança de que talvez

essa vida não tenha sentido

algum.

Determinado, você se esforça em acreditar

numa farta colheita,

A RECOMPENSA no paraíso.

E os outros?

Ah, os outros... Os outros que se danem!

Você não embarca nessa

de que estamos todos

dentro de um saco de gatos

levando pancadas

diárias.

Dizem do teu livre arbítrio,

dizem da evolução necessária do teu ser,

mas receio que essa é uma bela ilusão,

uma ideia prostituída e sedutora

que inevitavelmente

nos seduz.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 1 de julho de 2022

deus não liga pra isso


a ninfa atravessa a rua

sabendo o poder

que tem

leveza

beleza

juventude

energia transbordando em cada

poro

enquanto isso

as coroas

sentadas no bar

manuseiam celulares

como se fossem chocas

bicando grãos de milho

espalhados pelo chão

 

deus está vendo tudo

deus se diverte pra caralho

deus não liga pra isso

não

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 30 de junho de 2022

Nem tudo está perdido


Corpos e seus músculos

salientes

me distraem das belezas do mundo.

Minhas retinas se embaralham

como arco-íris camuflados

diante das escolhas

dos irmãos.

Mas nem tudo está perdido:

os fantasmas das sombras projetadas nos muros

pelo casalzinho que passa diante do bar

me são familiares.

 

Robôs saem das academias

segurando garrafas

toalhas

e mochilas,

movendo-se no ritmo da                

"força,

vontade e

determinação!".

A busca da perfeição

estética,

narcísica e

patética

é a cortina de fumaça que impede que percebam

o poeta

numa mesa de bar

contemplando

e se embriagando

 

com o pôr do sol.

 

(B. B. Palermo)


Dia de mudança

  Era um dia especial, então fui cedo pro bar. Desejava contar pros bacanas a novidade: depois de alguma espera, deixaria a pensão pra...