sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Tears in heaven

 

Rapaz, lembra que em 1996 vc comprou um 3 em 1,

e ouvia CDs do Eric Clapton (Tears in heaven?)

e manjava pouco  do inglês e do blues,

e vc nem havia casado,

nunca fora pai,

nunca rabiscou um poema

para um hipotético filho?

O 3 em 1 rodava os blues do Eric Clapton e de tantos outros,

e vc amava ouvir aquela angústia

que te entristecia e (por isso) te presenteava mais vida.

Hoje os animais questionam:

"A arte vale mais do que a vida,

mais do que a comida,

mais do que a justiça?",

como se uma coisa excluísse a outra.

Rapaz, parece que os tempos estão

reféns da ignorância e da barbárie,

propícios para a detonação

de bombas atômicas em massa

e a extinção da vida

por aqui.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de outubro de 2022

Consertos de primavera


 

Consertar o noty

e as tampas das panelas.

Trocar os óculos

e estancar o vazamento

da pia.

Vai, guria.

Me dá corda,

me dá linha,

me dá trela.

Depois olhe pela janela

e morra de saudade

da primavera.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O bagulho anda muito loko

 

Olhar inquiridor de um garoto

acariciado pela erva,

Wolverine veio com essa:

- Cadelão, vivemos na Pós-modernidade

ou ainda estamos na Idade Média?

- Por quê?

- Bah, cara, o bagulho anda muito loko.

As multidões acusam-se de sanatismo, canibalismo,

muitos acreditam que a terra é plana

e um monte de outras bobajadas,

chamadas de teorias conspiratórias.

Veja só, acreditam inclusive que Deus pode ou deseja interferir

nas merdas que fazemos diariamente.

- Nem me fale, Wolve.

Escuta a notícia que li esses dias:

próteses são roubadas de defuntos nos cemitérios

e vendidas para clínicas dentárias.

Tu não acha, cara, que chegamos no topo

de nossa humanização?

- Hehehe...

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Aconteceu...

 

Aconteceu...


E hoje?


(Livro "O diário de Anne Frank")




Não quero mijar sentado

 

A urina borbulha,

sabe do meu esforço pra fazer a coisa certa,

nada de corromper o vaso do banheiro.

Ela argumenta de um modo conclusivo,

numa lábia definitiva.

Na viagem que me encontro,

sei que bato de frente com um mijo sábio.

Guardo o coiso

sentindo-me leve e satisfeito.

Disse um não categórico ao que ela sugeriu:

- Na Suíça, povo civilizado,

os homens devem mijar sentados!

Diante do meu jato potente mas indeciso,

eu retruquei:

- Nananá! Só te obedeço quando estiver

beeem velhinho!

 

(B. B. Palermo)


Carinhas tristes

 

Avenidas,

estacionamentos,

lojas, mercados e padarias,

passeios, fábricas e construções,

vejo tantas carinhas tristes,

não importa se são miseráveis ou lunáticos

cheios da grana.

Toneladas de paranoias como geleiras derretendo

encharcam oceanos e bombardeiam meu cérebro.

Constatações entram na ordem do dia:

Gente, isso tudo são milongas!

Estamos envelhecendo,

estamos morrendo,

alguns enriquecem,

a maioria destrói sua vida

juntando migalhas!

Criaturas de uns 30 anos com aparência de 60.

Os rebanhos estão enfeitiçados pelas intrigas.

Creio que ainda não planejaram meu assassinato,

jogando seus carros pra cima do meu corpo,

quando perambulo por aí.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Não me chamem para dançar

 


Almas de calçada,

vira-latas seguem farejando,

abraçados a bandeiras esquizoides,

meio conservadoras,

meio anarquistas,

mijando pelos cantos,

demarcando territórios que ninguém vê.

Parodiando uma canção do Paralamas,

cada um apresenta suas armas,

como se fosse a coisa mais preciosa,

como se fosse o esteio

onde o mundo se ampara e gravita,

em vez de ser um patético

encosto.

Mesmo etiquetado por esses rebanhos

de criaturas demasiado ocas,

prefiro a companhia da folha em branco,

da memória e de algumas lufadas

imaginárias.

Não consigo ensaiar minha dança

no meio da multidão.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Desobediência civil

 

Tipos inocentes,

ignorantes que gazearam as boas aulas,

podem detonar bombas,

podem matar milhões

em nome de Deus,

seja lá que coisa

isso for.

Tipos extravagantes

mergulham em águas rasas,

enquanto criam monstros

no lago Ness.

Tais tipos me apavoram.

Então me escondo no meu canto,

caneta, papel e cerveja sempre gelada

me acariciando,

enquanto rumino,

imagino

e sonho

minha desobediência

civil.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Diário de um insensível

 



 

Querido diário,

as máquinas da Corsan estão a mil no meu bairro.

Antes das 8 da manhã elas dobram as esquinas próximas

e aceleram os latidos raivosos da cachorrada,

e eu não consigo dormir cedo, os botecos

não fecham antes das 2.

Sabe, ontem foi o velório e o enterro do Golias.

É um cachorrinho de um amigo, e como o pátio daqui é enorme,

decidimos que ele faria companhia ao meu gato, o Neno,

que foi envenenado pouco antes da pandemia.

Meu amigo estacionou o carro e desceu com uma caixa

que simbolizava o caixão, e junto com ele veio sua filha e uma amiga.

Cavamos o buraco e, na despedida antes de enterrar o bichinho,

vi as lágrimas no rosto da garota,

foi então que percebi que não estava preparado emocionalmente

pra cerimônia, pois quando chegaram aqui em casa

devo ter dito alguma coisa fora de propósito...

Tu sabe, é difícil sentir as dores dos outros,

muitas vezes decorrem séculos pra desenvolvermos um mínimo de sensibilidade.

Cara, num grupo de Whats de meus conterrâneos

uma senhora Deus Pátria Família compartilhou um áudio

que circula desde 2018, comprovadamente fake.

Então fui no Google e copiei o link que atestava ser notícia falsa.

Enviei nesse grupo e comentei que nos poucos dias antes das eleições

circularão nas redes muitos boatos falsos, por isso é aconselhável não ser bocó

a ponto de achar verdadeiras tamanhas sandices.

Moral: fui expatriado do grupo, e isso trouxe algum sentido pra minha vida.

Mas o fato que mais me alegra é acompanhar, na horta, um tomateiro.

Um dos tomates deve pesar quase meio quilo.

Observo de perto seu amadurecimento.

Já passou dos tons esverdeados pra amarelados.

Creio que até domingo vai estar beeem vermelho!

                                     

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Doce delírio

 


Baby, em vez de dividir

a laranja ao meio,

vamos separar cada gomo

e degustar juntinhos,

como se fôssemos deuses

orientais.

Construímos nosso mundo

sujo

atolados a muita lama,

mas vamos renascer

e mostrar ao mundo                

nossa arte.

Podes rir, Baby,

não ligo quando

me chamas de

"doce delírio".

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 13 de setembro de 2022

Poemas sabem esperar

 

Apaixonado.

Os poemas são ruins.

 

"Podemos escrever

embriagados de amor,

mas o amor

não estar no texto"

- disse Carpinejar.

 

Prefiro estar

mil vezes apaixonado.

Poemas

sabem

esperar.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 11 de setembro de 2022

As cidades e o desespero


 

Na cidade de Sofrência

não circulam boas novas,

o que predomina é competição

e desespero.

Há ciclovias, mas não estão na rua principal.

Por ali as colmeias desfilam

seus carrões e motonas, muitos aparecendo

e poucos observando.

As ruas secundárias andam tranquilas,

mas fazem pouco sentido,

não servem de espelho

para tamanhos egos.

Sofrência é moderninha,

tudo o que for retrô já era,

dá um desespero lembrar

que foi adolescente rebelde.

Transborda modernidade

e quase nenhuma

história.

 

(B. B. Palermo)

sábado, 10 de setembro de 2022

Eu imagino

 

Seja como for, eu imagino

que são ninfetas cantando

cedo da manhã ao lado da janela

do meu quarto,

em vez de operários da Corsan

com suas retroescavadeiras perfurando

as artérias

e colocando stents

em minha rua.

Seja como for,

eu imagino,

enquanto acordo de ressaca

e me espanto

ao contemplar as olheiras

diante do espelho.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Almas grandes

 

Até cogitei ser um homem reto,

levar os deveres da sociedade

a sério,

maneirar no copo

e praticar meditação Zen Budista.

Porém, desconfio que as almas grandes

não se deixam escravizar

pelo trabalho + lar + deveres

cotidianos.

Almas grandes fogem das clínicas psiquiátricas

e se refugiam nos cantinhos escuros

dos botecos.

Almas grandes deliram,

têm loucuras endiabradas

e acreditam que seus anjos da guarda

curtem beber

tanto

quanto.

 

(De Buk para o Palermo)


Estranhas multidões

 

Conheço multidões que, vez ou outra,

embarcam numas fases meio naturalistas.

Cuidam da horta, das galinhas

e leem os filósofos da moda.

Eles sempre encontram uma frase

para explicar a droga de mundo

em que vivem.

Por falar nisso, garoto,

em qual mundo VOCÊ vive?

 

(De Bukowski para o Palermo)


quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Uma gentalha no jogo do São Luiz


 

Queria me concentrar no jogo,

era o último amistoso do time

antes do início da Copa FGF.

Queria entender a mecânica da gurizada no campo,

se avançava trocando passes ou se dava chutões,

em ligações diretas da defesa pro ataque.

Mas eu, um velho sublime e sujo,

estava com meus amigos

e não consegui me concentrar.

Meus amigos, de passagem, são uma gentalha

pra lá de criativa e animada.

Eles só falavam do episódio

que matou a sede de fofoca

de nossa próspera cidade.

Ora, ora, foi um episódio qualquer

que se passou num motel.

Um pai, avô, empresário, enfim, cidadão do bem,

mordeu as bolas de um travesti.

Foi sangue pra todo lado, e isso atraiu a polícia

e um bando de caçadores de notícias.

Tanta conversa animada no estádio

me desviou dos detalhes do jogo.

Só lembro que terminou

1 X 1.          

 

(B. B. Palermo)


domingo, 4 de setembro de 2022

No calor do jogo

 

Tu só pensa no Renato.

Eu só penso na Carol.

É mais fácil conquistar a Carol

do que o Grêmio ganhar a Libertadores

no ano que vem.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Vivendo em cavernas

 

- Bah, Cadelão, não é que a mina

me trocou por um tal de Zé Terraplana?

É um carinha que late furioso na internet...

- Beiço, acho que ela busca

o prazer do desconhecido.

Tu sabe, quer mais e mais dopamina e tals.

- Acho que o maluco quer voltar

a viver nas cavernas.

- Pois é, talvez o retorno as cavernas

seja altamente prazeroso.

Parece que a tua performance sexual

não mais satisfaz a mina hehehe...

- Sou ou não sou um fodido?

- Totalmente!

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Multiversos

 

Ontem o Wolverine jogou na minha cara

algumas verdades:


"Palermo, vejo que tu é bem mutante nas ideias,

por exemplo sobre a origem do universo,

sua expansão,

a existência de multiversos e tals.

Inclusive, tu disse que vai chegar lá,

vai ser um poeta para físicos.

Me explica, então, por que tu anda tão limitado

nas ideias sobre política e amor?"

 

Notei que Wolve e eu habitávamos

universos diferentes.

Enquanto ele estava no quinto litrão de ceva,

eu estava no primeiro.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 30 de agosto de 2022

As tias do Whats

 

 

Olho pra mulher séria

saindo do banheiro do bar

e desconfio que ela é mais uma tia do Whats,

irmã, parente ou conhecida,

bem intencionada em sua urgente missão

pra nocautear de vez

os problemas da política,

jogando no caldeirão do inferno

quem pensar diferente.

Seu olhar demorado me alerta

para os caminhos do bem.

Não vejo nele qualquer solidão,

angústia ou dúvida

com relação

aos caminhos pro futuro.

Nenhuma sinfonia de Beethoven,

nenhum pesadelo infantil...

Desconfio que ela me vê um velho sujo e feio...

É inevitável o estalo:

sábios e sábias, tementes a Deus,

viemos direto da Idade Média,

ou compartilhamos nossas fakes

desde o tempo em que os macacos desceram das árvores

e decidiram não mais caminhar de 4.                                                             

 

(B. B. Palermo)


domingo, 28 de agosto de 2022

Poemas de amor podem ser corrigidos



Da vida não espero muito mais

do que um lugar discreto,

copo de cerveja

e inspiração.

Da sacada de um posto de combustíveis,

contemplo a folha em branco e me distraio

com os caras da Brigada,

descendo da viatura.                                               

Eles não sabem que um dia, talvez,

amanheça um tipo importante,

um escritor meio a meio:

católico e ateu e apostólico

e judeu e italiano e neurótico

e esquizofrênico,

sujeito que pensa que é eclético,

embora o mundo seja indiferente

ao seu manso existir.

Meio adepto da filosofia epicurista,

pregador da simplicidade,

centauro no jardim

fugindo dos atoleiros dos desejos.

O cândido acredita na mudança

de rumos.

Acredita que, como na vida real,

poemas de amor também podem ser

corrigidos.

 

(B. B. Palermo) 

sábado, 27 de agosto de 2022

Depondo as armas

 

- E as novidades, Beiço?

- Bah, Cadelão, tô pensando em me excluir desses grupos de Whats.

- Por quê?

- Aparece cada tronxo se exibindo e falando bizarrices.

- Sério?

- Participava de um grupo bem diversificado.

Aí um tio pançudo e sem camisa,

e bebendo toneladas de ceva

postou fotos se exibindo com suas armas.

Aí eu falei pra ele: Tio, não é disso que tu precisa,

vá nos bailões da boa idade e conheça uma senhora

que curta fazer sexo. O que tu precisa é depor as armas

e voltar a transar!

- Bah, véio, tu não acha que pegou pesado?

- Sei. Mas alcancei meu objetivo:

me excluíram do grupo.

 

(B. B. Palermo)


Dia de mudança

  Era um dia especial, então fui cedo pro bar. Desejava contar pros bacanas a novidade: depois de alguma espera, deixaria a pensão pra...