quinta-feira, 4 de junho de 2020

Notas de um velho safado



Apenas no início da tarde 
do outro dia,
percebi que o livro 
"Notas de um velho safado",
que nos últimos tempos 
tem feito companhia
me observando sobre a mesa,
estava com boa parte das folhas
umedecidas
pela cerveja que eu derramara
na noite anterior.
Não teve outro jeito:
abri e o pendurei
atrás da geladeira.
Em algumas horas 
o Bukowski
ficou seco
e quentinho.
Será que o filho da puta 
merecia
tantos cuidados?

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Essas canções são a cara de milhões de sonhadoras como tu

Finalmente, quando prometi namorar, 
ela veio com tudo e esfregou na minha cara
um pacote completo:
a flor-de-clitóris, úmida e suplicante,
e o catálogo de suas performances.
Aprendera direitinho algumas lições do kama sutra.
Não foi tudo aquilo, mas foi bom,
e nos sentimos em casa.

Sequestrou o espelho do quarto,
desfilaram flores e lingeries
e estremeceram os pilares de minha pessoa.
Para impressionar, mostrou a cicatriz
na nádega esquerda
e disse que fora mordida por um pitbull.
Eu não soube se era real ou metáfora,
mas a cicatriz estava ali,
uns contornos de uma bocona,
diante de minha visão arrepiada,
como se eu acabasse de desembarcar em Marte,
e havia multidões de serzinhos aguardando
pra me chamarem de covarde,
e, milagre, naquele dia havia  
poucas nuvens no céu
e muito sol.

É apenas a primeira cicatriz -pensei, e me apavorei.
Logo chegarão outras, parentes distantes,
umas tias raivosas e vingativas.
Gelei ao imaginá-la possuída,
abafando com velhos cobertores
incêndios de seu passado,
cicatrizes ou sinais que psicólogas chamam de "traumas".

Até quando o Cadelão suportaria?
Sejam compreensivos, meus irmãos.
E foi assim, mais uma vez,
que acendeu a luzinha do painel
de meus temores.

Também penso no futuro,
enquanto coleciono dúzias de fiascos.
Também quero envelhecer bem amparado,
de preferência dispondo de um bom estoque etílico.
Sim... Álcool. Para suportar as dores do mundo.

Eu ainda me apego à vida material.
O emprego, o consórcio do carro,
as comidinhas bem temperadas,
batidas de cachaça e vodca e catuaba e licores
e tudo o mais que fazem suportar anos e anos
de dedicação exclusiva ao meu amor.

Porém, o seu dia a dia me faz balançar:
aquele cuidado com os astros,
e o olhar atento aos sinais do zodíaco.
Os poemas preferidos,
as canções populares
que a fazem suspirar:
"Nossa, essa letra é a minha cara!",
"Quando ouço essa música passa um filme na minha cabeça!".
Eu não devia dizer-lhe, mas não suporto a real, e disparo:
Sei, baby, essas canções são a cara de milhões de sonhadoras como tu...
Umas pobres inocentinhas que não acordaram pra vida.
É o suficiente pra que a tampa de uma panela
exploda meus cornos,

e de novo eu perambulo solitário por aí.

(B. B. Palermo)

sábado, 30 de maio de 2020

Um brinde a essa tua incrível fase monogâmica



- Por que tu está assim encolhido e paralisado, e bebendo todas, Cadelão?
- Meu, tô apavorado com o circo de horrores da política nacional. Diz aí, o que podemos fazer, além de assistirmos a essa novela podre pela TV em horário nobre?
- Esquece a política, meu brother. Faça literatura. Aí tu vai relaxar e vai se sentir bem.
- Bah, lembrei do que disse o filósofo Wittgenstein: "Ao filosofar devemos mergulhar no caos arcaico e lá nos sentirmos bem".
- Hum... Que eu saiba, Wittgenstein se refere à filosofia. Tu faz literatura... Talvez um pouco de poesia.
- Sim. É isso. Mas tô fazendo um sobrevoo (rasante ou raso?) da filosofia pra poesia. Até porque toda a filosofia do cara girou em torno da análise de como a linguagem funciona. Filosofar e poetar lidam com as palavras.
- Tá. Mas e a vida como ela é, por exemplo as merdas surreais que rolam em Brasília? Me destrincha essa linguagem, nobre pensador.
- Hum... Isso vai passar. A maneira como funciona o discurso do poder político, aí são outros horrores. Eu prefiro escutar o poeta Quintana, que disse, mesmo em outros contextos: "Todos esses que aí estão, / atravancando meu caminho, / eles passarão... / Eu passarinho!". Isso tudo vai passar... Hoje é um frankenstein fake bamboleando no poder feito um boneco biruta, com seu discurso louco, amanhã poderá ser um populista sanguinário. É o que parte desse povo fodido quer. Dá uma olhada pra nossa história.
- Hum...
- Há muita vida acontecendo, para além dos conflitos políticos. E, no mais, há milhões de "PENSADORES", gritando e tentando ser ouvidos em meio a um caos, num fogo cruzado apavorante. Eu prefiro ser um SENTIDOR... É nesse caos que me sinto bem.
- Que tal... Aqui está, nobre plateia,  o Cadelão se masturbando com as palavras... poetando.
- Hehe... Um brinde, Beiço... Um brinde a essa tua incrível fase monogâmica!
- Vai tomar no cu, cretino!

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 29 de maio de 2020

Respeitem, respeitem o Cadelão errante



Ao subir as escadarias
sagradas
do puteiro da Janete,
Um cadelão transpira a glória
e pinta o sete.
Abraça magras e gordas
e outras nem tanto,
passa a mão nas pernas
torneadas
de diversos tons mascavos,
e loiros e morenos...
e baba...

Embriagado,
bruxas disfarçadas de sereias
são as mais sinceras,
as eternas ninfetinhas.

Quando no pedaço,
ele é o rei.
Amar infantilmente essas deusas
impuras
é a sua lei.

Amiguinhos,
enquanto a vida se
despedaça,
falaremos sem demora do que todos veem,
mas que apenas o Cadelão
abraça:
essa carcaça que pinta o sete,
que se faz e desfaz,
até os bocós estão cansados de saber,
nosso destino é
apodrecer.

Vocês dirão:
- "Uma criatura
estranha
deu o ar da graça
com sua missão de cadela
torpe e
devassa".

Creiam,
todos somos flatos,
às vezes tímidos,
mas depois das primeiras doses
peidamos verdades
que não passam de espigas
virgens de grãos.

Respeitem, 
respeitem o Cadelão,
o vadio e
observador
errante.
Ele sabe aonde vamos chegar...

(B. B. Palermo)


domingo, 24 de maio de 2020

A dois passos do paraíso



Assim que entrei na boate,
as ninfas chamaram:
- Aqui! Vem, vem, Cadelão!
Finalmente, estava a dois passos do paraíso.
Minha carteira, nesse dia, deu conta do recado.
Tudo por conta do amor.

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Gênesis - Escobar Nogueira


Quando Caim matou Abel,
Deus sentenciou:
Andarás errante
e perdido pelo mundo.
Amaldiçoado, partiu, Caim,
para as terras de Nod.
Teve mulher, construiu uma cidade
e lhe deu o nome do filho, Henoc.
A civilização começou assim.
Eu não quero estar aqui
pra ver como vai ser o fim.

(Do livro Pejuçara, Editora 7Letras)

terça-feira, 19 de maio de 2020

Elas podem perder o encanto e virar freiras


Ando louco pra descer a serra
e passear em Paraty.
Gastei um monte de grana
com uma puta de 20 e poucos
que toda semana troca a tintura do cabelo.
Quando volta da rua ela alisa os cachos
com seus dedos
e diz que a inhaca
é da fumaça de óleo diesel
e sua voz e seus gestos
me dão vontade de vomitar.
Não aprendi a fazer poupança
não consigo me apegar ao dinheiro
quando está em minhas mãos ele tem asas.
Queria escrever bons poemas
como sou bom de copo
mas estou rodeado de zumbis
que vertem dos esgotos
e fogem das metáforas
como se fossem a luz do sol.
Eu queria salvar o mundo
desenvolver a fórmula mágica.
Queria escrever um bom livro
e me imortalizar.
Não consigo nem cuidar do meu fígado.
Dia desses volto a descer a serra
e brindar a doce Paraty
e reencontrar a insana inspiração.
Eu tenho medos loucos.
A melhor parte do dia é lavar a louça
ouvindo Belchior ou blues.
Bater uma ao acordar antes do almoço
foi o jeito que encontrei
pra beijar na testa o novo dia.
Não suporto imaginar tanta gente
em albergues e asilos
e tantos outros perecendo
em comércios e fábricas.
Eu tenho medo de que o mundo
não tenha salvação.
Eu tenho medo de que as garotas de 20 e poucos
percam o encanto pelo corpo
e virem freiras.

(B. B. Palermo)



domingo, 17 de maio de 2020

Cadelão, tu não quer ser um novo Messias?



As coisas andam estranhas, Cadelão. Observe essas crianças nas esquinas e diante de bares e lojas e tantos outros lugares, vendendo doces e outras coisas. Observe também a babel das redes sociais, postagens e comentários incendiários, mas que têm pouco poder de fogo, só chamuscam os "expertos" que frequentam a mesma bolha.
Cadelão, tu tem um medo danado do que essa gente pode aprontar. Estou nessa também. Seria mais tranquilo se tu fosse uma besta que não soubesse história.
Cadelão, os sujeitos medianos são bons em alguma coisa. Não, não são bons analistas políticos, nem bons cientistas ou médicos. Quase não conhecem tratados de ética ou estética ou lógica. O conhecimento que manifestam é como num jogo, uma pelada num campinho de várzea. Observe como jogam. Um festival de chutões pra cima, caneladas, rebotes mal feitos, não sabem se posicionar e acertar dois passes. Mas eles são campeões numa coisa: são campeões em extravasar sua raiva. Ah, Cadelão, tu não acha isso tudo uma perda de tempo?
Mas o perigo pode rondar a área. A barbárie pode querer participar do nosso joguinho, com suas luzes piscantes e cassetetes e tanques e fuzis e câmeras de segurança.
Ouvi ou li em algum lugar, Cadelão, que na raiz mais profunda desses sujeitos certinhos e tementes a Deus e zelosos da família e da pátria pode estar aguardando para despertar um ser primitivo, violento... Sim, Cadelão. Alguém disse (não sei direito se foi Freud) que todos temos o gérmen da violência como uma sementinha em potência aguardando um solo fértil para nascer.
E o Brasil, em sua história, mostra uns traumas e taras. Uma delas é gostar de bater e apanhar de vez em quando. Isso, embarcar numa ditadura, com muita dor e morte.
Se tu souber, Cadelão, me responda: como é que Deus, esteja onde estiver, vai conseguir organizar nosso caos?
Está bem, está bem, vamos considerar a hipótese de que Deus não existe, ou não está nem aí para nossas merdas.
Como vai ser, Cadelão? Tu não quer se candidatar a ser um novo Messias? Hum... De repente posso te assessorar. Mas tu tem que me prometer uma coisa: quando tu estiver meio bêbado, não vá querer incendiar tudo, como fez Nero com Roma. Tá ok?

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 14 de maio de 2020

As vozes das garotas zumbiam como vespas assassinas



À tardinha eu ia até a casa de um amigo apanhar uns pratos de comida congelada que ele e sua mulher fazem, almôndegas e lasanhas e empanados e massas, muito saborosas, eu moro sozinho e o futuro é imprevisível e nessa época seria terrível não ter comida para o dia de amanhã, e eu preciso estocar congelados e arroz e feijão e produtos de limpeza e papel higiênico.
Bah, de novo esqueci de comprar sabonete.
Vislumbrei o primeiro bar e de uma mesa Dom Carlone e o Beiço me chamaram, oba, alguém vai patrocinar umas biritas.
Antes de atravessar a rua um letreiro infeliz ergueu a mão: Stop! Assim, bem assim, tu não vai a lugar nenhum!
Olhei para os lados, o trânsito e as pessoas seguiam seu curso, a porra do letreiro era um mané e não sei por que eu estava há uns quatro dias sem tomar banho.
Algumas horas no bar, bebida à altura da minha sublime retórica e minha inesquecível companhia.
Caprichei nas rimas e métricas e metáforas e figuras e conceitos e aliterações e dicção e entonação vocal.
O álcool pegando e a memória falhando, daí a pouco os FDP falaram Todo mundo é poeta, tanta gente é melhor do que tu. Cadelão, por que não te matas?
Lembrei dos pratos congelados e do casal de amigos e deduzi pela hora que eles estavam impacientes como pedras e com muita raiva e então deixei pra lá.
Retornei ao lar, de madrugada, e tropecei e deslizei na lama, choveu tenho quase certeza, acho que errava o caminho, e eis que uma orquestra perfilou-se diante de meus olhos e tocou e tocou, eu identifiquei, era Wagner e eu exclamei Puta merda! 
Fazia muito tempo que não me achava no direito de perguntar se era feliz.
Minutos depois a música ficou chata e repetitiva e eu chorei como um bebê e implorei Cadê a Ave Maria do Schubert? Cadê cadê?
Fui em frente e vozes de garotas zumbiam como vespas assassinas enquanto acariciavam minhas orelhas:
Meninas, não é verdade que o Cadelão é um babaca escroto?
Meninas, não é verdade que o Cadelão é um sujo?
Meninas, não é verdade que por onde ele anda deixa um rastro de lama?
Segui meu caminho, eu me conheço e tenho o céu por testemunha e a rua deserta e a lua e as estrelas sorrindo só para mim. Revirava os bolsos à procura das chaves, Cadê? Cadê?
Enquanto isso os astros riam e assopravam em coro: Veja bem, bobinho, tanta gente leva uma vida mais interessante do que tu.
Pensei ficar calado, mas protestei: Cretinos, NUNCA ESTIVE TÃO LÚCIDO, sei mais do céu e do inferno e das coisas da terra do que vocês!
Tentava lembrar se tinha cachorro ou gato para dormir comigo e para provar que alguns seres gostam do poeta.
Abri a porta e deslizei para dentro da sala e uma voz grave me fez recuar: O mundo gira, Cadelão, vidas se gastam e tu aí escalando telhados e poluindo o planeta com esse bafo de príncipe.
Botei as Bachianas brasileiras do Villa Lobos pra tocar. Estava uma bosta. Botei um blues instrumental. Estava uma bosta. Juntei toneladas de roupa suja e botei a máquina pra funcionar e fui tomar banho.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 12 de maio de 2020

Pensava coisas grandes enquanto o sujeito devorava um pastel feito um porco



Agora os bares quase vazios me acolhem
como se eu fosse a encarnação de uma dúzia de alegres amigos.
Agora os olhares despertam a curiosidade
irradiando mais vida
e isso por causa do medo.
Agora me sinto em casa
coçando o saco e fazendo epifanias.

Também sou escritor de Facebook,
catando assuntos que viralizem e me rendam bons likes.
Sonhos e traumas e fantasias da infância e adolescência ressurgem.
Dá vontade de fazer terapia pra enfrentar os enxeridos id e superego.
Estudo guitarra e baixo e me transformo num quase...
músico e compositor e letrista.

Agora leio poemas de comerciantes e granjeiros e veterinários e engenheiros.
A "esquecida" pergunta sobre o sentido da vida voltou.
Também o enigma ou mistério que significa morrer.
O desconhecido.
O fim de tudo.
O grande amor desejado.
O grande amor perdido.
E dê-lhe poemas e pequenos míseros contos.
E dê-lhe crônicas e relatos de viagens e aventuras.
E livros publicados nuns sites que brotam aos milhares
feito vermes nas latrinas.

Vejo agora que a humanidade começa a se enxergar diante do espelho.
Agora percebemos que secávamos por dentro
e então ficamos criativos, fazendo aquele prato,
pesquisando por horas sobre temperos nobres,
como o manjericão e a cúrcuma e outras especiarias.
Até refletimos sobre a rotina diária
de trabalho e tempo de lazer e descanso,
com deveres e, se possível, vinhos e Netflix e outros molhos
e de vez em quando o milagre da presença
de uma química no casamento.

Agora que nos tornamos poetas
damo-nos conta de que a musa semeia o vírus de sua beleza
cada vez mais afastada de nós,
e põe na vitrine de olhares
sua coleção de máscaras estilizadas.

Agora já nem sei se faz sentido perguntar
se é o todo que devora o nada
ou se é o nada que fode o todo.
Agora que o instinto poético ressuscitou,
percebo como a trintona e a quarentona e a cinquentona
ficam divinas com seus belos semblantes de pano e elástico.
Captei o verdadeiro sentido de minha quarentena:
os outros nem são mais de outro mundo.

Agora que o vírus flerta com minha dignidade,
não vejo mais graça em queimar boa parte de minha vida
tentando me conhecer.
Agora que não confio nas ideias messiânicas
e científicas e do senso comum,
penetrarei o miolo das coisas mais elevadas
e ejacularei minha indignação com tudo,
sonhando ser lembrado depois que partir.

Matutava essas coisas grandes num cantinho do bar
enquanto ali por perto um sujeito
devorava um pastel feito um porco.

(B. B. Palermo)


Pobrezinho do B. B. Palermo

  Uma amiga – hoje – me falou: – Américo, você trata muito mal o B. B. Palermo! Fiquei paralisado. Confesso que tenho algumas dificu...