Finalmente, quando prometi namorar,
ela veio com tudo e esfregou na minha
cara
um pacote completo:
a flor-de-clitóris, úmida e suplicante,
e o catálogo de suas performances.
Aprendera direitinho algumas lições do
kama sutra.
Não foi tudo aquilo, mas foi bom,
e nos sentimos em casa.
Sequestrou o espelho do quarto,
desfilaram flores e lingeries
e estremeceram os pilares de minha
pessoa.
Para impressionar, mostrou a cicatriz
na nádega esquerda
e disse que fora mordida por um pitbull.
Eu não soube se era real ou metáfora,
mas a cicatriz estava ali,
uns contornos de uma bocona,
diante de minha visão arrepiada,
como se eu acabasse de desembarcar em
Marte,
e havia multidões de serzinhos aguardando
pra me chamarem de covarde,
e, milagre, naquele dia havia
poucas nuvens no céu
e muito sol.
É apenas a primeira cicatriz -pensei, e
me apavorei.
Logo chegarão outras, parentes
distantes,
umas tias raivosas e vingativas.
Gelei ao imaginá-la possuída,
abafando com velhos cobertores
incêndios de seu passado,
cicatrizes ou sinais que psicólogas
chamam de "traumas".
Até quando o Cadelão suportaria?
Sejam compreensivos, meus irmãos.
E foi assim, mais uma vez,
que acendeu a luzinha do painel
de meus temores.
Também penso no futuro,
enquanto coleciono dúzias de fiascos.
Também quero envelhecer bem amparado,
de preferência dispondo de um bom
estoque etílico.
Sim... Álcool. Para suportar as dores
do mundo.
Eu ainda me apego à vida material.
O emprego, o consórcio do carro,
as comidinhas bem temperadas,
batidas de cachaça e vodca e catuaba e
licores
e tudo o mais que fazem suportar anos e
anos
de dedicação exclusiva ao meu amor.
Porém, o seu dia a dia me faz balançar:
aquele cuidado com os astros,
e o olhar atento aos sinais do zodíaco.
Os poemas preferidos,
as canções populares
que a fazem suspirar:
"Nossa, essa letra é a minha
cara!",
"Quando ouço essa música passa um
filme na minha cabeça!".
Eu não devia dizer-lhe, mas não suporto
a real, e disparo:
Sei, baby, essas canções são a cara de
milhões de sonhadoras como tu...
Umas pobres inocentinhas que não acordaram
pra vida.
É o suficiente pra que a tampa de uma
panela
exploda meus cornos,
e de novo eu perambulo solitário por aí.
(B. B. Palermo)