Sonhos são enchentes ou incêndios, compromissos em
que chego atrasado, são meus desejos não correspondidos por aqueles pequenos NÃOS
cotidianos. Imagens simples, talvez gravadas no inconsciente, desde a infância,
como não me deixarem pegar a isca e colocar no anzol, me afastarem dos caniços
e outras ferramentas que me dariam imensa satisfação, ainda mais quando grandes
peixes e águas turvas e agitadas desfilam diante dos meus olhos e riem da minha
impotência.
O final, o despertar, é de espanto, quando não de uma certa tristeza.
Durante o dia eu sei que devo anotar o que sonho e
me esforçar para encontrar neles uma lógica, um roteiro, um início e meio e
fim.
Ao sonhar corro atrás do que me falta, e a grande
quantidade de cenas me envolvem como um indefeso fantoche, jogado pra cá e pra
lá em meio ao fluxo do mundo.
Isso tudo tem um lado divertido. Corro até o Google
e consulto sites de interpretação dos sonhos. Das cenas que me lembro, ontem
sonhei com fogo, água e peixes. É reconfortante rifar algumas explicações que
são dadas aos sonhos. Por exemplo, peixe: “Se o peixe estiver vivo, você terá
boas notícias, no tocante a melhorias financeiras e à mudança de residência”.
Fogo: “Ver: sorte no jogo, tanto maior quanto intenso for o fogo”. (Como o
incêndio do meu sonho foi mais ou menos, hoje vou jogar um valor mais ou menos
no Bicho, na cabeça e na centena e no milhar). Água: “Limpeza, purificação,
corpo e espírito sendo descarregados. Água corrente: todo o mal está sendo
levado para longe”.
Bem que tudo isso poderia funcionar,
literalmente, em nossa vida, sim, mesmo para um palerma que passa o dia sentado
dando milho aos pombos.
E tem um outro lado, agora um pouco mais trágico. Ao
tentar ordenar essas imagens todas é importante rir de si mesmo, sentir-se
parente de Dom Quixote, um sujeito meio mentecapto, senil e a dois passos do
hospício.