quarta-feira, 13 de junho de 2018

Sonhos são...


Sonhos são enchentes ou incêndios, compromissos em que chego atrasado, são meus desejos não correspondidos por aqueles pequenos NÃOS cotidianos. Imagens simples, talvez gravadas no inconsciente, desde a infância, como não me deixarem pegar a isca e colocar no anzol, me afastarem dos caniços e outras ferramentas que me dariam imensa satisfação, ainda mais quando grandes peixes e águas turvas e agitadas desfilam diante dos meus olhos e riem da minha impotência.
O final, o despertar, é de espanto, quando não de uma certa tristeza.
Durante o dia eu sei que devo anotar o que sonho e me esforçar para encontrar neles uma lógica, um roteiro, um início e meio e fim.
Ao sonhar corro atrás do que me falta, e a grande quantidade de cenas me envolvem como um indefeso fantoche, jogado pra cá e pra lá em meio ao fluxo do mundo.
Isso tudo tem um lado divertido. Corro até o Google e consulto sites de interpretação dos sonhos. Das cenas que me lembro, ontem sonhei com fogo, água e peixes. É reconfortante rifar algumas explicações que são dadas aos sonhos. Por exemplo, peixe: “Se o peixe estiver vivo, você terá boas notícias, no tocante a melhorias financeiras e à mudança de residência”. Fogo: “Ver: sorte no jogo, tanto maior quanto intenso for o fogo”. (Como o incêndio do meu sonho foi mais ou menos, hoje vou jogar um valor mais ou menos no Bicho, na cabeça e na centena e no milhar). Água: “Limpeza, purificação, corpo e espírito sendo descarregados. Água corrente: todo o mal está sendo levado para longe”.
Bem que tudo isso poderia funcionar, literalmente, em nossa vida, sim, mesmo para um palerma que passa o dia sentado dando milho aos pombos.
E tem um outro lado, agora um pouco mais trágico. Ao tentar ordenar essas imagens todas é importante rir de si mesmo, sentir-se parente de Dom Quixote, um sujeito meio mentecapto, senil e a dois passos do hospício.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 12 de junho de 2018

Boate azul


Uma coisa legal das casas noturnas é que, se você tem grana, você pode escolher música boa para ouvir. Pagando, as garotas até se esforçam para entender e curtir aquele som que não é lugar comum. Hoje, um dos lugares comuns é o sertanejo universitário.
Uma música que marcou minhas primeiras incursões em casas noturnas foi “Boate azul”. Caramba, os caras que a compuseram captaram muito bem o sentimento desses solitários amantes se arrastando de madrugada em busca de afeto.
Nas primeiras dores de corno eu literalmente desejava cortar os pulsos. Com o tempo aprendi que a bebida, especialmente a cerveja, me alegra e então os pulsos permanecem preservados. Aprendemos com a idade a ter cautela e paciência e até uma certa resignação, e então a operação de “cortar os pulsos” – aquele impulso de querer partir dessa – não passa de uma metáfora. Mas que isso dói, ah se dói.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 5 de junho de 2018

Você é foda, hem?


Encontrei nos fundos de uma estante de casa um livro de poemas da família Galhos. Havia uma dedicatória na primeira página de dona Mire ao meu amigo Hilmo. Ela é filha de uma tradicional família de poetas, em São Luiz Gonzaga, no RS. Essa cidade fica na região das Missões, e tem muita história pra contar, muitos poetas conhecidos no sul do Brasil, sendo um deles o grande poeta e repentista Jayme Caetano Braun.
Depois de ficar viúva, dona Mire foi realizar os sonhos de menina, sair pelo mundo, conhecer lugares e pessoas. Mulher muito sociável, sempre disposta a ajudar os outros, mantém uma casa com várias garotas de programa aqui na minha cidade. Escolhidas e instruídas por dona Mire, elas são inteligentes, bonitas e hiperafetivas com os clientes.
O livro deve ter ficado comigo porque, mais do que meu amigo, gosto de poesia. É composto de poemas de avós, filhos e netos e, no geral, são bons poemas, sendo que a maioria dos componentes já está morta.
Recebi a visita de um desses poetas mortos, dias atrás. Não compreendi o que dizia, falava rápido, temendo que a qualquer momento saísse do ar. Misturava línguas e sotaques, português e francês e espanhol e portunhol. Deu uma aflição, sou um palerma que nunca ligou para outros idiomas. A sensação que tive foi de que me censurava pelo fato de não me envergonhar da vida escrota que levo, um desmemoriado que bebe e solta pum e arrota, que não consegue criar obras culturais que sobrevoem o tempo e o espaço das novas gerações, obras que sirvam de modelo e inspiração.
Creio que ele estabeleceu contato porque compartilhamos o gosto pela arte. Como não me deixava falar, eu admirava aquele terno e bigode e pensava Você é fodão, hem? Foi então que ele apontou pro relógio, gesticulou, acho que entendi aquelas palavras aceleradas, pareciam dizer Você pensa que é foda, hem, meu neguinho? Olha a hora, olha a hora, já é quase meia noite e você ainda não desenvolveu nem um terço de tua obra.
Assim sem mais, deixou-me falando sozinho. Fui até a geladeira, abri outra cerveja e constatei que tem morrido muita gente, inclusive gente conhecida. Bateu uma inveja da família Galhos, família de poetas. Li todo o livro e também a biografia de cada um, imaginei cenas e rostos e bravatas e batalhas.
E quanto à minha família? Minha memória não localizou nenhum poeta ou artista que fosse. Parece que se deram por satisfeitos em deixar para as novas gerações algo mais material, como casas ou terrenos ou apartamentos ou chácaras. Nada de artistas ou anarquistas ou revolucionários. Deve ser por isso que meus bisavós e avós e outros parentes mortos estão calados. Nenhum deles, ainda, veio me visitar.

(B. B. Palermo)

domingo, 3 de junho de 2018

A vida é muito triste



Vejo por aí loucos mansos que às vezes ficam injuriados. Alucinados, tomam o caminho mais torto para distorcer a realidade.
Voltei a rezar porque sei que não há hospícios pra todo mundo.
Voltei a blasfemar porque sei que a vida não está fácil, pão e circo andam em círculos.
Os esgotos não dão conta. Como disse o velho Braga, “essenciais são os esgotos da alma. Nossa pobre alma inesgotável”. Mas, coletivamente, ela está em frangalhos. Crianças gigantes clamam por um pai, mas esse está distante, ocupado com missões intergalácticas.
A vida é muito triste. É o que sempre dizem a cozinheira e o lavador de pratos e o açougueiro e a confeiteira e outros tantos. Há muito tempo fazem o que mandam os senhores. Nunca tiveram uma iluminação, como por exemplo matar e incendiar quem os oprime.
A vida é muito triste. Papai, por que não vens pra nos salvar?

(B. B. Palermo)

sábado, 2 de junho de 2018

Erro, ilusão e delírio - Cláudia Laitano


Diante do que não podemos controlar, uma das respostas mais comuns é a fantasia infantil de que alguém mais forte vai aparecer para nos salvar.

Freud distingue três formas de autoengano. A primeira é a que ele chama de “erro”. Uma pessoa mal-informada, convencida de que a Terra é plana ou de que as vacinas fazem mal para a saúde, está cometendo um erro. Esse tipo de equívoco tem cura, mas exige transfusão imediata de fontes de informação e alguma capacidade de autocrítica.
Já a “ilusão” não é necessariamente um erro, mas implica o forte desejo de acreditar em alguma coisa – mesmo contra todas as evidências em contrário. A donzela que espera encontrar um príncipe (ou vice-versa) com quem será feliz para sempre em doce e alegre harmonia cultiva uma das mais antigas e populares ilusões do mundo. Até pode acontecer, claro, mas amores de contos de fadas não são exatamente a regra na vida real. Também nos iludimos quando imaginamos que alguém (mais forte, mais sábio, mais poderoso) será capaz de resolver nossos problemas por nós. Acontece de vez em quando, é verdade, mas geralmente quando ainda somos crianças e nossos problemas estão ao alcance dos superpoderes de uma boa mãe.
Freud chama de “delírio” aquilo que apresenta uma contradição tão grande com a realidade que se aproxima da alucinação psiquiátrica.
Freud escreveu O Futuro de uma Ilusão, em 1927, movido pelo desejo de demonstrar como o nosso irremediável desamparo, como espécie, pode nos levar a trocar a razão pelo alívio fácil do pensamento mágico. A razão nos diz que: 1) desastres acontecem e 2) a morte é incontornável. Não controlamos o destino e, mesmo que tenhamos a sorte de levar uma vida tranquila e sem grandes atropelos, nunca sabemos como essa história vai terminar. Diante dessa sensação de desamparo e fragilidade frente ao que não podemos controlar, uma das respostas humanas mais comuns é a de recorrer à fantasia infantil de que alguém mais forte vai aparecer para nos proteger e salvar. Para a alquebrada Alemanha da época de Sigmund Freud, a resposta veio logo em seguida, na figura de um ditador que se autoproclamava simplesmente “o líder”.
Tornar-se adulto, ensina Freud, significa aceitar que quase nada que nos aflige seriamente será resolvido de forma simples e sem o concurso do nosso próprio esforço e sacrifício. Nos últimos dias, surgiram muitas vozes sensatas tentando entender as origens políticas e sociais da delirante campanha pela volta do regime militar que ganhou fôlego durante a paralisação dos caminhoneiros. Mas o tempo todo eu só me lembrava de Freud: “O ser humano não pode permanecer eternamente criança, tem de finalmente sair ao encontro da ‘vida hostil’. Podemos chamar a isso de educação para a realidade”.
O Brasil precisa crescer, sim, mas não apenas naquilo que pode ser medido pelo PIB.
(Zero Hora, sábado e domingo de 2 e 3 de junho de 2018)

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Pós-verdade


Guardei no armário minhas verdades.
O solo é muito pobre. 
A semente bate nas pedras
e desliza e se perde.

Depositei as ferramentas, 
dei um tempo
à palavra e sua escuta.
Agora sou todo sentidos.

Vou bater asas até o alto,
é só o que tenho no currículo.

Penso de novo naquele conceito: liberdade.
Libertar-me das picuinhas do cotidiano e da manada.

Hoje seguirei Fernão Capelo Gaivota.
Voar, voar, subir, subir...
Não importa se isso não passe de um sonho de Ícaro.


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Varais de minha vida


a garota na varanda recolhe roupa e o vento e o sol e eu a observo do ônibus e meus olhos cheios de saudade de tantos varais de minha vida

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Nação ZUMBI - Claudia Tajes


A senhora de cabeça baixa estava alheia à conversa do marido e dos filhos. Também não dava a mínima para a gritaria dos três netos pequenos. Devia ter uns 60 e poucos anos e eu, almoçando ao lado, morri de pena por ver uma mulher tão moça com – deduzi – uma doença que a privava do convívio com a família. O garçom trouxe a comida, a senhora não se mexeu, a nora ajeitou melhor o prato, olha, a massa vai esfriar. A mulher pegou o garfo e ficou com ele parado, sempre olhando para baixo, a outra mão sob a mesa. Um dos filhos chamou: “Mãe, não vai comer?”. Ela respondeu sem levantar os olhos: “Depois, estou vendo as férias da Terezinha no Whats”.
Isso que dá ficar de olho na vida dos outros. Sem ter nada a ver com a situação, eu já havia pensado no pior. Nessas doenças que roubam a pessoa dela mesma, que levam embora a presença e a identidade de alguém. É a única coisa que me assombra ainda mais que a reforma da Previdência.
Na verdade, aquela senhora sofria era de Whastsapite aguda, mal que pode acometer gente de todos os gêneros, idades, padrões culturais, econômicos e etc. Pegar é simples, basta um smartphone. A partir daí, o uso que se faz dele é que determina o grau da contaminação. Que anda alta, diga-se.
A fila do supermercado empaca porque a moça se corresponde freneticamente no WhatsApp. Atrás dela, todo mundo bufando. Entretido com algum vídeo que os amigos mandaram, o motorista não vê que o sinal abriu. O sinal fecha, o pessoal começa a buzinar como se não houvesse amanhã. O motorista aproveita e assiste a mais alguns segundos. Pelas ruas, pessoas caminham com a cabeça enterrada nas telas dos seus celulares. Sai da frente, se não elas te atropelam. No restaurante, casais sentados frente a frente conversam animadamente – mas cada um no seu WhatsApp. Em casa, se a conversa da família não rende muito, pelo menos os WhatsApps de todos estão bombando. No cinema, bem na hora em que a tela fica mais escura, a luz de vários celulares denuncia que o WhatsApp não pode esperar pelo fim da sessão.
Era para ser comunicação, virou uma maldição zumbi. É que tudo se resolve pelo WhatsApp. Assuntos de mães e filhos e filhas e pais. DRs de namorados. Combinações de trabalho. Fofocas. Encomendas de remédio, comida, cremes manipulados, marcação de massagem, cabeleireiro, consultas médicas. Até as chamadas transações ilícitas, quais sejam, hoje rolam pelo WhatsApp. Quem insistir em se comunicar no velho estilo ao vivo, corre o risco de ser chamado de ser antissocial.
E quando a gente é incluído – sem pedir – em um grupo? Socorro. Conheço pessoas que nunca mais saíram do quarto por não sobrar tempo para outra atividade que não a de responder mensagens de grupos. Triste.
Para além da contaminação pelo WhatsApp, o celular ainda nos trouxe a epidemia da foto. Tudo agora precisa ser fotografado. Verdade que essa democratização da fotografia fez com que muitos se descobrissem bons fotógrafos. E fotografar é mesmo um prazer, chato é o excesso. Há alguns dias, no AquaRio, aquele aquário carioca onde a Ísis Valverde nadou com cauda de sereia, era quase impossível abrir caminho entre a multidão fotografando. Um menino reclamou: “Putz, o tubarão não fica quieto, cada vez que eu vou fotografar, ele sai nadando”. Pois é, meu jovem, a isso se chama natureza – ainda que subjugada.
E assim, entre mensagens e fotos, a gente segue fazendo o possível para não perder nada. Ou talvez perca um pouco da vida. Nada que não se possa recuperar em seguida, mandando uma foto no WhatsaApp ou fazendo um post que, se Deus quiser, terá dezenas de curtidas.
Zero Hora, 13/14/01/2018.

domingo, 26 de novembro de 2017

De que lado você está?


Descasco um ovo
Giro como quem gira o globo
E o ovo e o globo e todos perguntam:
- De que lado você está?

É duro descascar esse ovo cotidiano
Fazer escolhas sem causar danos
Aos dedos ao ovo ao globo a todos.
- De que lado você está?

Não sei. Embarco e vou até do outro lado e me encontro no início de novo. Sem casca. Sem verdades. Apenas a memória da viagem.
- de que lado você está?

Descasco um ovo giro como quem gira o globo e o ovo e o globo e eu e todos perguntam...


(B. B. Palermo)

domingo, 12 de novembro de 2017

Vai... Procura


Todos buscamos o amor, meu anjo.
Muito busquei. Sorri e também chorei.
Tão jovem, tens um longo caminho a percorrer.
Um dia, como eu, vais perceber: tudo o que nos mantém vivos é a busca...
Não desista dela, a busca. Do contrário, estarás +++++.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

filhote de passarinho


Essa coisa que nos anima, habita e se apossa, faz acreditar, ter fé e esperança, torna fracos, reféns de ratos, moscas e baratas, românticos e mansos, bárbaros viciados em tecnologia e bomba nuclear.
O ego te convence de que és joia preciosa, mas teu passeio público e virtual é bijuteria, coisa de menos importância, se comparado ao vômito depois da festa, naquele banheiro de dar dó.
Vives da sobra, e o dizes a todo mundo, numa voz amplificada pelas redes virtuais. 
Redes que sintetizam a prisão de cada um, múmia diante do espelho, pose, câmera e selfie, injetando o doce remédio da solidão.
Não desista. És cultuado, carregado nos braços e tornado oráculo. Apresento-vos novos deuses: psiquiatras. Antes do jogo começar diagnosticam teus males, como o gato que se diverte torturando o filhote de pássaro que caiu do ninho.
O doutor não tem tempo nem saco pra te ouvir. Ele só tem remédios.
Sim, meus caros. A boa notícia é que não precisamos aguardar a bomba da Coreia, ou a chegada daquele meteoro. Hoje. Aqui. Agora. Estamos mortos.


(B. B. Palermo)

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Frases de John Fante


“Meu conselho para todos os jovens escritores é bastante simples. Eu lhes recomendaria que nunca evitassem uma nova experiência. Eu os instaria a viver a vida em estado bruto, a atracar-se com ela bravamente, a golpeá-la com os punhos nus.” 

“Os livros dizem não, a noite grita sim. Tenho vinte anos, cheguei à idade da razão, vou caminhar pelas ruas lá embaixo, procurando uma mulher.” 

sábado, 26 de agosto de 2017

Breve apanhado dos últimos dias - Claudia Tajes


A maioria das pessoas - as que eu conheço, pelo menos - critica os concursos de beleza. Coisa antiga, perda de tempo, exposição da figura da mulher e etc-etc-etc. O engraçado é que quase todo mundo vê. E todo mundo julga. A miss tal é feia. A miss fulana é gorda. O canino da miss beltrana é torto. Eu, se tivesse o culote da miss sicrana, jamais desfilaria de maiô.
Só sei que tomei um susto ao abrir o computador após um mísero dia sem internet e sem contato com a civilização, embora “civilização” não seja bem a palavra para as reações diante da escolha da piauiense Monalysa para Miss Brasil 2017. Diferentes pessoas do mesmo tipo – eu chamaria de cretinas – ofendiam a guria simplesmente por ela ser negra. Na semana em que se viu a aberração de Charlottesville a favor da “supremacia branca”, idiotas nativos envergonham a gente ofendendo uma menina de 18 anos por causa da pele dela. Mas vão carpir um lote, como se diz nessas horas.
Teve também o caso do músico denunciado por gravar uma canção feminista três anos depois de um relacionamento de traições, violências e abusos, segundo o relato da ex-namorada inteligente, bonita, dona do próprio nariz e do próprio corpo e que, para azar dele, escreve muito bem. Como resultado, lincharam o rapaz. O clamor foi tanto que a banda suspendeu as atividades – como fã, lamento muito. Logo se criou uma página para denunciar músicos por atitudes machistas com suas namoradas e sobrou geral, como já havia sobrado para o Chico Buarque pouco antes. Crime do Chico? Parte de uma letra: “quando teu coração suplicar/ou quando teu capricho exigir/largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir”.
Alguém ainda precisa analisar o poder destruidor do textão no Facebook. É pior que napalm, não há o que resista a ele. O rapaz recebeu uma dose de ódio digna do goleiro Bruno. Que tempos esses em que o tribunal se forma em minutos e as condenações à fogueira são sumárias. Pensando bem, já rolou algo parecido em outra época. O nome era Inquisição.
Sempre que a intimidade de alguém ganha o mundo, brilha uma das tantas grandes frases de Nelson Rodrigues: se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.
A semana ainda nos brindou com mais uma pérola do cara-de-pau mor do país, e olha que não é fácil escolher um entre tantos, o excelentíssimo Gilmar Mendes. Nosso juiz, padrinho de casamento da filha de um preso que há décadas faz o que quer com o transporte público do Rio de Janeiro, assinou o habeas corpus do empresário e mandou dizer que não se sentia impedido de julgar porque “o casamento não durou nem seis meses”. Se eu já não tivesse usado a expressão “vai carpir um lote” no parágrafo lá de cima, usaria agora.
Depois de tudo isso, ainda chega a notícia da professora espancada por um aluno de 15 anos em Santa Catarina. A frase dela sobre tamanho absurdo é quase uma legenda para tudo o que se vê a cada semana, a cada dia, a cada instante nesse mundo: “Estou dilacerada, mas me recupero”. E se não for assim, como é que a gente continua?
Fonte http://revistadonna.clicrbs.com.br/coluna/claudia-tajes-breve-apanhado-dos-ultimos-dias/

Literatura para jornalistas


Literatura para jornalistas: Américo Piovesan fala sobre seu processo criativo

A turma de Oficina de Leitura e Produção de Texto recebeu a visita do escritor Américo Piovesan. Em conversa com os alunos do curso de Jornalismo, Américo trouxe exemplos de sua produção, comentou seu processo de criação e falou sobre o lugar da literatura na contemporaneidade. “A literatura permite dizer o que está oculto”, resume o escritor.
A palestra teve por objetivo aproximar a tradição do jornalismo e a da literatura, a fim de inspirar os acadêmicos da disciplina, voltada para a produção de texto e o incremento do repertório cultural dos futuros jornalistas.
O professor Marcio Granez, responsável pela disciplina, avalia a atividade: “Tivemos a oportunidade de trocar experiências com um escritor que se destaca no cenário atual da produção literária em nosso município. Sem dúvida, foi um grande diferencial para aprofundar a formação dos nossos alunos. Afinal, as narrativas jornalísticas são antes de tudo histórias e como tais devem ser bem contadas para cativar o público”.

Fonte: https://usinacomunica.wordpress.com/2017/06/21/literatura-para-jornalistas-americo-piovesan-fala-sobre-seu-processo-criativo/

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Os espíritos - Mário Cezar Goularte Duarte

Estavam ali os dois conversando sobre assuntos diversos, quando de repente - pum! - o Espírito de Conciliação acertou o estômago do Espírito Esportivo. Afogueado e tremendo, este levantou-se com uma pedra na mão e...
Eu vi. Por todos os espíritos, eu vi. Mas não sabia, então, que eram eles. Eu andava por toda a parte à procura desses entes abstratos - os dois aí citados e mais a porção que, dizem, habitam nosso universo interior. Eu os via nos jornais e revistas, falavam seus nomes no rádio, até na televisão apareciam. Mas espírito mesmo, em carne e osso, eu não encontrava. Ah sim, encontrei muitos, mas só aquelas ovelhas negras de que ninguém fala e que, sim senhor, são tantas e tanto fazem que me admirava não serem notícia.
Assim que ao invés do Espírito de Camaradagem eu via o Espírito de porco, esperto e cínico, caçoando das pessoas, agindo nas repartições públicas. E o Espírito de Luta, tão famoso por sua coragem e persistência, decerto tinha se acovardado, cedendo o lugar para o Espírito de Briga, mal-humorado e agressivo. Via ainda o Espírito Derrotista, cabisbaixo pelas ruas, quando falavam tanto no Espírito Combativo.
E tanto vi desses espíritos que nós - eu e meu Espírito de Complacência - quase desistimos daquela busca inútil. Mas continuei, cheio de fé, achando-me eu mesmo um sujeito bastante espirituoso.
Aí chegou o Natal. É agora, pensei, esse não me escapa - o Espírito Natalino. Sempre ouvira dizer de sua presença nessa época, tão puro e comunicativo, contagiando as pessoas, os velhos e moços, os honestos e os ladrões e, dizem, até os que por força da profissão não têm espírito nenhum: os censores.
Pus-me nas ruas. Olhava, ávido, o rosto das pessoas. Buscava neles um sinal, um sinalzinho, um espiritozinho qualquer. Mas eles só olhavam as vitrinas. E enquanto nestas distinguia claramente o Espírito de Venda (que frases! que ofertas!), nas pessoas notava apenas um medíocre Espírito de Compra.
Onde, afinal, o Espírito Natalino? Tão falado em anúncios comerciais, cantado e decantado em jingles - seria uma invenção da Propaganda e de seu Espírito Criador?
Foi um amigo que o apontou um dia para mim. Mas, Santo Deus, como foi difícil reconhecê-lo atrás de todos aqueles pacotes! desavisadamente eu o tomaria, sem dúvida, pelo desprezível Espírito de Consumo, que aliás estava por toda a parte. Jamais desvendaria naqueles embrulhos ambulantes um mínimo de espírito sequer, muito menos o inteligente Espírito Natalino.
Então percebi que os espíritos que eu buscava continuavam por aí, levando a mesma vida de sempre, apenas um pouco diferentes - ou para encontrá-los me faltava o necessário estado de espírito.
Por isso, de certo hoje só tenho a dúvida de Machado de Assis: mudei eu ou os espíritos é que andam irreconhecíveis?
(Crônica publicada em 1978)

Às vezes com quem amo - Walt Whitman


Às vezes com quem amo fico cheio de raiva,
por medo de estar dando amor não retribuído;
agora penso porém que não há amor sem retribuição,
a paga é certa de uma forma ou outra.

(Amei certa pessoa ardentemente
e meu amor não foi retribuído,
mas desse alguém eu tirei com que escrever
estes cantos.)

 

                                        (tradução de Geir Campos)

Jacaré letrado - Sérgio Capparelli



domingo, 20 de agosto de 2017

Sobre o amor - Paulo Leminski


   Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
   fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
   A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
   transformar amor em nada.

***
   o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
   agora, apenas um sopro

   ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
   e socos

terça-feira, 8 de agosto de 2017

EIROS - Luis Fernando Verissimo


   "A leitora Elza Marques Martins me escreve uma carta divertida estranhando que 'brasileiro' seja o único adjetivo pátrio terminado em 'eiro', que segundo ela, é um sufixo pouco nobre. Existem suecos, ingleses e brasileiros, como existem médicos, terapeutas e curandeiros. As profissões de lixeiro e coveiro e carcereiro podem ser respeitáveis, mas o 'eiro' é sinal de que elas não tem status. É a diferença entre músico e musicista e roqueirotimbaleiro ou seresteiro. Há o importador e o muambeiro. 'Se você começou como padeiroaçougueiro ou carvoeiro' – escreve Elza – 'as chances são mínimas de acabar como advogado, empresário, grande investidor ou latinfundiário, a não ser que se dê ao trabalho político antes'. Aliás, há políticos e politiqueiros. Continua Elza: 'Eu nunca vou chegar a colunável ou socialite se comecei como faxineira ou copeira. Você pode ser católico, protestante, maometano, budista ou oportunista ou então macumbeiro.' mas a leitora nota que o dono do banco é banqueiro enquanto o funcionário é bancário, o que pode ser um julgamento inconsciente de caráter feito pela língua.
    Elza – que por sinal se considerava harpeira até começar a tocar numa sinfônica e virar harpista – me sugere uma campanha nacional para passarmos a nos chamar de 'brasilinos, brasileses, brasilenses, brasilianos, brasilitanos, brasilitas, brasileus, brasilotos ou brasilões', o que aumentaria muito nossa auto-estima e nossas chances de chegar ao mundo maravilhoso dos americanos, belgas e monegascos."

VERÍSSIMO, Luis Fernando. In: Jornal do Brasil, 7 de out. 1995.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Lua


Olho para o céu
e vejo
a libertina
lua luana
linda luna e leve
e lembro de amores
livremente 
libertinos...

Céu inspirador
de latidos
grilos
dores
de corno
e cotovelo.

Como disse o poeta,
"confesso que vivi".
Mas que isso dói,
dói e como dói!

(Palermo escritor)

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Planeta Gugus - Ricardo Silvestrin


Em Gugus,

as pessoas nascem velhas

e terminam bebês.

Vão desaprendendo e esquecendo

uma coisa a cada mês.

Cabelos brancos

ficam pretos,

carecas ganham tranças.

Com setenta anos,

todo mundo é criança.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Eletrocardiograma - Germana Zanettini


– doutor
por que essa dor?
por que tantos ais?

na verdade
teu coração
não bate

pratica
saltos
ornamentais

O menos vendido - Ricardo Silvestrin


Custa muito
pra se fazer um poeta.
Palavra por palavra,
fonema por fonema.
Às vezes passa um século
e nenhum fica pronto.
Enquanto isso,
quem paga as contas,
vai ao supermercado,
compra o sapato das crianças?
Ler seu poema não custa nada.
Um poeta se faz com sacrifício.
É uma afronta à relação custo-benefício.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Lagarteando no sol


O prédio da rua cresce com o servente domando a betoneira. 
Eu aqui, medito, lagarteando no sol. 
Faz bem pra alma ser um inútil!

https://twitter.com/PalermoEscritor

terça-feira, 11 de julho de 2017

Espere baby não desespere - Chacal


Espere baby não desespere
não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes


espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre os mistérios
da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma


espere baby não desespere
temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho
e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é


espere baby não desespere
a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim


espere baby não desespere
porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos

Viagem ao fim da noite

O cachorro passa mancando... não me percebe. Compreendo: a vida é busca, é movimento. Quem prova isso é o motoboy e sua descarga barul...