quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sonhei que era um gatinho



Sonhei que era um gatinho

- Miau! ...miau!...

Que ia por um caminho

- Miau! ...miau!...

Perseguindo um ratinho

- Miau! ...miau!...

E ao ver-me pertinho

- Miau! ...miau!...

Gemia o bichinho

- Que mau! ...que mau!...


Correia Júnior. Barquinho de papel. s/ed. 1961.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

PERFIL




Por que Fulana não me quis
por que nunca senti nada por Ciclana
que gostava tanto de mim?

Idade, cor, sexo e outras informações
fazem meu raio-x
completo

psicólogos cibernéticos
um batalhão de experts
crêem piamente
que vou encontrar
o par perfeito.

Uma multidão se junta
de uma hora para outra
a esse exército
para garantir
o meu sucesso.

Satélites fazem par com GPS
a informática roda o mundo
e me encaixa, fazendo cruzamentos
com programas atualizados
para que eu encontre o par perfeito.

Eles têm informações sigilosas
das coisas que sempre desconfiei
mas que nunca compreendi direito.

Dizem os cientistas
que minha parte biológica
tem a pista que vai me conduzir
aos braços de meu grande amor.

Dizem, sem grito e sem mímica,
que não é uma questão
de saber ou não saber
de ser ou de não ser,
mas de rolar ou não rolar

a química!



segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CRESCI NA PAREDE


Há um retrato na parede
que aceitou ser a síntese
da minha geografia.

Gira no sentido anti-horário
para escancarar
toda a minha agonia.

Desenhado com cuidado
escolhido o melhor ângulo
maquiou a superfície
tragicômica do meu ego.

Dediquei muito tempo
em busca do meio termo
entre me mostrar e me esconder.

A ficha caiu quando me encarei de frente
e vacilei ao ver o retrato me observar 
num desafio indiferente 
do alto da parede.

Um dia, criança,
fazia bonecos reais e imaginários
com massa de modelar.
Era um tempo em que eu e meus amigos
desfilávamos poses cheios de história e sentimento.

Agora cresci
como a erva depois da chuva
no limiar da primavera.
Ombros, primeiro o esquerdo,
depois o direito, subiram até o alto,
para contemplar o mundo do outro lado.
Minhas pernas se alongaram tanto
correndo atrás de outros continentes
- aqueles lugares que sempre quis conhecer.

Cresci tanto e mesmo assim
vivo extraviado no meu canto
e já não consigo olhar indiferente 
a este meu rosto que sorri
com ironia e espanto.

sábado, 11 de setembro de 2010

VINICIUS DE MORAIS - o filme




Fiquei me perguntando sobre quais motivos teria para exibir um filme (documentário) sobre a vida e a obra de um poeta brasileiro, para alunos de Ensino Médio.

Próximo à literatura e à poesia, diria que o filme sobre Vinicius mostra a poesia transformar-se em letra de música. O depoimento de Edu Lobo, no filme, aborda isso. E o quanto Vinicius foi mestre em transformar os versos do poema em ritmo, melodia e harmonia. Vinicius foi autor de mais de 400 poesias e 400 letras de música.

Chico Buarque, ainda jovem, morando na Itália com sua família, conta que certa vez sua família recebeu a visita do poeta. Houve uma inquietação no coração de Chico Buarque, e uma agitação em toda a sua família: afinal, estariam frente a frente com um poeta compositor, o que era uma novidade. Chico diz que ficou deslumbrado ao ver pela primeira vez um poeta tocando violão.  

Outro objetivo seria mostrar para os jovens alunos os aspectos históricos e culturais da sociedade brasileira, principalmente o Rio de Janeiro daquela época. Principalmente o surgimento da "Bossa Nova", em nossa MPB. Conforme Edu Lobo, a música Chega de saudade marcou a ruptura com o passado. Nela, tudo era novo - ritmo, melodia, batida, etc. Gilberto Gil, no seu depoimento, diz que essa música mudou sua vida. É que ela falava das coisas simples da vida de uma maneira totalmente diferente. Ao mesmo tempo, mantinha a forma poética da tradição e rompia com a mesma.

Outro bom motivo para justificar ter exibido esse filme para jovens diz respeito ao amor e à paixão. Pode-se dizer, sem temer cair em clichês, que o jeito de Vinicius amar passou distante de qualquer fórmula que a sociedade impõe a respeito do amor. 

Tonia Carrero diz que Vinicius necessitava do fogo da paixão - só assim podia viver e escrever. Quando a normalidade se instalava, e a rotina se intrometia em sua vida, nosso poeta sofria, e só renascia ao viver de novo um grande amor.

Não estou aconselhando ninguém a amar do jeito como Vinicius amou. Afinal, casou-se 9 vezes. Quero falar do seu amor à humanidade, transmitido por sua poesia.

Todos somos singulares em nossa maneira de amar. E vemos que há muitas por aí: uns amam tanto, que chegam a sufocar o outro (a). Outros sentem-se tão sufocados pelo amor do parceiro (a) e, diante disso, ou se esforçam para escapar dessa armadilha, ou se resignam e se submetem. Mesmo percebendo tal opressão, não têm coragem de estabelecer uma ruptura e ir em busca de algo novo.

Outro aspecto do filme que merece ser debatido com as jovens gerações tem relação com o depoimento de Chico Buarque, ao afirmar que Vinicius não tinha grandes preocupações com a vida material - o dinheiro. O que ele ganhava não retinha. Vivia rodeado de amigos, e o dinheiro escorria pelos seus dedos. É que para ele, esses eram momentos de celebração - onde, claro, a música estava no centro das atenções.
Chico Buarque diz que não consegue imaginar Vinicius vivendo na sociedade de hoje (nem se ele iria suportar). É que, cada vez mais, os valores que estão em jogo e que dão as cartas são o consumismo, o individualismo e a competição.

O desapego que Vinicius tinha com o dinheiro, valia para os amores e para suas criações - criou a Bossa Nova, mas foi adiante, para percorrer outros caminhos.
Todos nós sabemos que esse desapego tem, como contrapartida, suas consequências. Afinal, Vinicius estava na companhia (rodeado) pelos seus amores, e ex-amores,  e também seus filhos.
Mas é o preço que pagamos ao vivermos uma vida intensa.

Lembro agora, numa associação com Vinicius, do filme Sociedade dos poetas mortos. A ruptura com alguns valores caros à tradição pode ter um gosto amargo, embora possibilite a expanção e abertura para novos caminhos.
Lembram da frase "Carpe Diem"? Pois é, numa tradução meio apressada significa "aproveitem o dia". Claro, para fazer isso é preciso uma boa dose de coragem, vencer o medo e a segurança que uma vida "enraizada" nos proporciona. Por outro lado, manter a segurança pisando o solo do que sempre foi e é aceito como verdade significa podarmos nossas asas. 
O que fazer, então?

Só pra terminar, um amigo meu encontrou coragem de se separar de sua mulher depois de conhecer Vinicius ( assistindo o filme, claro). Se ele reatou com a ex-mlher, ou se livrou do apego a ela? Isso eu não sei dizer agora. Nem diria se soubesse...rsrsrsrs.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

UM ANTRO DE ASSASSINOS - Leo Cunha


Quatro anos de idade, olhos inquietos, fita azul no cabelo, a menina espia toda a sala para garantir que ninguém está escutando. Depois fala quase sussurrando:
- Hoje você não me ponha os pés fora dessa casa, ouviu bem?
E balança o travesseiro de penas, que, fazendo as vezes de bebê, responde:
- Por quê, mamãe?
- Por que não! Pronto e acabou! - a garota ralha com o travesseiro.
- Mas eu queria brincar lá na rua...
A menina sacode o travesseiro no ar:
- Não discuta comigo! Quer ficar sem sobremesa?
O bebê não quer.
- Sorte sua, filhinho. Hoje tem... tem... hoje tem cocada.
Lambe os beiços pensando na cocada, quando, de repente, escuta um barulho do lado de fora. Acha que alguém vai entrar pela porta, finge que o bebê é um travesseiro e deita  a cabeça, com muito cuidado.
Não era ninguém. A menina se empina de novo e desamarrota o bebê.
- Se você prometer que não vai falar pra ninguém, eu te conto um segredo...
O bebê promete.
- Sabe por que eu não deixo você sair? É que essa cidade aqui é muito perigosa. Eu vi na televisão um moço falando que essa cidade é um antro de assassinos... Imagina, filhinho, um antro!
O bebê sacode de medo.
- Pois é... - a menina sussurra. - Até eu, que sou velha, que sou sua mãe, até eu fico com medo de sair pra rua. Mas o que é que a gente pode fazer, né? O papai tem que trabalhar aqui.
Olha de novo ao redor e abraça apertado o filhinho.
- Mas não fica com medo, não. Se a gente ficar em casa, bem comportada, não vai ter problema nenhum. O papai não ia trazer a gente pra essa cidade se fosse tão perigoso assim. Vai ver o moço da TV exagerou um pouco.
O sono vai batendo, o bebê vai virando travesseiro de novo, a menina já está quase dormindo.
- Sabe, filho, eu só queria mesmo era saber uma coisa: o que será que quer dizer "um antro"?...


Do livro Tela plana, editora Planeta.

Apenas este instante

  A prosa daquele senhor impregna o ar. Ao exalar suas frases, meio que balança a cabeça, as pernas, dá a impressão de que vai para muit...