- Apesar de principiante, tu não está totalmente cego. Até consegue sobrevoar
essa névoa onde a manada dorme em berço esplêndido. Parece que tu é um dos
poucos que não se desespera e corre em busca da redenção no final. Não me pergunte
como fica o bem e o mal, Deus, o diabo, a salvação. Humanos falam demais e têm pouca
sensibilidade, não compreendem os mistérios. Mesmo sem desespero ou esperança,
talvez tu não tenha outra saída, senão também vendar os olhos e se jogar do
alto, prendendo nas costas um paraquedas qualquer, imensamente frágil, despencando
junto com a multidão. No desespero, pra fugir da insanidade individual, siga os
demais, beba, relaxe, não te dobre pro sentimento de culpa. Teu ego tem essa
mania de complicar tudo. Foda-se, ele, não precisa escolher sozinho, entre na
fila e também caminhe rumo ao brete. Vocês estão acostumados com velhos clichês,
como por exemplo "basta estar vivo" e "viver é muito
perigoso". Daqui de cima, te garanto, a toda hora noto em vossos atos e
hábitos o lugar comum de que "viver em rebanho é mais tranquilo".
Perplexo, analisava essa conversa e tentava adivinhar suas chances de
razoabilidade. Aí, então, a voz do bichano metralhava noutra direção.
- Bobinho, só tu pode sobrevoar, imponente, o abismo. Afaste-se do
rebanho. Retire a venda dos olhos. Tu pode levantar da mesa do bar depois de
apenas uma cerveja. Tu pode escolher nem ir pro bar, e nem é porque tua garota
te aguarda com seu amor incondicional e deveres e obrigações condicionadas.
Eu sabia que era impossível negociar com a garota um tempo e espaço mínimos.
Eis uma luta cada vez mais paralisante. Mas como o mostrengo sabia disso?
Eis uma de suas mensagens: "Eu sou o enviado, estou rastreando as
cagadas de vocês, pessoinhas escrotas".
A compreensão embaralhou. Sei que não enlouqueci porque divago e ando em
círculos, ora embretado pelo ceticismo,
ora pelo maravilhamento dessa novidade. (Me refiro à aparição da fera
atrevida, criatura que visualiza nossas empreitadas de um jeito bem mais lúcido).
Minha percepção de como são as pessoas e coisas ficou mais aguçada, e isso
não tem a ver com pó ou baseado.
Entendo vossa curiosidade sobre esse sujeitinho ousado. Também estou
confuso.
Como saber se é correta a minha compreensão da realidade?
Se tanta gente delira, por que também não estou delirando?
Tenho quase certeza de que o bicho se aproxima para me aconselhar. Eu,
um dos poucos interlocutores de que dispõe, que compreende sua angústia diante da
grandiosa e quase impossível missão de reciclar as inutilidades diariamente
produzidas por nós.
Não sei onde me classifico. Deu pane no meu cérebro.
Quero andar no mundo, dialogar, mas nada posso se a multidão não
está a fim. Vou cuidar de minha ilha. Eis um bom motivo pra correr pro bar. São
necessárias e suficientes algumas cervejas e poesia e uns capetinhas em volta,
fazendo Tim-tim.
(B. B. Palermo)