Estava na boate da Janete. Circulavam por lá as garotas de sempre,
desejando o de sempre, papos e música de sempre, e então algo surgiu e passou a
fermentar no meu cérebro, tipo uma ideia fixa. Vagamente eu recordo que tinha a
ver com prostituição e dinheiro. Outras ideias volteavam no meu cérebro. Eu
devia montar um animal, creio que algum ser mitológico, e executar minha
missão. Fiquei excitado só de imaginar a glória, isso, alcançar a fama, ser
reconhecido por essa grande descoberta. Velho, concentrei tanto nessa ideia fixa, que apaguei.
- E aí...
Cara, tu sabe que gosto de voltar para casa a pé, de madrugada, pelo
menos algumas vezes. Adoro caminhar enquanto a cidade dorme. Na rua, sozinho, as
imagens e ideias se multiplicam, miro à vontade pra todos os lados, e até danço
no meio da rua.
Da boate não lembro mais nada. Quando dei por mim, eu vinha pela avenida
Só Nós Dois e divisei algo, um quadrúpede, bem maior do que um cachorro e menor
do que um cavalo. Flanava em minha direção. Bah, tareco, pisquei os olhos, já começava
a clarear o dia. A criatura se aproximava cabisbaixa, num roinc roinc, devia
pesar uns 300 quilos. Cor branca, focinho rosado, rabo não enroscado, e aquelas
bolas. Beiço, Beiço...
- Nem vem, Cadelão. Tu andou delirando. O que foi que tu cheirou... ou
fumou?
- Nananá, cara. É sério. Se em vez de porco eu dissesse que cruzei por
um hipopótamo, aí pode ser. Mas tu sabe, por essas bandas não existem zoológicos
e, portanto, não existem hipopótamos.
- Kkkkk. Que viagem, cara.
- Tá, se tu não quer acreditar, não acredita.
- Diz aí... O que rolou depois?
Algo tinha que ser feito. Sei lá, interceptar o irmãozinho, antes que
houvesse trânsito. Me aproximei, inseguro, balbuciando um butch butch butch e
fazendo assim com os dedos. Nisso um sujeito de uns 50 anos, com cara de
eletrotécnico, estacionou seu Del Rey e trouxe uma corda. Aos poucos começou a
juntar gente. O miserável falou "Deixa comigo, eu sei como laçar o
bicho". "Tá". "Cresci no interior. Minha família criava
chiqueiradas de porcos. Esse daqui é Landrace... Mazá, bicho bonito!".
"Calma, devagar". "Que nada, é só distrair o bichinho e passar a
corda no pescoço".
Velho, fiquei impressionado com a habilidade do cara e com a calma do porco.
Simplesmente deixou-se prender. Pensei no seu nome e, na hora, tive certeza de
que se chamava Apparício Júnior. Alguém da plateia sugeriu amarrar o bicho numa
árvore, ali perto. Outro comentou: "Já pensaram que carneada? Bah, olhem a
quantidade de salame e toucinho e morcilha que pode sair daí."
Meu, passava um monte de gente, a pé, de bicicleta. Diminuíam a
velocidade, comentavam "Eita que hoje a churrascada vai ser grande!".
Cara, o trânsito aumentava, buzinadas, eu naquela ressaca, louco pra sugar uma
cerveja e tentando me colocar no lugar do Apparício Júnior.
Sete da manhã, mais ou menos, estacionou uma Fiorino caindo aos
pedaços. Desceu um sujeito de bigode, vestindo bermuda, camisa de botões,
aberta, barrigudo, cara rosada e testa franzida. Soube pelo rádio do
"estranho acontecimento, na avenida tal um suíno de cor branca, pesando em
torno de meia tonelada, foi interceptado por transeuntes. Fomos informados de
que dezenas de pessoas estavam prestes a abater o indefeso animal, e fazer uma churrascada
ali mesmo na avenida, em pleno início de sábado. Caros ouvintes, logo mais traremos
outras informações".
Para provar que era sócio-proprietário do animal, o cara da Fiorino
informou o nome do mamífero. Beiço, chamava-se Apparício Armando Bronca. Sério,
cara! O bicho morava na Vila Sossego, com mais 7 companheiros, e fugiu
enfeitiçado por uma porca da vizinhança que estava no cio. O tempo, quando
prometia chuva, deixava os suínos em polvorosa, principalmente o Apparício, um
indivíduo quase virgem e portanto com um baita tesão vertendo pelos poros.
A plateia ali, de piadinhas e opiniões e preocupações ensandecidas. Não
chegavam a um consenso a respeito da qualidade da carne do reprodutor. Até que
um senhor, ar grave de açougueiro profissional com 40 anos de experiência,
disse que a carne de cachaço não prestava para consumo humano. Foi o suficiente
pra multidão se dispersar.
Bem, meu amigo, chegara o momento da operação de guerra: embarcar o
Apparício na Fiorino. As pessoas ali por perto não moveram um dedo. O sócio-proprietário estava indignado com a falta de solidariedade desse povo. E o
Apparício agora mostrava os dentes e babava.
Meu cérebro voltou a remexer e assoprou as brasas das ideias fixas que me
nocautearam lá na boate. Tive uns flachs. Isso, era o momento de flanar em
direção de casa. Agora eu só pensava em como me libertar dos meus delírios e me
purificar dessa vidinha porca que levo.
(B. B. Palermo)