- Tá bem, tá bem, já te conto o que rolou. Deixa eu
preparar uma dose... É o seguinte, véio, tudo começou num bate-papo no
Messenger. É, aquelas curiosidades, tipo "O que tu faz?", "Do
que tu gosta?", e blá-blá-blá... Até chegar na pergunta sobre a idade. Eu
falei que tava perto dos 40, ela disse que tava quase passando dos 50.
- Pô, Cadelão, dá pra
ver que a coisa fluiu.
- Bah, acho que me saí bem na lábia. Rolei um papo
de que alguns anos atrás fora convidado pra ser modelo. Disse que viram em mim
uma singular expressão facial e olhos diferenciados e que era fotogênico.
- Tudo isso numa conversa no Messenger?
- Yes. Velho, ficamos juntos algumas horas e ela quer
que mude pra sua casa, e que bote o Corolla novinho pra funcionar.
- Hum... Se amarrou em tu.
- Meu, ela veio com a ideia de passarmos duas
semanas na praia, em Itapema Beach e, claro, tudo bancado por ela. Tem um
apartamento de frente pro mar.
- Caralho! Meu, é a chance de tua vida. Tu vai poder
comprar roupas de grife. Olha os trapos que tu veste, Cadelão!
- Puta, cara, bem que ela podia ter 20 anos a menos.
Não consigo olhar aquelas pernas finas. E aqueles braços murchos.
- Velho, imagina a experiência, vocês num passeio até
Brusque, o som no carro, a paisagem, o silêncio romântico e os "olhos nos
olhos, quero ver o que você diz". Vocês dois num daqueles shoppings, ela
escolhendo pra ti dúzias de bermudas e camisetas e cuecas e bonés e depois
passando o cartão.
- Não, não, não! Beiço, tu já parou pra pensar? Sou
ou não sou um cara letrado? Podia ser figura de destaque nos tabuleiros
sociais, e agora tô aí de olho na grana de uma indefesa senhora.
- Ah tá. Observe essa espelunca em que tu te
esconde.
- Não quero nem lembrar do banheiro da casa dela. Me
senti humilhado, entrava lá e perdia a vontade de mijar. Aquele piso de mármore,
os espelhos, a decoração metalizada, a iluminação. Meu, tinha sauna e TV. Me
diz, Beiço, como me sentarei ali, bêbado, de madrugada?
- Não exagera, Cadelão. Encare a praia. Março é um mês quente e todo mundo tá
trabalhando e estudando, tem pouca garota circulando pela orla, quer dizer,
pouca tentação. Tu fica à vontade, passeia com ela, num biquinizinho. To aqui
imaginando a cena, à tardinha, junto ao por do sol.
- Beiço, vem junto. Falei de tu pra ela. De que tu é
pobretão mas é legal, tem princípios.
- Acho que é melhor não. Ela se amarrou foi em tu.
- Eu te elogiei. Falei dos teus talentos. Ela ficou
curiosa pra te conhecer. Inventei que tu é poeta e músico.
- Vê lá a fria que tu vai me meter.
- Que nada. Ela vai adorar foder contigo. Eu me
comprometo a dar uma de vez em quando, só pra variar.
- Não sei não, cara.
- Não esquenta, concentra na grana que está em jogo.
- Tu investigou? Ela é mesmo rica?
- Tive umas informações sólidas. Herdou uma fortuna
do finado.
- Tá, mas tem como saber se ela tem 50 ou uns 60 e
poucos?
- Velho, só fiquei com ela de noite, eu estava meio
alto e tinha pouca luz, quase uma penumbra. Não posso ter certeza se ela era
linda ou feia.
- Hum...
- Tá bem, tá bem, tô lembrando umas coisas. Tinha
uns cabelos ralos, devia usar tintura. Lembro dos braços e das pernas finas.
Não lembro de como eram os dentes. Cara, não tenho ideia se é muito velha.
Gostei da voz, é bem suave, parece uma freira.
- Tu comentou que viu a caixinha de remédios dela.
Tu acha que uma dona, antes dos 50, toma tanto remédio?
- Hum... Só reparei num estojo, tinha uns
complementos, vitaminas, tipo B12 e B6 e vitamina D e cálcio e ferro. Acho que
tinha também remédio pra pressão e menopausa e pra levantar a libido e tals...
- Meu Deus!
(B. B. Palermo)