Minha conversa com o temerário
Revisor rendeu mais do que escrever histórias e de como melhorá-las. Segundo
ele, aplicamos a correção e a reescrita também na ação política.
- Tu tens acompanhado o horário eleitoral?
– Perguntou-me.
Disse-lhe que, curioso por novidades,
assisti pela TV durante os dois primeiros dias. Caro leitor, aposto que também
você daria uma resposta idêntica à minha. Certamente compartilhamos o mesmo
sentimento, “O que estou fazendo aqui?” diante do aparelho de TV, ouvindo um
desfile de bordões saturados, tais como “nova forma de governar”, “sou o
candidato mais preparado”, “vou cuidar das pessoas”, “meu governo será um
pilar”, “serei um político de atitude”, “sou um homem de palavra”, “tenho
propostas concretas”.
Foi então que o Temerário iniciou sua
aula para ver se abria minha cabeça.
- Tu percebeu que esse povo que torce
por um partido, ou candidato, ou inclusive time de futebol, não tem luz própria?
Ao abraçar uma ideologia corre-se o risco de apagar a própria luz. Sim,
apegar-se ou até “endeusar” os que sobem no palco e acendem (bem ou mal, forte
ou fraca) a sua luz, significa um esquecimento ou fuga de si mesmo.
Veio-me à lembrança tiradas que ouvi
comentarem do Temerário, tais como: “Você precisa ouvir melhor isso porque tá
aprendendo”. Para mostrar que não andava por fora, eu comentei:
- Percebo nas redes sociais que os
militantes veem os candidatos adversários como inimigos a serem combatidos.
Dizem que seus candidatos representam o bem, enquanto os adversários
representam o mal.
- Sim, parece um combate numa arena.
Há pressa para nocautear o adversário. Comportam-se assim: que a eleição ocorra
o quanto antes, e que possamos garantir o poder imediatamente. Acho um absurdo
não valorizar o espaço da troca de argumentos. Parecem não se importar para com
a transparência nas propostas, esclarecendo mais e mais a população.
Pois é, meus amigos, soube através de
terceiros que o Temerário ficou uma dúzia de anos sendo persuadido por colegas,
professores e militantes. Mas ele mesmo diz que mudou. Não é mais ingênuo. Sem
falsa modéstia, ouvi de sua boca a afirmação de que somos todos professores. E de
que precisamos admitir que só temos a aprender com os outros. Após um breve
silêncio, perguntei-lhe:
- Será que é por isso que se percebe
um certo conformismo e indiferença dos eleitores, pois acreditam que grande
parte das promessas não serão cumpridas?
- É bom tu ficar atento sobre como
esse jogo funciona. Logo vais ter o título de eleitor, acho importante não
fazer como a maioria dos eleitores mais velhos. Eles esquecem pouco tempo
depois em quem votaram, e também as promessas feitas e se foram ou não
cumpridas.
E acrescentou:
- Pra mim, isso é uma traição. Os
políticos apostarem na falta de memória e na ignorância dos eleitores. Enquanto
isso, a história se repete: grande número de pessoas sonha com a entrada em
cena de um salvador da pátria, um “Messias”, não compreendem que a democracia
precisa da contribuição delas para debater propostas, propor projetos,
fiscalizar as administrações e auxiliar na tomada de decisões.
- Pois é, qual o problema em não
aceitar ou suportar um argumento bem elaborado, razoável, por parte de quem
joga num outro partido? – perguntei-lhe.
- Absurdo não admitir que o nosso
programa de governo, como qualquer outro, tem suas falhas, e necessita de
correções. Os conflitos e o embate de ideias e argumentos é fundamental para
arejar o solo da democracia, já que no seu funcionamento a sociedade possui
diferentes interesses.
Foi então que eu associei política
com futebol:
- Sabe que não consigo ver diferença no debate de gremistas e colorados e o debate entre militantes de
diferentes partidos?
- Exato. É um equívoco tomar esse
conflito de ideias de maneira emocional (como se fosse grenal) e não racional.
Revisitando seus tempos de professor,
o Revisor explicou-me que o mais importante não é estar acima do bem e do mal.
Nada de ser profeta. O que estão em jogo são as manhas e artimanhas. Mas elas
devem nos levar aos “cernes” das questões. Embora possam haver vários cernes -
quer dizer, as verdades são relativas.
E o Temerário (cada vez menos
temerário) se empolgou e acrescentou:
- Meu sonho é que cada um de nós
possa tomar consciência de sua liberdade de escolha, e que tenha cada vez mais
autonomia, inclusive para se sentir responsável por essas escolhas, como por
exemplo em quais candidatos votar. Ah, e que tenha coragem de revisar suas
crenças, em vez de se agarrar a vida inteira a elas, pois essas crenças acabam
sendo obstáculos para ampliar a visão de mundo, a qual poderá quem sabe
acrescentar algo de novo ao mundo do qual faz parte.
- Acho que entendi – acrescentei – em
vez de serem Maria-vai-com-as-outras, e totalmente passivas, deveriam ficar
mais inquietas e se engajarem na vida social...
Andei matutando, ao retornar para
casa. Por que chamam o Revisor de temerário? Acho que deram-lhe este apelido
porque ele diz o que pensa, enquanto a maioria teme pagar o preço para ter luz
própria.
(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)