Quando ela me adotou, estava desanimado, gordo e sem
autoestima. Não vislumbrava qualquer perspectiva a respeito do futuro. Viciado
em smartphone, facebook e watshapp, demorei para descobrir que a serventia destas
ferramentas digitais era nos distrair daquelas coisas que realmente são interessantes.
Se na primeira vez que ela veio senti algo estranho,
por ela ser magricela, descuidada e sozinha, já no dia seguinte invadiu-me um
sentimento de culpa por não lhe servir ao menos um prato de comida.
Com o passar dos dias mapeei seus pontos fracos.
Bastou acariciar seu pescoço e seios. Tinha no olhar e no jeito de se comportar
a súplica por um carinho. Vacilei... Mas o que pode fazer um poeta diante de
uma gata tri-liberal?
Mão-de-vaca, comecei a fazer cálculos, relutante em
sustentar a gatinha com cama, mesa e banho, remédios e vacinas. Até duvidei de
sua fidelidade, pois tinha hábitos noturnos, como outras gatas por aí. Porém,
embora capitalista insensível, à noite matutei sobre o nome que lhe daria.
Sim! A batizaria de Xantipa. Era como se chamava a
esposa do filósofo grego Sócrates, o qual preferia estar no meio de jovens, discípulos
e amigos, em vez de cuidar da mulher e dos filhos. É compreensível, pois ele
tinha lá sua missão...
Lembro de um tio que era apaixonado por uma loira de
olhos azuis. Toda noite ela o procurava. Cúmplice, ele deixava aberta a
basculante do banheiro, e ela adentrava pra lhe fazer companhia e alegrar o seu
lar, bebericando uma taça de leite. Filósofo, meu tio homenageou sua loira com
o nome da esposa de Sócrates. Histórias sempre se repetem e também acabam no
final. Xantipa, companheira de meu tio, da mesma maneira que o filósofo
Sócrates, morreu por causa do veneno.
Um acontecimento me deixou espantado, e fez com que
mudasse meu conceito a seu respeito. Certo dia servi-lhe iscas de tilápia. Tive
a intuição de que ela adorava peixe. Para minha surpresa, ela não comeu. Mas
bastou uma distração e ela recolheu a comida e se deslocou para um lugar
qualquer. Matutei: será que tinha filhos? Até desconfiava, pois suas tetinhas
andavam meio caídas. Três criaturas brotaram do escuro da noite. Observei, de
longe, para não espantar a novidade que surgia diante dos olhos.
Eu não conquistara apenas uma gata. Era ela e três
filhotes. Mas eis que, agora que todos fomos apresentados, surge o primeiro
drama. Durante o ano planejei uma viagem. Mochila às costas, pouca grana, vontade de conhecer uma aldeia qualquer. Adiando o sonho maior de juntar grana
suficiente para conhecer Atenas, a cidade onde o grande filósofo fez história...
E agora, enquanto eu viajar, quem vai alimentar e matar a sede de Xantipa e
suas crias?
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)