quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
AMIGAS DOS ESPELHOS
Felizes são as roupas
dos guarda-roupas
que são amigas
das portas
que têm
espelho
do lado
de dentro.
A camisa
vaidosa
toda
manhã
se olha
se enfeita
suspira
de amor
e murmura,
assim:
“Eu me amo
eu me adoro
eu não consigo
viver sem mim!”
E o espelho
do armário
que mora
do lado
de fora
da porta
reclama,
solitário,
delira
e sussurra,
assim:
“Eu me escabelo
e me esfarelo
em mil cacos
porque
ninguém
quando
passa
me chama
me abraça
só me deixa assim
numa espera
sem fim!”
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
OFICINAS LITERÁRIAS
Durante quatro sextas-feiras, do mês de outubro, tivemos oficinas literárias no SESC/Ijuí com o escritor Porto Alegrense Luis Dill. O jovem escritor desponta no cenário nacional com vários livros publicados, principalmente para o público adolescente.
No ano de 2008 venceu o Açorianos de Literatura na categoria CONTOS.
Os que se esforçam no ardoroso desafio da escrita sabem a importância que essas oficinas têm. Uma delas, por exemplo, é superar o medo da crítica do palestrante, e de outros participantes, com relação ao seu texto.
Nesses encontros reforça-se a convicção de que escrever é um ato de corrigir, corrigir e recomeçar, sem a crença de que seu texto está definitivamente pronto. A escrita se resume em tentativas (ensaios) que, algumas vezes, nos satisfazem, outras vezes não. Embora o olhar do leitor é o que mais importa.
Dentre muitas, algumas dicas para os que se aventuram na escrita:
- Levar em conta a participação do leitor. Não dar-lhe o texto mastigado.
- ser um grande crítico de seu próprio trabalho.
- quanto ao binômio inspiração/transpiração, diz Tchecov: “A escrita é que gera inspiração”. Ou como afirma o próprio Dill: “É preciso pensar muito sobre o que se está escrevendo”.
- Outro item fundamental: na narrativa, evitar o uso de clichês e lugares comuns.
domingo, 18 de janeiro de 2009
MARIA
filme - Pequena Miss Sunschine
As esquinas são democráticas. Observam os encontros, com sua discrição habitual. Aqueles motoristas apressados nada vêem, para eles é pequeno demais o intervalo de um sinal verde e outro. Ou se distraem, pressionados pelo horário, ou aguardam, prestam atenção na música que toca, e espiam os visinhos.
Olhares que se trocam. Lance de sorte, acaso, uma “força” maior. Por toda a parte o normal é a morte, a guerra, os nascimentos, o Big-bang.
Burburinhos no palco, canhões de luzes coloridas se espalham. Maria desperta de seu vaivém. Nenhuma sombra de amor nos seus dedos, cobrança demais no trabalho, status que a sugam unhas e dentes.
Clube, piscina, academia, cabeleireiro. Sinal vermelho, e Maria põe-se a pensar, e seu olhar me percebe ao seu lado. Os encontros não podem se aquietar nos burburinhos das esquinas. Uma caneta no porta-luvas. Até que enfim ela se presta para salvar o amor!
Te conheço de algum lugar! Olhos brilham e se movimentam como canhões de luz. As cortinas do vidro do carro se abaixam. Vislumbra-se a paisagem do “por que não?”.
Maria vacila, pondera, põe-se a trabalhar sua razão. Anotou meu telefone na palma da mão. Aquele lugar onde a cartomante, certo dia, percorreu a linha de sua vida e previu vida longa cheia de saúde paz e amor.
Minutos depois se reconforta no seu canto, na cadeira macia e no ar condicionado do escritório. Maria se inquieta e pondera: Metido, quis de imediato meu telefone! Não passa de um Don Juan!
Sinais verdes, amarelos e vermelhos tantas vezes se revezam, e as luzes dos canhões dos olhos do pretendente ficam para trás.
Cotidiano seguro, trabalho, amigos, status, assim a vida segue de bom tamanho.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
FOTOGRAFIA
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
DÚVIDA
Não sei se foi a Lara
ou se foi a Laura
que saçaricou os lábios
pertinho do banco
da praça...
Tento me lembrar
e minha testa
transpira
só de pensar
que ela passou
e eu fiquei a ver
pombos,
bandos
de pombos
grisalhos
zeladores
da praça...
Sol de quarenta graus
gritaria e adrenalina
fiquei com alergia
dos pombos
e do jacarandá
em flor...
Perdi a bússola
sai da rota
na areia
no escorregador!
Agora estou em casa
e a testa transpira
e não fico quieto
deito e levanto no sofá
tento porque tento
me lembrar
se ela se chama Lara
ou Laura
que me deu um Oi
derretido
pertinho
do banco
da praça!
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
PAULO HENRIQUES BRITTO - Macau
Carioca, é professor e tradutor, e ganhou com o livro MACAU, em 2004, o prêmio Portugal Telecom de Literatura. “Ancorado no cais raso da subjetividade, o poeta procura reter a fragilidade do mundo com a ponta dos dedos”.
Diz a CONTRACAPA DO LIVRO:
A subjetividade é um porto de onde não é fácil se desprender, mesmo para aqueles que se lançam à descoberta de novas paragens – tais como Macau, lugar ao mesmo tempo estrangeiro e familiar. O trabalho poético de Paulo Henriques Brito, indissociável do ritmo diário, obedece menos à inspiração, mais à oficina e ao suor. Essa necessidade orgânica do ato criativo denota um impulso de, por meio da subjetividade, arranhar a opacidade das coisas, atendendo ao incômodo – mas inescapável – impulso de endereçar ao mundo uma carta íntima.
TRÊS EPIFANIAS TRIVIAIS (II)
As coisas que te cercam, até onde
alcança a tua vista, tão passivas
em sua opacidade, que te impedem
de enxergar o (inexistente) horizonte,
que justamente por não serem vivas
se prestam para tudo, e nunca pedem
nem mesmo uma migalha de atenção,
essas coisas que você usa e esquece
assim que larga na primeira mesa –
pois bem: elas vão ficar. Você, não.
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.
O mais é enchimento, e se consome.
As tais Formas eternas, Idéias,
e a mente que as inventa, acabam em pó,
e delas ficam, quando muito, os nomes.
Muita louça ainda resta de Pompéia,
mas lábios que as tocaram, nem um só.
As testemunhas cegas da existência,
sempre a te olhar sem que você se importe,
vão assistir sem compaixão nem ânsia,
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância.)
domingo, 11 de janeiro de 2009
ELA (III)
Cabelos negros e lisos e boca carnuda. O guarda-pó não me distrai de sua beleza. Meus sapatos, instintivamente, ficam apertados.
Pés crescem livres pelo campo. No dia da Primeira Comunhão, era doloroso calçar os sapatos. A missa, até a altura do sermão, era a experiência da eternidade sem prazer. Dedão latejando, unha encravada, bolhas nos pés.
Páscoa. Ressurreição. Vendaval de lembranças no caminho da infância e adolescência. Boca carnuda e cabelos negros e lisos. Seios despontando como rosas vermelhas em meio às pedras do quintal.
Distraio-me olhando para o teto da Igreja. Vivo todos os passos do calvário de Jesus. A traição do Judas, a companhia consoladora de Nossa Senhora e Maria Madalena.
Ela tem cabelos negros e lisos e boca carnuda. Nas laterais da Igreja, vitrais fitam-me e despejam personagens bíblicos pra dentro de minha alma. Sussurram bom comportamento. Serei indigno se não suportar a fila do confessionário. Padre, me apaixonei. Fiz coisas feias. Briguei com meus irmãos e colegas de aula. Desobedeci meus pais... Reze dez ave-marias e cinco Pai nossos. Vá em paz e que Deus te acompanhe.
Anestesiado, diante do altar, não sinto meus sapatos apertados. O dedão parou de latejar. Minhas orações tentam abafar cabelos negros e lisos e boca carnuda. Segredos que não confessei minutos antes. Eis o meu tormento.
De tanto repetir as mesmas preces, ajoelhar e entoar os velhos cânticos, fechei as comportas para transbordar o lago da resignação. A paixão enredou-se no hábito, ainda não fez a curva do caminho.
Finalmente, ela libera seu olhar. Os pés latejam. Cabelos negros e lisos e boca carnuda são bolhas nos pés. Cão a morder o próprio rabo. A paixão, que se perdeu por aí, prisioneira do hábito, se digladia.
Não há teto e vitrais. O calvário de Jesus se esqueceu nas curvas do passado. No mercadinho, minha paixão quer me salvar. Mas os pés latejam. Preciso encontrar o paraíso. Superar a primeira confissão.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
ELA (II)
Arte - Romero Britto
Dessa vez vou jogar no ataque. Vou aprender sobre o amor do mesmo jeito que os técnicos de futebol aprimoram suas táticas.
Não posso me aproximar do mercadinho sem antes me aprofundar nos mistérios e segredos da conquista amorosa.
Como o “professor” que orienta seus jogadores, na área técnica diante da casamata, darei as coordenadas que farão meu amor galgar ao paraíso. Defensores, meias, atacantes, todos vão ser soldados a serviço de minha jornada.
Meus atacantes flutuarão atrás da zaga. Os alas serão de passagem, e os meias vão atuar por dentro e, se necessário for, farei duas linhas de quatro. Ou cinco linhas de dois.
O sucesso vai depender de planejamento minucioso. Início, meio e fim. Passo a passo. Na dúvida, o corpo vai falar pela boca. Como o “professor”, ao instruir os meias e atacantes, afastarei o indicador e o dedo médio em vê para eles e, em volta desses dedos, traçarei círculos com a mão direita.
Antes de me atracar no campo de batalha, faltam os detalhes do visual. Ligo para uma Ex., hoje grande amiga. Vai ser meu auxiliar técnico. Ela diz: primeiro, você precisa disfarçar tuas olheiras! Use um creme sombreador. Você tem, sim. Um dia emprestei pra você, que não me devolveu. Você tinha um hematoma enorme no lábio inferior. Não querias ir para o trabalho com aquele chupão! Você deve ter guardado na gaveta do armário do banheiro...
As olheiras me expiam e fazem caretas de minha cara. Não seja por isso. Suo, sombreio embaixo dos olhos do jeito que posso. Vou à luta.
Sorvete de chocolate. Pra ganhar tempo, procuro nas gôndolas itens que esqueci de anotar no bilhetinho. Minhas anotações são, agora, intenções. Entrar pela porta da frente, marcar presença através de passos enérgicos.
Expressar o meu amor pelo movimento dos olhos. Porém, antes de avançar, fixo o olhar nos jornais. Capa, contracapa, manchetes. Me assusto com a notícia: o grande consumo de sorvete pode acarretar sua falta nos estabelecimentos da cidade.
Já estou pronto pra colocar meus planos em ação. Ergo os olhos, observo todos os ângulos e... Opa! Cadê minha musa?? Adoeceu?? Perdeu o emprego??
No mercadinho falta quase tudo. Sorvete de chocolate, não.
Vou aproveitar o abandono e treinar um pouco mais. Aprimorarei as táticas de futebol, com meu filho, no ply station.
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
ELA
Arte - Pablo Picasso
Não retornava ao mercadinho, perto de casa, fazia dias. Nem sei por quais motivos. Corro em busca de sorvete para amenizar os excessos da noite passada.
Ela ajeita os iogurtes, pano embebido no álcool. Avental branco, busca entrosamento no novo lar. Sua beleza discreta me desperta, e quase desmaio de susto.
A tarde promete chuva. Agora, armou-se temporal. Vou demorar um pouco mais, até abaixar a adrenalina. Prefiro chegar em casa encharcado.
Um cliente da casa, com seu visual esforçado, fala animadamente com o gerente. Diz da última de seu tio, de Uruguaiana. Fazia sua caminhada matinal, no calçadão da cidade e, vupt, caiu de borco no chão. Enfartou. Sessenta anos. Só bebia uma cerveja de vez em quando.
Estou na fila do caixa e, querendo chamar a atenção, entro na conversa. “O negócio é beber cerveja todos os dias, que aí se vive mais!”.
O tiro saiu pela culatra. Fiel à seriedade do posto, ela nem levanta os olhos para mim.
Mas isso não derruba minha esperança.
Voltarei amanhã.
Hoje foi sorvete de morango.
Vou fazer revezamento.
Amanhã vai ser sabor chocolate.
Desisti de ir à lotérica jogar na Mega-sena. Minha loteria é no mercadinho. Vou ser fiel às minhas loucuras. Vou mudar o itinerário.
Minhas férias estão de bom tamanho, perto de casa.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
UM PREÇO A PAGAR
Arte - Paul Gauguin - 1888
Os porongos pendurados contrastavam com o telhado, chamuscado, da varanda. Meu avô mal disfarçava o mal-estar, enquanto aguardava as visitas.
Senhoras viúvas vinham em duplas, guiadas pelas sombrinhas no sol de verão. Quando chegavam, sombrinhas se fechavam, sorrisos floresciam. Vovô restava sério. Dizia para seu manto interior: Não sou oferecido!
Não era livre, nem quando sesteava. As cigarras compunham trilhas sonoras. Mas era desconfiado. Bastava ele reparar nos chalés, mantas, saias e bordados que, num gesto de desdém, vovô desmantelava a missão daquelas viúvas!
Hoje, as lembranças fazem parelha, no princípio urbano da tarde, com a serra do vizinho. As sangas que me banhavam agonizam em algum lugar. Aqui na cidade, nem as árvores pobres dos passeios aceitam dormir comigo sua sombra.
Há um preço a pagar, dizia vovó.
Pudera. Não decoramos o telefone de nossos amigos. De memória, há o risco de resvalarmos para o telefone da sala de viúvas solitárias.
Perdão, foi engano.
Um oceano nos separa, mas tornamos refém a pessoa do outro lado. O silêncio cortado pelo suspiro. Esperava ligação do filho amado. Na despedida, o desalmado apenas diz: Até breve. O silêncio faz ela tombar na cadeira, para logo depois recobrar o fôlego, lavar a louça e ajeitar a roupa no varal. A viúva implora: Quando vais ligar de novo? Do outro lado da linha, um Em breve!
Há um preço a pagar, dizia vovó.
O riso injustificado, o sol atrás das nuvens, temporal de promessas que dissipou e deu lugar à brisa gelada. Choveu em algum lugar.
Vovô ceva o mate. Papai observa a junta de bois, caem os bernes e carrapatos, sobre o preço da arroba. Ali perto há uma cascata, um poço fundo para aprender a nadar.
Um telefone silencioso numa sala silenciosa. Perdão, foi engano!
A viúva se oferece ao filho. Um oceano açoita o tempo do outro lado da linha. Ela é igual à sanga, que sangra em algum lugar.
Dizia vovó: Há um preço a pagar.
Saudade.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
FOGUETEIROS
Arte - Bavcar - fotógrafo
É preciso crer em nossa libertação de relâmpagos viciados, que alugaram o território dos neurônios.
Dizem que os flashes são indispensáveis para a auto-estima sobreviver. Assim, nos aventuramos, olhando para o céu. Assumimos o manche de nosso teco-teco, mesmo sem sair do chão.
Para meus jovens pais, os foguetórios eram especiais.
Acho que eles sabiam que, pior que carregar costumes na mochila, de um ano para outro, é o apego às nóias que virão.
Nos tempos de carência concreta, reservávamos nossos fogos para poucas festas. Santo padroeiro, casamentos, quando nosso time era campeão.
Agora, as carências são outras e complexas.
Diz a turma da auto-ajuda: vamos lavar a roupa suja com doses extras de entusiasmo. Repensar amores e aventuras, trocar os quadros da parede. O apego faz mal pra alma irrequieta.
Ser fogueteiro não é pra qualquer um.
Reinventemos o sentido da palavra “espetáculo”.
Vamos deslumbrar nossos olhos com a lua cheia, as estrelas e o pôr do sol.
Perguntemos, sem medo de nos chamuscarmos: cada foguete espocado pipoca no céu pranchaços de alegria, orgulho por tudo que realizamos, e saltos triplos na concretização da paz mundial, tolerância e solidariedade?
Fogueteiro. Assim ele era chamado. Não tinha fábrica, não foi pra frente de batalha. Sua missão era conduzir, com as mãos calejadas, relâmpagos estrondosos no céu.
Agora, fogueteiros são jovens, adultos, juvenis.
Todos estão perfilados no campo de batalha.
O estoque está pronto. Não pode restar vencido. Que venham momentos especiais em 2009!
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