Chegar em primeiro, subir no pódio, é tudo que esperam de mim. Nem bem saí da barriga de minha mãe, já escolheram meu nome - um nome de craque.
As roupas que vou usar, as cores preferidas, o time que vou torcer, não ajudei a escolher. A cor dos meus olhos não puderam escolher... Mas a torcida foi intensa, organizada, e só o tempo fez eles buscarem outras coisas.
Meu pai é canhoto e sabe de cor as mil e uma vantagens de chutar com a esquerda. Porém, até hoje ele não sabe dizer por que só escreve com a mão direita. Canhoto é mais inteligente, ele diz, mas não sabe explicar por que ganha tão pouco. Aí ele fala: inteligente não significa ganhar muito dinheiro, mas viver bem. Ter muitos amigos, saúde e alegria, sem temer, de vez em quando, algumas decepçõezinhas – do tipo levar uma goleada em grenal.
Abro o jornal, ligo a TV, converso com os amigos, e o futebol está sempre no meio. Faz companhia, a mim e aos meus amigos, até nos nossos sonhos. Sim. Até nos sonhos. Dia desses, era véspera de jogo - competição que sempre chamam de “Copa Integração” - e de noite sonhei que meu time começou perdendo por dois a zero. Muita aflição, correria, e no final viramos pra quatro a dois. Fiz dois gols, é claro!
Como vocês podem ver, não decepcionei meus pais. De novo estou no pódio. Mas não vou dizer quem sou dos três. Se sou o terceiro colocado, sou o menos estressado em ter que sempre vencer. E já vou avisando: a cor não interessa. Não é por que visto vermelho que sou colorado! Não parece que, por não ter a obrigação de chegar em primeiro, estou menos tenso, nervoso, e sim mais relaxado?
Como vocês podem ver, se sou o segundo, meu prazer maior não é estar ali, e sim no banheiro, fazendo xixi. Mas sabe como são as solenidades. Dizem que é feio quebrar o protocolo!
Se sou o primeiro colocado, parece que dos três sou o mais entediado, por ter que ficar no topo da escada, talvez nem tenha feito tanta força pra chegar lá em cima... Ou isso é papo furado, coisa dos comentaristas de rádio, colunistas de jornal, que todo dia precisam dizer alguma coisa, e fazem de conta que não sabem que vivem repetindo, repetindo, sempre o mesmo assunto. “Segundo o matemático Osvald de Sousa, o time x tem 89% de chance ganhar o campeonato”, “o time y tem 90% de chance de ser rebaixado”, e tantos outros papos furados!
Pensando bem, até que eu gostaria de chegar em primeiro lugar, mas não tem problema se for de mentirinha, de faz de conta. Acho que o mais importante é brincar. Não é isso o que está faltando ao Ronaldinho Gaúcho? Ele joga sem alegria, o seu corpo, molenga, passeia no meio do campo, e o seu coração vagueia noutro lugar!
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
O MELHOR
terça-feira, 30 de setembro de 2008
HOMENAGENS
Vamos dar um tempo aos desenganados, para que a solidão invada seus leitos e faça o inventário de suas vidas. Falemos dos vivos, os outros deixarão suas obras gravadas em nossa memória, boas ou más, por muito tempo depois, nas datas comemorativas.
Falemos dos que se esforçam e rastejam, passo a passo, Everest acima em busca da pureza. Dos nietzchianos que, solitários, vão até a montanha trocar confidências com Zaratustra.
Os que acreditam na missão do homem, ser bom, belo e justo. Os que lutam contra as forças maléficas do inferno e do purgatório, e almejam a brancura de sua alma indolor, falemos com devoção. Aqueles que dedicam um terço da vida a plantar mistérios em Platão, que dormem e acordam com a idéia e a essência na cabeça, falemos com admiração.
Falemos das crianças vistosas, bem-vindas às milhares de informações processadas com alegria por seus cérebros piscantes.
Falemos dos loucos, que atravessam os séculos como pombos-correio, dizendo muito, o que é pouco, para nossa atrofiada razão. Que causam calafrios e estranhamento nos burgueses, operários, humildes, caquéticos. Seus faróis alucinados apontam para todas as direções, e derramam jatos de luz nos personagens pálidos da noite.
Falemos da primavera, da seiva em disparada antecipando brotos, flores e frutos, nos quintais, pomares e sítios. Do canto dos pássaros e de nossa sapiência com o riso de novas melodias. Da cadência da chuva, qual banda afinada de colégio, ansiosa por agradar a platéia.
Dos moribundos cochichemos preces antecipadas, choros e lamúrios, fé e esperança, até se dissiparem em nuvens nômades de verão. Todavia, achemos graça, sem culpa, dos graciosos e ridículos momentos de suas vidas, e marchemos de cabeça erguida para outras direções, sabendo que a vida nem sempre concordou com o nosso desejo.
Falemos das empregadas domésticas, que torcem, lavam e passam nossos pijamas, calças, camisas e cuecas. Dos pernilongos, aranhas e baratas, que usurpam nosso tempo nas gôndolas sortidas de marcas de inseticidas nos hipermercados.
Falemos do varal, do vento e do sol, que não cobram ágio e, alegres, secam nossas roupas.
Sobretudo, falemos dos vivos, os que renascem dia após dia, sejam calvos, brancos, amarelos, pardos, pálidos também, que se esforçam para vencer seus venerados hábitos, e que descobriram que o conhecimento é um ato corajoso, uma corrida vertiginosa ladeira abaixo, buscando no final tudo desaprender.
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
A RAPOSA
- Toc, toc, tuc...
Tuc, tuc, toc, tuc!
Se é velhinha e neurótica, não sei...
Não nos conhecemos pessoalmente.
Mas vivemos sozinhos,
mesmo rodeados de gente.
Não sei o que pensa de mim.
Dela, também nada sei...
Nem consigo adivinhar
o que ela faz - se é mãe
tia ou vovozinha...
Apenas sei que,
quando caminha,
com muito estrondo,
sacode a minha vida!
- Tuc, tuc, toc...
Toc, toc, tuc, toc!
Correria no sótão,
e não sei se está saindo
pra dormir fora
ou se está chegando
pra dormir agora...
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
CARPA DE PESQUE-PAGUE
Peixe sênior de pesque-pague, seduz carpas graúdas e veteranas, incumbindo-lhes a missão de cupido, para puxar suas orelhas, e as da sua pretendente, a qual espera o dourado vistoso, que amanhã vai enfrentar confiante as corredeiras do rio Uruguai.
Ninguém percebe, ou disfarça muito bem, que se lamenta porque a tempo não sobe a corredeira. Piracemas pertencem a um mundo ideal de utopias distantes que quase deletou da memória.
Carpa de pesque-pague, já não se entedia com a ração fracionada, embora sua alma de dourado jogue sob pressão e, por isso, às vezes, tem a coragem de piruetar no meio do açude.
A ração e o pesqueiro não o afastam totalmente da fúria, quando seu instinto assassino olha de atravessado para as carpas domésticas. Às vezes, em sonho, aventura-se com alma de tubarão. Mas boa parte das vezes é medroso e faz de conta que não enxerga a lama que se deposita no fundo do lago, vê apenas um límpido azul na parede de seu pequeno horizonte, como se fosse painel de publicidade.
Não deixa seu lago desembocar nas ruelas escuras e pútridas dos subúrbios, pois está hipnotizado pelas vitrines dos shoppings do centro da cidade.
Não se deixa arrastar pelas correntes furiosas que atracam em novos portos e mundos, prefere a água parada de sempre, mal-cheirosa e turva, pois a conhece de antemão, e as reações dela não mais o assustam e surpreendem.
As safras se repetem e, sênior, é apanhado por redes de malhas cada vez mais grossas. Mas o tédio da domesticação deixa alguma liberdade para se divertir com as carpas salvacionistas e, ambos, mergulham fundo no barro da futilidade, com demasiada seriedade, que até esquecem de rir de si e tirar o pó dos móveis da sala de visitas, e sua alegria monótona e previsível, como o choro de um cãozinho faminto, já não os surpreende.
ALGODÃO DOCE
Algodão doce
é neve
colorida
primavera
que roubou
o cardápio
da sorveteria
e espalhou
por aí
essências
de framboesa
maracujá
chocolate
morango
abacate
e abacaxi.
É neve
pra lamber
os dedos
e o beiço.
Não gela
refresca
desmancha
e derrete
na boca.
terça-feira, 16 de setembro de 2008
BRUNA, BRUMA, BRAHMS
BRUMA
BRAHMS
Tudo começou
com o murmúrio
de um piano
numa tarde
breve
de sol
arco-íris
e chuva
Bruna
beijou
as ondas
com seu lábio
doce e leve
de pluma.
Ao longe
um piano
tocava Brahms
e os pés de Bruna
tamborilavam
canções
de espuma.
Antes tímida
a bruma
banhou Bruna
e semeou vertigens
em seu corpo
de mulher
sereia
e menina.
O sol já vai se pôr
e gaivotas
irrequietas
mais um poeta
sonhador
aguardam
a maré subir
e trazer
Bruna
bruma
o amor!
VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?
Para tudo na vida precisamos ser desafiados, seja nossa razão, coração ou imaginação. O desejo deve, faminto, bater à nossa porta. Disse o filósofo grego, Sócrates, que o amor é o que não temos, e que nos faz falta. Resta definir o que realmente falta em nossas vidas. Adélia Prado, grande poeta brasileira da atualidade, resolve o dilema num verso: “Eu não quero faca nem queijo, eu quero é fome”!
Que fome é essa? De beleza, criação, amor, conhecimento, prazer, emoção! A banda de rock, Os Titãs, fala disso numa música. Primeiro, faz a seguinte pergunta: “você tem fome de quê?” E a resposta vem no desenrolar da música... “A gente não quer só comida... A gente quer...”
Para saciar nossa fome precisamos ultrapassar os limites que nossa cultura nos impõe. Se a ciência sofre, desde Adão e Eva, da “doença da curiosidade”, nós também, em todos os espaços de nossas vidas, precisamos ser tocados por esse vírus. Enquanto, na fronteira da Suíça com a França, os cientistas estão colocando pra funcionar o acelerador de partículas, visando desvendar os segredos da origem do universo, nós, em meio ao tédio, dor, repetição do cotidiano, podemos buscar algo que ultrapasse esses limites. Como? Em arte falamos do belo, do sublime, momentos que cada um pode experimentar do seu jeito. Não há receita, conselho, manual de auto-ajuda... Cada um precisa ver/descobrir a partir de si mesmo.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
O SONHADOR E O MAR
Flagrei-me consultando o mapa do Guia Quatro Rodas, meus olhos desejando conhecer a vasta extensão do litoral do Brasil. Meus sonhos aterrissavam nas praias, caminhavam de pés descalços pela orla, a água lambendo meus dedos...
O sol estava se pondo, e não pude evitar compará-lo com os que vi noutros tempos.
Sei, a primavera traz boas lembranças, o calor, festas, final de ano que se avizinha, tudo se insinua ante meus olhos, nas vitrines, cores do vestuário, braços e pernas já se bronzeando...
Há o apelo para que relaxemos, a mística para conhecermos lugares distantes... Não tendo outra saída, aqui no noroeste do estado, rodeado de soja e banhado pela terra vermelha, recorro ao amigo poema!
__________________________________
O SONHADOR E O MAR
Minhas nóias de consumo
descarrilaram trilhos poéticos
e a primavera fez brotar
velhos sonhos materiais.
Aflições existenciais
foram pro espaço
edifiquei em seu lugar
uma casa perto do mar.
Tijolos brita areia
ferro cimento
planta planos
fui às compras...
Vizinhos passantes
a diretoria do bairro
engenheiros arquitetos
aprovaram a sinceridade
dos meus planos
todos estão sensibilizados
com a bravura dos meus sonhos...
Meus sonhos...
seja o mais breve ano novo
seja agora neste instante
(e cada segundo que passar)
buscam delirantes
o cheiro cor som
sabor do mar...
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
O sol estava se pondo, e não pude evitar compará-lo com os que vi noutros tempos.
Sei, a primavera traz boas lembranças, o calor, festas, final de ano que se avizinha, tudo se insinua ante meus olhos, nas vitrines, cores do vestuário, braços e pernas já se bronzeando...
Há o apelo para que relaxemos, a mística para conhecermos lugares distantes... Não tendo outra saída, aqui no noroeste do estado, rodeado de soja e banhado pela terra vermelha, recorro ao amigo poema!
O SONHADOR E O MAR
Minhas nóias de consumo
descarrilaram trilhos poéticos
e a primavera fez brotar
velhos sonhos materiais.
Aflições existenciais
foram pro espaço
edifiquei em seu lugar
uma casa perto do mar.
Tijolos brita areia
ferro cimento
planta planos
fui às compras...
Vizinhos passantes
a diretoria do bairro
engenheiros arquitetos
aprovaram a sinceridade
dos meus planos
todos estão sensibilizados
com a bravura dos meus sonhos...
Meus sonhos...
seja o mais breve ano novo
seja agora neste instante
(e cada segundo que passar)
buscam delirantes
o cheiro cor som
sabor do mar...
domingo, 24 de agosto de 2008
OLIMPÍADAS NA INFÂNCIA
É uma grande alegria ler um livro para teu filho (de oito anos), e ele saborear e se divertir contigo no rastro das peripécias dos personagens, suas manhas e nóias... Claro, a criança não vai abrir mão das promessas, pouco convictas, que seu pai fez na véspera: disputar olimpíadas, ao estilo das da China, a começar com a competição de judô em cima da cama, com direito a eliminatórias, fases semi-final e final. Tudo devidamente cronometrado e observado pelo “árbitro”. Seu pai sendo punido se, num momento de desvantagem, apelar para as cócegas. Torneio de vôlei na garagem, com três sets de vinte e cinco pontos cada partida. Finalmente queimada, numa competição de, pelo menos, trinta pontos...
Na infância é barbada ganhar/passar o tempo. Ao brincar, nos desvencilhamos do tempo e, de certa maneira, relativizamos o espaço. Pode-se brincar de muita coisa. E há um ganho extra: exercitamos nosso (cada vez mais) preguiçoso corpo.
Mas voltemos à história do livro. Se o corpo ficou exausto com tantas olimpíadas e campeonatos que teu filho te submeteu, espalhar livros pela casa é uma estratégia que pode dar muito certo. Jornais e cds também contribuem para isso. Nos intervalos de uma e outra competição, você diz para teu filho que está com sede, que precisa respirar um pouco... Aí você abre um livro, que tinha sido folheado na noite anterior, que te despertou interesse, antes de você ser vencido pelo sono, etc., etc. Você começa a ler em voz alta. Por via das dúvidas, é bom deixar um copo com água por perto, caso tiver que ler o livro até o fim.
Eis que irrompe o momento mágico. Iniciada a viagem com os personagens, teu filho embarca contigo, páginas e mais páginas... Nessa aventura, você tem mais de uma opção. Podes ler até o fim, ou deixar algumas histórias/capítulos para ler depois, como curiosidade adicional – como fazem as telenovelas. Mas quem disse que você deseja parar? E o menino quer conhecer o autor. As ilustrações, caricaturas, etc. contribuem nessa hora. Você então recorda a tua adolescência, já lia os livros dele – além do mais, ele já era tão importante a ponto de participar de tuas aulas de literatura... E, assim, o autor está pertinho da gente, mesmo sem nos darmos conta.
Para encurtar esta história, meu filho me fez perceber que há um mundo imaginário fantástico que se descortina com os livros, e participar desse mundo não é privilégio apenas da infância... Por isso, obrigado pelos teus livros, e pelas histórias que contas, Moacyr scliar. (O livro aqui citado intitula-se Um país chamado infância, e foi publicado em 1997, pela editora Ática).
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Turma do Teco
Após o Espetáculo haverá um momento de interação, onde a platéia poderá fazer perguntas a respeito da trama teatral.
Viagem ao fim da noite
O cachorro passa mancando... não me percebe. Compreendo: a vida é busca, é movimento. Quem prova isso é o motoboy e sua descarga barul...
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Garota, nossos destinos têm pernas bambas e percorrem umas trilhas nada paralelas. Veja bem, você não leu Schopenhauer nem Han...
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Nada a ver, menino! Baratas, sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos, passeiam pela sala cantarolando um samba do “Demô...