quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Existe educação ideal?


Penso na educação ideal. Penso muito sobre isso, afinal sou pai e professor.
Penso na idade ideal para se alcançar a aprendizagem ideal. Repito tanto a palavra “ideal” porque é esse o objetivo (e sonho) de nós adultos.
Alguém já perguntou às crianças sobre qual é o seu ideal?
Abrimos um pouco mais os olhos, tentamos outros ângulos de observação, e percebemos chocados que a gurizada pouco está ligando para esse ideal dos adultos. Então, esperneamos e chegamos à conclusão (meio resignada) de que o futuro deles vai ser uma catástrofe.
Outro dia um pai queixou-se do seu filho, de 12 anos de idade. As velhas e conhecidas dificuldades: notas baixas, repetência de ano, déficit de atenção, enfim, o menino manifesta grande indiferença para com a escola.
Com sofrimento desenhado pelos pés de galinha em torno dos olhos, o pai desfiou uma ladainha de preocupações a respeito do futuro do rebento. O menino não serve pra nada, é um inútil – e essa conclusão é reforçada ao comparar a “performance” de seu filho com o desempenho de alguns filhos de amigos e vizinhos.
Os pais sonham e projetam nos filhos, muitas vezes, aquilo que eles não alcançaram. E investem, inclusive boa grana, para que os filhos realizem o que eles não puderam realizar.
Parece-me cada vez mais comum: quanto mais a família, a escola e a sociedade apertam o cerco, impondo regras de utilidade, mais se fazem notar crianças e jovens “inúteis”.
Nessas horas vemos coisas interessantes. A criança pode ter déficit de atenção e aprendizagem, mas não de alegria e de poesia. E procura ganhar fôlego indo à biblioteca, e mergulhar nas histórias dos livros, para respirar um ar mais leve.
Porém nós adultos, obcecados pela ideia de utilidade, não percebemos esses sintomas – e um deles é o de rejeitarem esse alimento que não lhes apetece. E é por isso que a escola esperneia, tentando empurrar goela abaixo aqueles saberes que podem ser “úteis” a esse modelo de sociedade, mas que dão pouco prazer a quem deles se alimenta.

No fundo no fundo, estamos bastante desamparados. Pais, professores, crianças e jovens. E então nos agarramos com desespero à primeira corda de salvação que nos jogam. Carentes de luzes (próprias) que mostrem quais possíveis caminhos escolher, agarramos com unhas e dentes o que a sociedade utilitarista oferece. Com muita renúncia, estresse, e quase nenhum prazer.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Como é bom ser brasileiro


Brasileiro pede tanto a Deus, é uma colcha de retalhos que vira manto do tamanho do céu para pedir que não chova, ou faz do pranto água santa pra regar a terra seca.
Brasileiro tem tanta força no olhar que chega a espantar a luz do sol.
Agora eu sei por que Deus é brasileiro.
Brasileiro lê pouco mas em compensação pede muito. Compra compra livros de autoajuda que Deus ajuda, ajuda tanto tanto, e por isso é tão bom viver aqui.
É tanto sol é tanta chuva e frio e calor que ser brasileiro cai como luva como o relógio suíço e a pontualidade britânica.
No Brasil cabe tanta alegria e tanto amor porque todo mundo pede implora paz saúde prosperidade e chega a ser uma pena tantos pedirem e tão poucos serem os escolhidos no sorteio da loteria.
Como é bom ser brasileiro. Casado divorciado e solteiro, sou como todo mundo quero quero grito delibero autorizo reivindico fico torto de tanto pedir é tanto ensaio e teatro que meu corpo virou depósito das dores do mundo. É dor na coluna reumatismo ciático aflição ansiedade e consultório apinhado de gente pedindo espaço pra ficar doente. Como é bom viver aqui e poder pedir.
Deus, não me abandone no meu canto não me esqueça no teu céu ou em qualquer canto saiba que peço de maneira genuína eu imploro canto grito e às vezes até choro.
Eu sei que você tem tanto problema pra resolver. Palestinos e israelenses teimam em brigar. Russos e americanos vivem a se insultar. Aqui mesmo é tanto crime tanta droga tanto vício que imagino você louco pra largar de mão, bem feito pra ti deu liberdade a esse tal de ser humano e olha no que deu.
O primeiro verbo que aprendi foi “pedir”. Acredito piamente no que peço e se levo no tranco essa carreira solo é porque falta o teu sopro pra mim decolar.
Não invejo não odeio não rejeito as próximas basta que os mais próximos estejam embriagados de tanto pedir, insatisfeitos com o que já têm. Não bebo não fumo não mato por isso peço tanto e sei que estou bem na foto credenciado a sentar ao teu lado convicto de que aprendi no catecismo da vida que você é brasileiro e sempre vai olhar pra mim.

Valha-me Deus! Ajudai-me, e eu amanhã prometo que vou tentar lembrar de te agradecer.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Não me abandone papai



Papai, não me deixe só aqui neste balão de ensaio.
Não permita que os pesadelos apaguem a luz do meu quarto.
Não movimente as mesmas peças de ontem
quando você se esqueceu de mim para cuidar dos negócios.
Papai, você não podia abandonar teu menino.
Hoje ele é teu mas depois vai crescer e será do mundo.
Seja pai, cuide dos negócios e também do filho.
Teu filho dormia o sono dos anjos no banco do carro.
Mas no meio dessa noite de sonhos ele acordou.
Estava sozinho num mundo gigante a viver seu percurso estranho.
Papai, sinta a dor do menino jogado em meio a essa louca engrenagem.
Papai, você não devia esquecer do menino.
Negócios são apenas negócios.
Filhos são outros quinhentos.
Viver como pai como filho como amigo viver assim são outras engrenagens.
Negócios se esquecem.
Tragédias marcam pra sempre.
Não deixe elas voltarem seja as dez da manhã ou as cinco da tarde.
Viver é uma aventura constante. Mas não me deixe aqui sozinho.
Adultos querem currículo emprego e passar no vestibular.
Basta à criança poeta ensaiar na roda gigante do parque com adrenalina e frio na barriga a marcarem sua vida.
Papai, hoje teu filho teve olhar de terror.
Aprendeu de vez a dor da solidão.
Papai, nunca mais abandone o teu filho.
Acorde. Evite o pesadelo de o menino te abandonar amanhã.

sábado, 12 de julho de 2014

Ela disse que sou mala


Ela perguntou meu signo, de pronto eu disse gêmeos. Um elogio eu aguardei, afinal eu via nela brilhante inteligência, que sabia interpretar os recados do zodíaco.
Mas ela apenas disse: Chiii, isso é muito case!
Na hora eu não liguei, mas depois fiquei grilado por não saber a tradução da palavra no velho e bom português. Humilhado, decidi finalmente estudar inglês. 
Em casa, voei ao dicionário: case é “causa”, “questão”, e mais outros adjetivos... Até que veio a revelação: case também significa “mala!”.
Penei pra assimilar que ela (num cruzado em minha cara) disse que eu sou um delirante mala!
A star nunca ligou para os meus sonhos de ganhar na loteria, estudar algumas línguas e pelo mundo viajar.
Tão brabo eu fiquei, a ponto de inventar mil defeitos daquela megera cheia de dedos.
Como pode falar do poeta, uma garota que se exibe na passarela cheia de tatuagens e piercings, como se fosse imitação barata de Gisele Bündchen?
Nunca chamaria de mala se soubesse que tenho planos secretos de escrever grande obra que abrirá todas as portas e me fará pertencer à Academia de Letras.
Meu consolo é saber que posso superar sua crítica com muita força de vontade: ser um mala pra ela e um virtuoso pra comunidade!
Tarde eu descobri os motivos pra ser tão mala. É que ela volta e meia diz:
Não te faça de difícil. Não invente um roteiro, não critique meu script. Não me venha com milongas, não te ache songamonga. Não me roube a paciência, é impossível amar sem rir dessa cara de guri. Um romance apimentado, risos, lágrimas inocentes, amar de noite e de dia, amor cheio de repentes. Amar com rima ou sem rima, teu amor nem de longe se aproxima de roteiro pra obra-prima!
E no final ela elevou o som:
Se você quiser romance, é melhor escrever um!

(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Quando alguém desapaixona


Quando alguém desapaixona
não fica mais vermelho
o coração não dispara
quando a criatura passa

quando a gente desapaixona
do amor sobra desgraça
a paixão vira fumaça

mas não ganhamos sossego
a loucura não silencia
na hora mais solitária
dá uma vontade danada
de devorar cada sonho
                   da padaria

quando a gente desapaixona
as ondas do mar se acalmam
prometemos voltar a estudar
prometemos arrumar o quarto

levar todo lixo pra rua
e dar um jeito na vida

basta desapaixonar
pra tudo virar rotina.

(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

Viagem ao fim da noite

O cachorro passa mancando... não me percebe. Compreendo: a vida é busca, é movimento. Quem prova isso é o motoboy e sua descarga barul...