segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

OS QUERIBUNS



Os moradores do planeta Queribuns
vivem de sonhos.
Os pedreiros sonham que são jogadores de futebol.
Os frentistas sonham que são padeiros,
e os padeiros, confeiteiros.
Os cozinheiros sonham que plantam soja,
ou que são criadores de gado.
Os Queribuns professores
são os maiores sonhadores:
são médicos, políticos e advogados!

Os Queribuns sonham que são crianças
depois que ficam adultos, e, imagina o furdunço:
as crianças não apenas sonham, elas imitam os adultos!

Foram os Querembens, que moram num planeta próximo,
e que são considerados “príncipes da fofoca”, que disseram:
- Os Queribuns não vivem de seus sonhos,
eles se alimentam dos sonhos dos outros!

domingo, 24 de janeiro de 2010

ANOTAÇÕES

para evitar as náuseas
e a sedução do nada
corro me alimentar
de anotações que fiz e escondi
dentro dos livros.

Algumas delas me trazem à superfície
e drenam os pulmões com vida.
Fazem rir de mim
e até sentir uma certa saudade ao descobrir,
nas promessas que fiz em forma de frases,
o quanto me escondi atrás de um menino sonhador.


Hoje acordei com uma música do Raul
martelando na cabeça.
Batem, rebatem,
sempre os mesmos versos:
"Um psiquiatra disse para que eu me esforçasse
e tentasse voltar à vida...
E eu parei de tomar ácido licérgico
e fiquei quieto
lambendo as minhas próprias feridas".

Os bilhetes que rabisquei
e guardei entre as quatro paredes dos livros
são a droga e o remédio
que mandam pra outros lares
o tédio.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

QUEM SABE OUTRO DIA



Não cospe no prato que você comeu. Foi a lição que me veio, límpida, e lúcida. Mas os insensatos, maioria que habita nosso planeta, a desprezam. Pisam, esmagam o território onde se criaram, e as pessoas que cimentaram o chão que lhes serve de apoio.


Almoçou com outro, totalmente insensível, que eu observei. Enquanto comia, ele só reparava nos negócios que ia realizar pela tarde. Fazia sim com a cabeça aos sussurros dela, sem tragar o mínimo do que ela ofertava com a boca. Seus dentes retalhavam o bife e a alface, impacientes com o assunto que ela colocava na sobremesa.


Não importa se eram conversas ensaiadas do dia-a-dia “Será que vai chover?”, “Mas que tempo meio louco!”, ou se eram propostas de uma tarde inesquecível, os dois mergulhados em banheiras e deitados em redes de orgias, de motel em motel, champanhe, espelhos, pelo norte e pelo sul da cidade.


Só que para ele, naquele dia, as conversas eram pasteurizadas, as músicas do sistema de som do restaurante todas se pareciam. O negócio que estava bem atado para aquela tarde era de, pelo menos, cinqüenta mil reais. Já a relação que ele poderia atar com essa jovem estudante, pouco o entusiasmava. Por causa dos negócios? Por que estava separado há pouco, e as feridas não haviam cicatrizado? Por que sua separação havia trazido um rombo em seu capital? Isso eu não sei.

Ela se foi, ele na frente, apressado, pois tempo é dinheiro, ela tentava não perdê-lo de vista, remoendo seus planos, pensados e revistos para aquela tarde. Planejara passar a tarde com ele, seria o máximo, tomar um sorvete num barzinho de vila, bem no meio da tarde, indiferentes aos negócios.


Não queria solucionar os problemas do mundo. Queria apenas estender sua teia, e que ele recebesse, o mínimo que fosse, uma torrente de amor que se desprendia dessa teia. Acreditava que ele soubesse como era importante um cativar o outro, como lera no Pequeno Príncipe. Cativar, cativar era a teia que ela desejava jogar, como um poncho, sobre seus ombros.


Restou a mesa cheia de restos, pratos, talheres, copos. Ela se foi, mas deixou para mim sua boca, emoldurada a batom no guardanapo, com o seguinte recado de seus lábios: “Quem sabe outro dia?”

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O DEUS DE ZILDA ARNS



Ontem à noite estava assistindo a um programa de TV na BAND chamado “É tudo improviso”. Nesse programa atores e platéia contracenam, sem seguir um roteiro prévio - um tema, quais as falas, etc. - e, portanto, não é possível saber o que vai acontecer no final.


Ao assistir esse programa de TV me veio uma certa necessidade de estabelecer uma relação com um livro que estou lendo nesses dias: Jogos para atores e não atores, de Augusto Boal – Civilização Brasileira, 2008. O programa da BAND é interessante porque vai de encontro à seguinte idéia de Augusto Boal: “Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no maracanã ou em praça pública por milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até mesmo dentro dos teatros.”


O programa da BAND possibilita que o público seja co-autor e co-ator do espetáculo. Isso, com certeza, causa nele um efeito mais interessante do que assistir passivamente a performance dos atores, os quais ensaiaram exaustivamente tal performance. Nesse programa há um encurtamento, ou eliminação da distância entre atores e não-atores.


Mas parece que falta algo, um “quase”, a esse programa, mesmo que ele seja muito mais criativo e inventivo se comparado às novelas e ao Big Brother. O “quase” que lhe falta é o de despertar nos sujeitos uma consciência e um desejo de mudar a realidade. Se por um lado “É tudo improviso” traz a platéia para o meio do palco, por outro ele segue o modelo de outros programas de TV, que é o de ter como alvo o mero entretenimento, ou a diversão pela diversão.


Para Augusto Boal, “o teatro deve ajudar-nos a conhecermos melhor a nós mesmos e o nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro, em vez de mansamente esperarmos por ele”.


Temos a realidade “real” e temos a realidade ficcional, que a arte (teatro, novela, etc.) nos apresenta. O objetivo de Augusto Boal, através de sua proposta teatral, é de que o teatro seja uma ferramenta que leve o sujeito (ator/não-ator, enfim, todos os sujeitos) a tomar consciência da realidade opressora que o cerca, e a buscar superar essa realidade. Nesse sentido, os temas que vão ser encenados na ficção são temas sociais que escravizam e tiram a liberdade dos sujeitos - como os preconceitos raciais e sexuais, o machismo, etc., tão presentes nas últimas décadas do Século XX e início do XXI.


O que cada vez mais anda em falta é recebermos um abalo (quantos graus?) da realidade. Enquanto a tragédia rola solta nas telas de TV dentro de nossas casas (O Haiti é ou não é aqui??; o terremoto é real, quando visto através de fotos diante da tela do computador?? ), nosso tempo desmancha no ar dada a preocupação com as fofocas (ficcionais ou não), com nossa turminha do orkut, onde nos exibimos com fotos, vídeos e frases “inteligentes” que copiamos dos livros. Compartilhamos tanta coisa e tanto tempo com a nossa tribo, que não sobra tempo para nos engajarmos em missões mais “nobres”, como a da Dr. Zilda Arns e outros (as), que estão espalhados pelo Brasil e pelo resto do mundo, agindo de fato em prol de um mundo melhor.


Parece-me que acompanhar o mundo pela TV ou pela internet (seja ou não na ficção) não produz tal choque de realidade. Ocorre o mesmo com o teatro tradicional (vale também para as novelas, etc.). Nesses, há um distanciamento entre ator e público. E, no final do espetáculo, o público não tem despertada a necessidade de melhorar o mundo, pois os atores (sejam heróis ou heroínas) já o fizeram por ele – pena que apenas no âmbito da ficção.
Da mesma forma que os atores do teatro tradicional, o Deus da maioria da população realiza, de maneira heróica, os nossos desejos, sendo o responsável pelo nosso destino. Dessa forma nós, pobres mortais, não temos nenhuma missão a cumprir. Basta depositar nas mãos de Deus, ou dos atores/heróis, nosso futuro.


Já o Deus de Zilda Arns - que morreu no Haiti trabalhando pela causa da vida, a ajuda aos pobres e às crianças – era um Deus solidário. Quem de nós está disposto a contracenar com esse outro Deus, no teatro da vida?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

SAIONARA



Tanta tragédia eu vejo ao redor

terremotos, guerras, drogas

fofocas fogos de palha

por todo o lugar

a dor absurda se espalha

seja em Ijuí

seja em Araraquara

mas meus olhos se alegram

sorriem e voltam a sonhar

porque apareceu

no seu horizonte

a Saionara!

Ovelha desgarrada

  Manhã de domingo, Beiço deu as caras: – Velho. Andei pensando. Está na hora do Cadelão parar de cair nas sarjetas próximas a bares para ...