Tantos sinais despertam em você o medo da morte,
como luzinhas piscantes na traseira das bicicletas,
em rodovias movimentadas e com neblina.
Há algo novo no ar, além e por causa de tantos vírus.
Velhinhos com máscaras escondendo o queixo,
com a boca e o nariz implorando ar e bebida,
esgueirando-se nos botecos, às 10 da manhã.
Isso e tantas coisas mais te deixam ansioso,
com medo do desemprego, das contas,
da fome e do futuro imprevisível.
Não vou insinuar medos e culpas na conta dos outros,
mas necessito compartilhar as sensações que tenho,
são serpentes invisíveis brotando do chão e do ar,
e invadindo as narinas,
paralisando meu dia.
Toneladas de informações...
Faça isso! Não faça isso!
Tome vacina! Não tome vacina!
Põe máscara! Tira máscara!
Você está rifando a tua vida e a dos outros,
você é um otário, você se caga de medo
de uma gripezinha.
Te cuide, ou você vai ter os pulmões apodrecidos
e vai rastejar à procura de cilindros de oxigênio
em avenidas cercadas de cemitérios
superpovoados.
É tanto bombardeio,
que você se sente leão sarnento
obediente aos domadores de circo.
Você assiste a todos os noticiários,
lê todas as mensagens
e vê e revê vídeos que recebe
pelo whats.
Você não faz ideia do que é fato ou fake.
Você é simpático com o governo, você odeia o governo
e diz que ele é o responsável por todas as misérias
e tragédias que acontecem por aí.
Sem mais você se pega a pensar no teu funeral,
quem vai comparecer,
quais serão os discursos,
quem vai chorar.
Você pensa no depois,
haverá simplesmente o NADA,
ou teu espírito desencarnará
e terá novas chances
de voltar à terra
pra fazer mais merda?
E você sofre por não saber se será lembrado,
mesmo que por pouco tempo
e apenas por alguns parentes e amigos
mais próximos.
Você vê uma enxurrada de vídeos reconfortantes no Youtube,
você pendura bilhetinhos pelos cantos da casa
com a mensagem do Chico Xavier:
TUDO PASSA.
Você toma vitamina D, toma sol,
toma Extrato de Própolis e teu sovaco exala pelo mundo
um cheiro bem macho de devorador de alho.
E, assim no mais, você se habitua à dieta perfeita
que vai dar aquele UP na tua imunidade.
E então você recebe a notícia aterradora:
o vírus vem sofrendo mutações,
agora está mais agressivo,
ele se espalha mais rápido.
Retornam as imagens que desorientam os mestres
do pensamento positivo:
você só pensa nos pulmões podres,
você só pensa nos tubos de oxigênio,
você só pensa em como será teu funeral!
Hora de ser criativo,
bolar um poema bonitinho
que servirá de epitáfio.
Bukowski escreveu um que eu acho bem legal:
"quando minhas mãos pálidas
deixarem cair a última caneta
em um quarto barato
eles vão me achar lá
e nunca saberão
meu nome
minha intenção
nem o valor
de minha fuga".
(B. B. Palermo)