Ah, se pudéssemos recuperar aquelas frases de efeito, ditas de um jeito espontâneo, na mesa do bar!
Na hora pareciam interessantes, e alguém falou, recomendando: "Anota aí, vai".
Mas nunca carregamos papel e caneta, e deve ser porque não acreditamos que temos capacidade de escrever algo interessante.
Se acaso alguma frase ou fragmento surgir, recorremos ao garçon, indiferente, desconfiado ou cúmplice, para trazer um pedaço de papel e caneta.
Como num jogo de cartas, as vontades são embaralhadas na mesa do bar. Cada um torce para que a sorte lhe traga melhores frases de efeito ou - que não é diferente - fartos olhares.
É pela quantidade de chopes que arriscamos apostas que, de dia, devido a claridade e a censura, nunca o faríamos.
E o círculo se completa na manhã seguinte, quando somos despertados pelo sentimento de culpa: "O que que eu fui fazer?!"
Espiamos nossos pecados.
Espiamos também as ditas frases "geniais" anotadas no pedaço de papel, e descobrimos, ridículos, que elas são bem fraquinhas...
Mas crescemos assim.
Lembremos da sutileza com que espiávamos pela fechadura segredos agitados pela curiosidade. Sabíamos o momento certo para entrar em cena.
Depois, éramos corroídos pela culpa, até o dia da confissão ao padre.
Crescemos e deixamos de ser atores. Ficamos medrosos do ridículo.
Medrosos até o segundo chope. Depois, dada a ordem ou súplica do "Anote aí, vai", temos certeza de que nossa idéia genial vai revolucionar o mundo.
Finalmente nosso cérebro processou algo interessante!
Vamos ao bar para espiar e anotar, quando possível.
Não o tamanho do lanche e refris pet que os casais, pais e filhos devoram.
Espiamos o frescor dos seus segredos, as trocas de olhares, caras alegres ou semblantes franzidos, lábios trêmulos ou bem desenhados.
Espiamos de cá e de lá, na ânsia de que algum olhar se choque com nosso olhar, e que se tivermos essa carta na manga (curinga?) aplacaremos, um pouco, nossa solidão.