terça-feira, 27 de abril de 2010
O REFORMADOR DO MUNDO - Monteiro Lobato
Américo Pisca-pisca tinha o hábito de por defeito em todas as coisas.
O mundo para ele estava errado e a natureza só fazia asneiras.
- Asneiras, Américo?
- Pois então?!... Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e lá adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule duma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabas para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho razão?
Assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
- Mas o melhor - concluiu - é não pensar nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha? E Pisca-pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza!
De repente, no melhor da festa, plaf! uma jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio no nariz.
Américo desperta de um pulo; pisca, pisca; medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito assim.
E segue para casa refletindo:
- Que espiga!... Pois não é que se o mundo fosse arrumado por mim a primeira vítima teria sido eu? Eu, Américo Pisca-pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum! Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está, que está tudo muito bem.
E Pisca-pisca continuou a piscar pela vida em fora, mas já sem a cisma de corrigir a natureza.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
AULA DE LITERATURA - Charles Kiefer
- O romance epistolar de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, criou, na Europa, uma impressionante onda de suicídios: centenas de rapazes, depois de sua leitura, seguiram os passos do herói romântico - explicou o professor de literatura, que ilustrava as suas aulas com exemplos semelhantes, para que se tornassem menos enfadonhas.
- O livro era tão ruim assim? - perguntou a aluna.
do livro de crônicas O guardião da floresta.
- O livro era tão ruim assim? - perguntou a aluna.
do livro de crônicas O guardião da floresta.
terça-feira, 20 de abril de 2010
COPA DO MUNDO
Está chegando a Copa do Mundo e não resisto aos convites do meu vício. Adquiro o álbum da Copa para me acompanhar por onde eu for. São figuras repetidas e trocadas com meus amigos, e me envolvo de tal forma no negócio que até pareço “figura”.
Mas não deixei de notar o ridículo dos jogadores quando pousam pra foto. Os franceses, ah os franceses, parecem os mais exibidos. Basta observar como ajeitaram o que lhes serve de pano de fundo do cenário.
Como aeroporto interditado, a Copa retém a minha vida, não importa se a TV mostra os jogos às três da madrugada.
Montei meu altar na sala pra saudar cada Nação que entrar em campo.
Meu coração vai sobrevoar o mapa-múndi, e vai demarcar Capital por Capital com pontos coloridos. Meus sentidos vão tocar cada invenção de meus irmãos que dividem comigo este mundo.
Para não perder a hora terei à mão despertadores e celulares.
Vai ser uma força-tarefa como os trabalhos voluntários em períodos de tragédia.
A memória vai estar afiada para que os craques e heróis jamais sejam esquecidos. Vou lembrar tintim por tintim no bar e corrigir o primeiro mentiroso, não importa se for meu amigo.
Vai começar o jogo, quero todo mundo por perto. Vou ser igual a Jesus, vou dividir e brindar emoções como na Santa Ceia.
INTERVALO
Sou o intervalo
entre um plano
e outro.
Marcador de página
abandonado
no meio
do livro.
Frase sublinhada
num livro qualquer
há muitos anos.
Sou o intervalo
entre um amor que quase veio
e outro que poderia
ter sido.
Intervalo
que não foi combinado
antes de começar o jogo.
entre um plano
e outro.
Marcador de página
abandonado
no meio
do livro.
Frase sublinhada
num livro qualquer
há muitos anos.
Sou o intervalo
entre um amor que quase veio
e outro que poderia
ter sido.
Intervalo
que não foi combinado
antes de começar o jogo.
domingo, 18 de abril de 2010
desamparados do mundo, uni-vos - Abrão Slavutzky
Alguns artigos que, repentinamente, se oferecem ao nosso olhar e coração, nos depertam de um "sono dogmático" que pode durar dias, meses ou até anos. Foi o que aconteceu comigo ao ler o texto que segue. Por isso, me faço valer do "copiar" + "colar" para reproduzi-lo neste espaço.
Se tivesse que definir os tempos atuais, diria que são tempos de desamparo. Tempos em que crescem a solidão, o vazio, a depressão e diminuem os ideais sociais. É verdade que o desamparo do Homo sapiens, gerado diante das forças de natureza e de enigmas como a morte, foi o motor da construção da civilização. No indivíduo, os desamparos constituem a realidade psíquica, e cada um aprende a enfrentá-los, pois só assim se transforma. Entretanto, tudo indica que nesta modernidade líquida atual, o desamparo cresceu. Diminuiu a solidez das instituições e aumentou a desconfiança e a insegurança. E, ainda, não se pode esquecer do desamparo assustador vivido pela população que está abaixo da linha de pobreza.
O desamparo gera angústia que pode ser traumática. Estar desamparado é se sentir assustado, perdido, é perder o norte. Várias são as situações que geram desamparo: a morte, a separação amorosa, o sentimento de fracasso, a doença, a velhice, a violência. O desamparado, quando não sabe o que fazer de sua vida, pode desenvolver a síndrome do pânico; ou seguir o caminho das drogas, dos vícios em geral, que surgem como salvação ao desamparo. Há também os que buscam a segurança nos diferentes fanatismos, bem como os sofredores crônicos, que suportam a dependência, para não enfrentar o desamparo da liberdade. Os sintomas psíquicos seriam, portanto, uma reação e uma proteção ao desamparo.
Mas o que fazer para aliviar o desamparo? Desconfie das respostas fáceis, mas primeiro é preciso buscar algum tipo de ajuda, de apoio, e esta decisão é, com certeza, meio caminho andado. A criança, por exemplo, enfrenta seu desamparo brincando, pois ao brincar ela reproduz suas experiências aflitivas para, então, dominá-las; as crianças passam, portanto, de situações passivas de sofrimento para sentimentos ativos de domínio. Em minha infância, numa fase difícil de desamparo, tive a felicidade de conhecer Charles Chaplin, que vinha todos os domingos ao bairro Bom Fim. Lembro como ficava espantado e feliz ao ver o incrível Vagabundo, pobre e pequeno, vencendo todos os desafios contra os poderosos. Saía do cinema animado e sabia que voltaria a vê-lo. A arte não cura o desamparo, porque nada cura na verdade, mas alivia, e muito. O mesmo ocorre com o bom humor, que, sendo um sorriso entre lágrimas, diminui o drama da existência trágica do ser.
Quando um castelo de areia desaba, muitos choram, mas outros juntam a areia para construir outro castelo. Fiz parte do sonho de um mundo com igualdade e sem guerras, guiado pelo famoso lema: “Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos”, que desconhecia a face sombria da humanidade, como a crueldade e a vaidade do poder. O castelo do paraíso ruiu, e outros são erguidos, lentamente, das mais variadas formas, na busca de reinventar o cotidiano junto aos demais. A propósito, há um provérbio em zulu: Umuntu ngumuntu ngabantu – Uma pessoa é uma pessoa por meio das outras pessoas.
* Psicanalista (Zero Hora, 17/04/2010)
Se tivesse que definir os tempos atuais, diria que são tempos de desamparo. Tempos em que crescem a solidão, o vazio, a depressão e diminuem os ideais sociais. É verdade que o desamparo do Homo sapiens, gerado diante das forças de natureza e de enigmas como a morte, foi o motor da construção da civilização. No indivíduo, os desamparos constituem a realidade psíquica, e cada um aprende a enfrentá-los, pois só assim se transforma. Entretanto, tudo indica que nesta modernidade líquida atual, o desamparo cresceu. Diminuiu a solidez das instituições e aumentou a desconfiança e a insegurança. E, ainda, não se pode esquecer do desamparo assustador vivido pela população que está abaixo da linha de pobreza.
O desamparo gera angústia que pode ser traumática. Estar desamparado é se sentir assustado, perdido, é perder o norte. Várias são as situações que geram desamparo: a morte, a separação amorosa, o sentimento de fracasso, a doença, a velhice, a violência. O desamparado, quando não sabe o que fazer de sua vida, pode desenvolver a síndrome do pânico; ou seguir o caminho das drogas, dos vícios em geral, que surgem como salvação ao desamparo. Há também os que buscam a segurança nos diferentes fanatismos, bem como os sofredores crônicos, que suportam a dependência, para não enfrentar o desamparo da liberdade. Os sintomas psíquicos seriam, portanto, uma reação e uma proteção ao desamparo.
Mas o que fazer para aliviar o desamparo? Desconfie das respostas fáceis, mas primeiro é preciso buscar algum tipo de ajuda, de apoio, e esta decisão é, com certeza, meio caminho andado. A criança, por exemplo, enfrenta seu desamparo brincando, pois ao brincar ela reproduz suas experiências aflitivas para, então, dominá-las; as crianças passam, portanto, de situações passivas de sofrimento para sentimentos ativos de domínio. Em minha infância, numa fase difícil de desamparo, tive a felicidade de conhecer Charles Chaplin, que vinha todos os domingos ao bairro Bom Fim. Lembro como ficava espantado e feliz ao ver o incrível Vagabundo, pobre e pequeno, vencendo todos os desafios contra os poderosos. Saía do cinema animado e sabia que voltaria a vê-lo. A arte não cura o desamparo, porque nada cura na verdade, mas alivia, e muito. O mesmo ocorre com o bom humor, que, sendo um sorriso entre lágrimas, diminui o drama da existência trágica do ser.
Quando um castelo de areia desaba, muitos choram, mas outros juntam a areia para construir outro castelo. Fiz parte do sonho de um mundo com igualdade e sem guerras, guiado pelo famoso lema: “Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos”, que desconhecia a face sombria da humanidade, como a crueldade e a vaidade do poder. O castelo do paraíso ruiu, e outros são erguidos, lentamente, das mais variadas formas, na busca de reinventar o cotidiano junto aos demais. A propósito, há um provérbio em zulu: Umuntu ngumuntu ngabantu – Uma pessoa é uma pessoa por meio das outras pessoas.
* Psicanalista (Zero Hora, 17/04/2010)
terça-feira, 13 de abril de 2010
PEQUENA MISS SUNSHINE
Este filme é surpreendente. Se analisarmos cada personagem em separado, vamos perceber a excentricidade de cada um. Os personagens pertencem a uma família que, visto pelo seu conjunto, é comicamente maluca.
O pai, Richard, esforça-se para vender seu programa motivacional (ironia para com o discurso da auto-ajuda?) para atingir o sucesso. Mas ele fracassa.
Olive, com sete anos de idade, deseja ser rainha de um concurso de beleza para crianças.
Dwayne é um adolescente que gosta de ler Nietzsche, e que fez voto de silêncio até atingir 18 anos e conseguir ingressar na aeronáutica, para ser piloto.
Finalmente, temos o avô, outro maluco que foi expulso de um asilo para idosos, que decide, já na velhice, usar drogas.
A ação do filme se desencadeia quando Olive, a menina, é convidada a participar de um concurso de beleza "Litttle Miss Sunshine" na Califórnia, e toda família embarca numa velha kombi para torcer por ela.
No embalo do mote da auto-ajuda: "O verdadeiro fracassado não é alguém que não vence. O verdadeiro fracassado é aquele que tem tanto medo de não vencer que não chega a tentar", o filme não é previsível nem linear. Mostra os limites do discurso que tanto enfeitiça as pessoas: "Você pode, você consegue!".
É que a auto-ajuda não pode esquecer o contexto onde cada um de nós está inserido, sua cultura, hábitos, medos, desejos, etc., etc.
O sucesso não depende só de nós. Talvez o problema maior sejam os outros, que também desejam vencer.
Nesse sentido, a vida, de um modo geral, não passa de um concurso de beleza, ou de uma grande competição. O problema é que cada um tem que se adaptar às regras desse concurso. E nem sempre elas são justas.
Eis um dos problemas que tornam frágeis as relações. Por isso, é necessária a compreensão e cooperação de cada um de nós, para facilitar e possibilitar o "existir" coletivo.
De qualquer maneira o filme, vencedor do Oscar em 2007, é daqueles que faz rir e pensar. Ou melhor: seu riso é filosófico porque é irônico.
O pai, Richard, esforça-se para vender seu programa motivacional (ironia para com o discurso da auto-ajuda?) para atingir o sucesso. Mas ele fracassa.
Sheryl, a mãe, procura "entrosar" a família. Nesse sentido, acolhe seu irmão junto à casa, um gay deprimido.
Dwayne é um adolescente que gosta de ler Nietzsche, e que fez voto de silêncio até atingir 18 anos e conseguir ingressar na aeronáutica, para ser piloto.
Finalmente, temos o avô, outro maluco que foi expulso de um asilo para idosos, que decide, já na velhice, usar drogas.
A ação do filme se desencadeia quando Olive, a menina, é convidada a participar de um concurso de beleza "Litttle Miss Sunshine" na Califórnia, e toda família embarca numa velha kombi para torcer por ela.
No embalo do mote da auto-ajuda: "O verdadeiro fracassado não é alguém que não vence. O verdadeiro fracassado é aquele que tem tanto medo de não vencer que não chega a tentar", o filme não é previsível nem linear. Mostra os limites do discurso que tanto enfeitiça as pessoas: "Você pode, você consegue!".
É que a auto-ajuda não pode esquecer o contexto onde cada um de nós está inserido, sua cultura, hábitos, medos, desejos, etc., etc.
O sucesso não depende só de nós. Talvez o problema maior sejam os outros, que também desejam vencer.
Nesse sentido, a vida, de um modo geral, não passa de um concurso de beleza, ou de uma grande competição. O problema é que cada um tem que se adaptar às regras desse concurso. E nem sempre elas são justas.
Eis um dos problemas que tornam frágeis as relações. Por isso, é necessária a compreensão e cooperação de cada um de nós, para facilitar e possibilitar o "existir" coletivo.
De qualquer maneira o filme, vencedor do Oscar em 2007, é daqueles que faz rir e pensar. Ou melhor: seu riso é filosófico porque é irônico.
domingo, 11 de abril de 2010
REENCONTRO
Seu olhar
foi suficiente
para o pára-quedas
abrir
e abrandar
a queda livre
bastou seu olhar
para que o pouso
- e o reencontro -
fosse perfeito.
foi suficiente
para o pára-quedas
abrir
e abrandar
a queda livre
bastou seu olhar
para que o pouso
- e o reencontro -
fosse perfeito.
terça-feira, 6 de abril de 2010
O suicídio do amor
A cerca limitava-se a tudo
e o sol espreitava
com a cabeça nas nuvens.
Era final de expediente
e o caminho da tarde
embriagou-se
de chuva.
Apressado
o amor avançava
a cada dois
lances de escada
mas quando chegava no topo
ruía ao chão
ninguém duvidava:
era o suicídio do amor.
domingo, 4 de abril de 2010
Sala de tortura
vamos ter em casa
coleções de mata-moscas.
Nas lojas de zero vírgula noventa e nove
centenas aguardam trabalho.
Os golpes altos e baixos
nos vão purificar
a cada inseto decepado.
Enfim teremos
uma sala
de tortura
em nosso lar.
Torturaremos ex-maridos, ex-mulheres,
ex-isso e aquilo, vizinhas fofoqueiras,
cães, gatos e os funcionários
da prefeitura.
Bateremos sem pudor
tristeza
alegria
ou vergonha
e ficaremos horas a fio
de tocaia em tocaia
atrás dos cantos escuros.
No verão a cidade
vai abrir suas comportas
a procissões de baratas
e ninguém vai querer perder
a novíssima
literatura.
Os Insetos
serão maestros
de todas nossas nóias.
coleções de mata-moscas.
Nas lojas de zero vírgula noventa e nove
centenas aguardam trabalho.
Os golpes altos e baixos
nos vão purificar
a cada inseto decepado.
Enfim teremos
uma sala
de tortura
em nosso lar.
Torturaremos ex-maridos, ex-mulheres,
ex-isso e aquilo, vizinhas fofoqueiras,
cães, gatos e os funcionários
da prefeitura.
Bateremos sem pudor
tristeza
alegria
ou vergonha
e ficaremos horas a fio
de tocaia em tocaia
atrás dos cantos escuros.
No verão a cidade
vai abrir suas comportas
a procissões de baratas
e ninguém vai querer perder
a novíssima
literatura.
Os Insetos
serão maestros
de todas nossas nóias.
sábado, 3 de abril de 2010
quinta-feira, 1 de abril de 2010
HAI-KAIS - de Alice Ruiz
Pensar letras
sentir palavras
a alma cheia de dedos
O menino me ensina
como um velho sábio
o quanto sou menina
O avião
apenas vai
quem voa sou eu
O relógio marca
48 horas sem te ver
sei lá quantas para te esquecer
Lembra aquele beijo
corpo alma e mente?
Pois eu esqueci completamente
Sem luto
pelo absoluto
só
ab
so
luto
Hai-kai:
tomara que caia
o raio
Ia sendo
não fosse entre nós
o extintor de incêndio
Janela que se abre
o gato não sabe
se vai ou voa
Dia que termina
nenhuma pressa
ano que começa
segunda-feira, 29 de março de 2010
Indiferença
Lábios e maxilares
amam a indiferença.
Os degraus da segunda-feira
culpam a terça-feira,
e atalham
o fim-de-semana.
Sou adolescente
refugiado no diário.
Papel de embrulhar presente
peixe enfeitando
o aquário.
A ilusão maquiou
rosto e olhos:
o beijo, o toque,
a presença
incandescente
quando chamar
e enfeitar os cílios.
Desisti de sonhar.
A utopia coça
o meu nariz
e me diz
que todos estão
muito iguais.
sábado, 27 de março de 2010
A INVENÇÃO MÁGICA
Certa vez, um sábio chinês e um gambá ficaram amigos. De tão amigos, um começou a imitar o outro.
Para eles, o que um amigo fazia, o outro também devia fazer.
O gambá queria quebrar seus próprios recordes. E adivinhem só: o recorde mais importante do gambá era ficar muitos, muuuuitos dias sem tomar banho.
Ele era muito preguiçoso. Só não era preguiçoso na hora de jogar bola. E ele usava uma boa desculpa para não tomar banho: economizar água e energia elétrica.
O Sábio Chinês começou a admirar a preguiça do Gambá. Ele pensou:
- também vou economizar água e energia elétrica. Não vou perder meu tempo debaixo do chuveiro. Mamãe Sábia vai elogiar a economia que o seu filho vai fazer!
Assim, decidiu também enforcar o banho. Mas, então, por onde eles passavam, todos reclamavam:
Uma coisa foi pro ar
não é pipa nem avião.
Alguém responda, por favor,
de onde vem este fedor?
O Gambá e o Sábio Chinês precisavam achar uma saída para não ficarem catinguentos e ouvirem piadinhas. Tiveram uma idéia: inventar um perfume que os deixasse beeeem cheirosos!
Aí, o gambá perguntou:
- Mas quem vai inventar o perfume para nós?
A tartaruga, que era amiga deles, deu a seguinte idéia:
- Existe um príncipe, que virou sapo, que conhece a fórmula de uma poção mágica de um perfume... Quem passa o perfume fica cheiroso! Dizem que o príncipe mora numa lagoa perto daqui.
O gambá e o sábio chinês ficaram entusiasmados...
- Vamos aprender com o sapo a fórmula do perfume!
- O perfume vai atrair muitas gamboas e sábias...
- Huuuummmm!... Nunca mais tomaremos banho!... Nunca mais soltaremos fedor!...
- Nunca mais ouviremos piadas!
Eles precisavam encontrar o tal sapo que um dia foi um príncipe.
Bem... sapos gostam de lagoas. E ao norte da cidade havia uma grande lagoa.
O gambá e o sábio embarcaram no táxi do camelo e foram para lá. Para sua surpresa, ao chegarem na lagoa não encontraram apenas um sapo. Havia dezenas de sapos. Centenas. Milhares. Havia três mil sapos!
Era uma lagoa enorme, super-habitada e, ali no meio, apenas um sapo que um dia foi um príncipe...
O gambá perguntou:
- Como saber qual destes sapos é o príncipe, que conhece a poção mágica do perfume?
E o sábio chinês respondeu:
- Ora! Vamos descobrir a frase mágica, dizê-la para o sapo certo, que vai então se transformar num príncipe, e que vai nos ensinar a fazer o perfume.
Os dois amigos foram conversar com os sapos. Todos estavam espreguiçados, tomando banho de sol. Olhavam pra água, olhavam pro sol, e coaxavam:
- Aaaaiiiiii, que sono!... Rooonnnkkkk... Raaaakkkk!... Aiaaaiiii, que sono!... rooonnnkkk, raaaakkkk...
Aí o gambá disse:
- Faremos um teste. Vamos inventar uma frase mágica, e dizer para este sapão, que parece ser o chefe da sapaiada!
- Eu concordo - disse o sábio Chinês - Que tal esta frase:
Fale logo sem demora,
que eu não sou de muito papo...
O que você era, antes de virar sapo?
O sapo - que estava de rooonnnkkk, raaakkk, rooonnnkkk, raaak - continuou do mesmo jeito. Foi uma decepção para os dois amigos, ver aquele bicho preguiçoso não fazer outra coisa senão roncar!
Se aquele sapo não era um príncipe, eles precisavam dizer a frase mágica para cada um dos outros sapos. Faltava perguntar para 2.999 sapos!
Ficaram dois dias dizendo a frase mágica, e nada de sapo virar príncipe! -Rooonnnnkkk, raaaakkk... rooonnnkkk, raaakkk - era só o que ouviam.
Decepcionados, perceberam que, naquela lagoa, não havia príncipe coisa nenhuma!
Cansados, e com aquela roncadeira martelando na cabeça, decidiram voltar para casa.
Ao se distanciarem da lagoa, no meio do bosque, eis que surge, detrás do tronco de uma árvore, alguém fazendo um barulho estranho. Não coaxava como um sapo. Mas ERA um sapo!
Descobriram, então, que aquele bicho fora expulso da lagoa porque cantava de um jeito diferente dos outros sapos!
O sábio chinês e o gambá resolveram, então, testar a frase mágica:
Fale logo, sem demora,
que eu não sou de muito papo...
O que você foi antes de virar sapo?
Houve um clarão e um estouro! Depois que baixou a poeira, surgiu diante de seus olhos um JOVEM CIENTISTA! Que não sabia a fórmula do perfume!... Mas tinha uma coisa muito melhor para oferecer ao gambá e ao sábio chinês: o modelo de um aquecedor solar que servia para esquentar a água e que, em vez de usar a energia elétrica, usava os raios do sol.
E eles podiam fazer o aquecedor em casa, usando materiais recicláveis, como tubos de plástico, garrafas pet e caixas de leite tetra pak.
Depois que fizeram o aquecedor, e a água ficou bem gostosa, o sábio chinês e o gambá não enforcaram mais o banho, nem nos dias de geada!
Não ouviram mais as piadinhas...
E para onde iam as gamboas e as sábias iam atrás, apaixonadas pela sombra deles...
sexta-feira, 26 de março de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
Areia e espuma - de Gibran Khalil Gibran
Um pensamento deste autor traz luz para encontrarmos alguns possíveis motivos que levam alguém a se submeter a um processo de "bombardeio" ao seu corpo, visando entrar no livro dos recordes. Diz o pensamento:
Não há luta entre o corpo e a alma, a não ser nas mentes daqueles cujas almas estão adormecidas e cujos corpos estão desajustados.
para ajudar a repensar nossas ambições, Gibran nos presenteia com a seguinte parábola:
"Havia num bosque isolado uma bonita violeta que vivia satisfeita com suas companheiras. Certa manhã, ergueu a cabeça, e viu uma rosa que se balançava acima dela, radiante e orgulhosa.
Gemeu a violeta, dizendo: "Pouca sorte tenho eu entre as flores! Humilde é meu destino! Vivo colada à terra, e não posso erguer a face para o sol, como fazem as rosas..."
A Natureza ouviu e disse: "Que te aconteceu, filhinha? As vãs ambições apoderaram-se de ti?"
"Suplico-te, ó mãe poderosa, disse a violeta, transforma-me numa rosa, por um dia só que seja."
"Não sabes o que estás pedindo, respondeu a Natureza. Ignoras o que se esconde de infortúnios atrás das aparentes grandezas."
"Transforma-me em rosa, insistiu a violeta, e aceitarei todas as consequências de minhas aspirações e desejos."
A Natureza estendeu sua mão mágica, e a violeta tornou-se uma rosa suntuosa. Na tarde daquele mesmo dia, o céu escureceu, e o vento e a chuva devastaram o bosque. As árvores e as roseiras foram abatidas. Só as humildes violetas escaparam ao massacre. E uma delas, olhando à sua volta, gritou às companheiras: "Olhem e vejam o que a tempestade fez das grandes plantas que se elevam com orgulho e impertinência!"
Disse uma outra: "Vivemos coladas à terra, mas escapamos à fúria dos furacões."
Uma terceira disse: "Somos pequenas e humildes; mas as tempestades nada podem contra nós."
A rainha das violetas viu também a rosa que tinha sido violeta, estendida por terra como morta. E disse: "Vejam e meditem, minhas filhas, sobre o destino da violeta que as ambições embriagaram. Que sua infelicidade lhes sirva de exemplo."
Ouvindo estas palavras, a rosa agonizante agitou-se, e disse, com voz entrecortada:
"Escutai, antes, vós, ignorantes, medíocres, covardes. Ontem, eu era como vós, humilde e satisfeita. Mas a satisfação que me protegia, também me limitava. Podia continuar a viver como vós, colada à terra, até que o inverno me envolvesse na sua neve e me levasse ao silêncio eterno, sem que conhecesse dos segredos e glórias desta vida mais do que as inúmeras gerações de violetas, desde que existem violetas.
Mas escutei no silêncio da noite, e ouvi o mundo superior dizer a este mundo: O alvo da vida é alcançar o que há além da vida. Pedi, então, à Natureza - que nada é senão a materialização de nossos sonhos invisíveis - que me transformasse em rosa. E a Natureza atendeu ao meu desejo.
Não há luta entre o corpo e a alma, a não ser nas mentes daqueles cujas almas estão adormecidas e cujos corpos estão desajustados.
para ajudar a repensar nossas ambições, Gibran nos presenteia com a seguinte parábola:
"Havia num bosque isolado uma bonita violeta que vivia satisfeita com suas companheiras. Certa manhã, ergueu a cabeça, e viu uma rosa que se balançava acima dela, radiante e orgulhosa.
Gemeu a violeta, dizendo: "Pouca sorte tenho eu entre as flores! Humilde é meu destino! Vivo colada à terra, e não posso erguer a face para o sol, como fazem as rosas..."
A Natureza ouviu e disse: "Que te aconteceu, filhinha? As vãs ambições apoderaram-se de ti?"
"Suplico-te, ó mãe poderosa, disse a violeta, transforma-me numa rosa, por um dia só que seja."
"Não sabes o que estás pedindo, respondeu a Natureza. Ignoras o que se esconde de infortúnios atrás das aparentes grandezas."
"Transforma-me em rosa, insistiu a violeta, e aceitarei todas as consequências de minhas aspirações e desejos."
A Natureza estendeu sua mão mágica, e a violeta tornou-se uma rosa suntuosa. Na tarde daquele mesmo dia, o céu escureceu, e o vento e a chuva devastaram o bosque. As árvores e as roseiras foram abatidas. Só as humildes violetas escaparam ao massacre. E uma delas, olhando à sua volta, gritou às companheiras: "Olhem e vejam o que a tempestade fez das grandes plantas que se elevam com orgulho e impertinência!"
Disse uma outra: "Vivemos coladas à terra, mas escapamos à fúria dos furacões."
Uma terceira disse: "Somos pequenas e humildes; mas as tempestades nada podem contra nós."
A rainha das violetas viu também a rosa que tinha sido violeta, estendida por terra como morta. E disse: "Vejam e meditem, minhas filhas, sobre o destino da violeta que as ambições embriagaram. Que sua infelicidade lhes sirva de exemplo."
Ouvindo estas palavras, a rosa agonizante agitou-se, e disse, com voz entrecortada:
"Escutai, antes, vós, ignorantes, medíocres, covardes. Ontem, eu era como vós, humilde e satisfeita. Mas a satisfação que me protegia, também me limitava. Podia continuar a viver como vós, colada à terra, até que o inverno me envolvesse na sua neve e me levasse ao silêncio eterno, sem que conhecesse dos segredos e glórias desta vida mais do que as inúmeras gerações de violetas, desde que existem violetas.
Mas escutei no silêncio da noite, e ouvi o mundo superior dizer a este mundo: O alvo da vida é alcançar o que há além da vida. Pedi, então, à Natureza - que nada é senão a materialização de nossos sonhos invisíveis - que me transformasse em rosa. E a Natureza atendeu ao meu desejo.
Vivi uma hora como rosa. Vivi uma hora como rainha. Vi o mundo com os olhos das rosas. Ouvi a melodia de éter com os ouvidos das rosas. Acariciei a luz com as pétalas das rosas. Pode alguma de vós gabar-se desta honra?
Morro, agora, levando na alma o que nenhuma violeta jamais experimentara. Morro, sabendo o que há por trás dos horizontes estreitos onde nasci. É este o alvo da vida."
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Ovelha desgarrada
Manhã de domingo, Beiço deu as caras: – Velho. Andei pensando. Está na hora do Cadelão parar de cair nas sarjetas próximas a bares para ...
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Garota, nossos destinos têm pernas bambas e percorrem umas trilhas nada paralelas. Veja bem, você não leu Schopenhauer nem Han...
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Nada a ver, menino! Baratas, sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos, passeiam pela sala cantarolando um samba do “Demô...