Mãe e filho precoces. O pai desaparece. É fácil olhar do outro lado
da rua e julgar a realidade que, nua, a nossos olhos se transveste. Estou no
meio do povo e faço de conta que dou conta de toda a verdade. Meus olhos usam
filtros, leis, mordaças, e são cruéis com a realidade. Ajusto, ajusto, até
ficar satisfeito com os limites de minha compreensão. Também minha palavra foi forjada por duras ferramentas. A palavra que busco ao poema é outra – sempre
- e foge, se distancia, como uma sombra. Ou dá o bote, como uma serpente.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
segunda-feira, 12 de janeiro de 2015
Amor ou humor?
Em alguns
momentos “anormais”, em que tudo foge do previsto, aquilo que gostaríamos que
acontecesse, buscamos um consolo (ou desculpa). Para dirimir a frustração,
dizemos: “Eu tive um pressentimento de que isso ia acontecer”. Nessas horas
“rir é o melhor remédio”. Érico Veríssimo afirmou que “em certos momentos o que
nos salva nem é o amor, é o humor”.
***
Um adolescente, aluno
do Ensino Médio, me contou como faz para gabaritar as provas de Ensino
Religioso. Dentre as alternativas para as questões, escolhe sempre respostas
que agradam a professora, tais como: “Eu amo Jesus”. “Quando eu crescer, quero
ter fé em Deus”. Nada de questionamentos existenciais, do tipo: “De onde vim?”,
“Para onde vou?”. Ou perguntas mais radicais, tais como: “Se Deus nos ama,
porque permite tanta violência e pobreza no mundo?” E acrescenta:
- Se eu disser o
que penso, que é mais ou menos “Foda-se isso! Foda-se aquilo!”, ela vai me
mandar sair da sala de aula e ir direto pra coordenação da escola.
Perguntei-lhe,
então:
- Você fica
angustiado e infeliz, por ter que dizer o que agrada à profe, e te garante
passar de ano sem pegar exame?
- Não. Até que
não sofro. Tanto é que estou aqui contando e rindo desse fato. Obter nota alta
ou não numa disciplina não vai resolver minhas dúvidas sobre crença religiosa.
Aproveitando a
deixa, falei-lhe da estreita relação entre liberdade de expressão e
responsabilidade, e também de que não há sociedade e (óbvio) escola sem uma
certa repressão. Daí a importância de abrirmos espaços para o humor; rir de
determinadas situações, usando-as como válvulas de escape para nossas
frustrações.
Além do humor,
há a possibilidade da ironia. O que não podemos aceitar é a visão simplista de
que no mundo existem apenas duas possibilidades: de que ou estamos certos ou estamos
errados, e de que os outros, que pensam diferente de nós, são nossos inimigos.
Rir dessas
situações. Sim. O que mais nos “salva” nessas horas é a ironia e o humor.
Tudo bem. Há
momentos em que temos que escolher entre A ou B, em vez de ficar em cima do
muro. Mas no exercício do pensamento, da reflexão, deve haver mais de duas
possibilidades.
O Mais
importante é não abrir mão da dúvida, de desconfiar de nossas verdades
“cômodas”. O pensamento científico, por exemplo, progride porque os cientistas
desconfiam, duvidam e testam suas teorias e conhecimentos.
***
A conversa que
tive com o adolescente voltou à lembrança nestes dias, com o atentado ao jornal
francês. Um dos temas, de novo, é “liberdade de expressão”. O que podemos falar
publicamente, assumindo o risco de sermos escolhidos como inimigos dessa ou
daquela ideologia – inclusive inimigos da “palavra de Deus” (ou inimigos dos que
acreditam e agem “em nome” de determinada divindade).
Parece que
caminhamos pra tudo quanto é lado, inclusive para trás. Mas o pior é que
aqueles que têm certeza de qual é o verdadeiro caminho a seguir, que nos leva
“para frente”, são os fanáticos, e esses são os mais perigosos à vida, pois
matam em nome de “verdades” para eles absolutas.
Rindo ou
chorando, considero que vivemos numa época em que os passos da humanidade,
diferente do andar do caranguejo, são absolutamente imprevisíveis.
sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
quinta-feira, 8 de janeiro de 2015
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
domingo, 4 de janeiro de 2015
Esboço da teoria da pessoa normal
Estamos esboçando a teoria da pessoa normal. Quem quiser pode contribuir.
Pessoa normal é aquela que cansou de ficar na crista da onda.
Pessoa normal é aquela que cansou de estar sempre na moda.
Pessoa normal é aquela que cansou de chegar sempre em primeiro.
Pessoa normal é aquela que cansou de competir como gato e rato.
Pessoa normal é aquela que cansou de ter a melhor selfie.
Pessoa normal é aquela que cansou de ter algumas dúzias de calçados e guarda-roupa lotado.
Pessoa normal é aquela que tá a fim de compartilhar:
- os espaços públicos de lazer...
- o respeito e cuidado dos idosos e dos bichos abandonados...
- ...
Agora, amigos, deixo para vocês sugerirem ações e comportamentos que nos caracterizam como pessoas normais...
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Novela - Elias José
A vaca amarela
ganhou uma rosa amarela
e uma declaração de amor
de um boi voador,
louquinho por ela.
A vaca amarela
sorriu, jogou beijo
e ficou mais bela.
O boi voador deu a ela
uma aliança de noivado.
Marcaram o casamento,
montaram uma casa.
O boi voador prometeu
não voar mais.
Na despedida de solteiro,
o boi voador resolveu voar
só um pouquinho...
Só que voou, voou,
e até hoje não voltou.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2015
Janela sobre o medo - Eduardo Galeano
Agora compreendo por que tanto barulho, tantos fogos, na virada do ano. Para Eduardo Galeano, "o medo do silêncio atordoa as ruas". E diz mais:
"O medo ameaça:
Se você amar, vai pegar aids.
Se fumar, vai ter câncer.
Se respirar, vai se contaminar.
Se beber, vai ter acidentes.
Se comer, vai ter colesterol.
Se falar, vai perder o emprego.
Se caminhar, vai ter violência.
Se pensar, vai ter angústia.
Se duvidar, vai ter loucura.
Se sentir, vai ter solidão."
(Do livro, As palavras andantes)
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Cada qual com sua quimera - Baudelaire
CADA QUAL COM SUA QUIMERA
Sob um grande céu cinzento, numa grande planície poeirenta, sem caminhos, sem gramados, sem uma urtiga, encontrei vários homens que andavam curvados.
Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera1, tão pesada quanto um saco de farinha ou de carvão, ou os apetrechos de um soldado da infantaria romana.
Mas a monstruosa besta não era um peso inerte; pelo contrário, envolvia e oprimia o homem com seus músculos elásticos e possantes; grampeava-se com suas duas vastas garras no peito de sua montaria; e sua cabeça fabulosa sobressaía acima da fronte do homem, como um daqueles capacetes horríveis com os quais os antigos guerreiros esperavam acirrar o terror inimigo.
Interroguei um desses homens, e perguntei-lhe aonde iam assim. Respondeu-me que de nada sabia, nem ele, nem os outros, mas que evidentemente iam a algum lugar, já que eram levados por uma invencível necessidade de andar.
Coisa curiosa de se notar: nenhum dos viajantes parecia irritado com a besta feroz pendurada em seu pescoço e colada em suas costas; dir-se-ia que a considerava como fazendo parte de si mesmo. Todos esses rostos cansados e sérios não demonstravam desespero; sob o céu, com os pés mergulhados na poeira de um solo tão desolado quanto este céu, eles caminhavam com fisionomia resignada daqueles que estão condenados a ter sempre esperança.
E o cortejo passou a meu lado e afundou na atmosfera do horizonte, no lugar em que a superfície arredondada do planeta se esquiva à curiosidade do olhar humano.
E, durante alguns instantes, teimei em querer compreender esse mistério; mas em seguida a irresistível indiferença se abateu sobre mim, e me deixou mais duramente oprimido do que eles próprios por suas esmagadoras Quimeras.
1 - QUIMERA- A Quimera, na mitologia grega, era um monstro que cuspia fogo, dotado de cabeça e peito de leão, tronco de cabra e cauda de dragão.
BAUDELAIRE, Charles. "Cada qual com sua Quimera" in: Pequenos Poemas em Prosa (O Spleen de Paris). São Paulo: Hedra, 2009. p. 47
quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
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