domingo, 3 de abril de 2011
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Ficção científica - José Paulo Paes
UM PLANETA DOS MAIS RAROS:
O SEU OURO ERA DE GRAÇA,
O LIXO CUSTAVA CARO.
O LIXO CUSTAVA CARO.
O ASTRONAUTA NÃO GOSTOU
E FOI-SE EMBORA. QUANDO
PENSOU ESTAR MUITO LONGE,
VIU-SE OUTRA VEZ CHEGANDO
NUM PLANETA ONDE, ALIÁS,
O EM-BAIXO FICAVA EM-CIMA
E A FRENTE ESTAVA POR TRÁS...
DEPOIS DE UMA VIAGEM
PELO ESPAÇO SIDERAL,
O ASTRONAUTA CHEGOU
AO SEU DESTINO FINAL:
UM PLANETA DIFERENTE
CUJO EM-CIMA ESTAVA EM-BAIXO
E O ATRÁS FICAVA NA FRENTE.
UM PLANETA TÃO ESTRANHO
QUE A SUJEIRA ERA LIMPA
E A ÁGUA TOMAVA BANHO.
UM PLANETA MESMO LOUCO,
ONDE O MUITO ERA NADA
E O TUDO, MUITO POUCO.
terça-feira, 29 de março de 2011
Os olhos, preguiçosos
Olhos preguiçosos
demoram para dizer
qual será a cor
do seu olhar.
Eles precisam seguir
lentamente
ser avançar crescer.
Novatos, tornam-se
indecisos e medrosos
e super-dimensionam
e se distraem
com as cores exteriores.
Penso nisso tudo
enquanto olho nos olhos da flor
amparada pelo leito do copo
em minha sala.
Sem nenhum medo
decidiu ir em frente
para eu poder admirá-la
eternamente.
A flor tem consciência
de que sua existência
depende do meu olhar...
segunda-feira, 28 de março de 2011
domingo, 27 de março de 2011
segunda-feira, 21 de março de 2011
Da difícil arte de redigir um telegrama
Há uma história famosa de uns parentes que tinham que comunicar por telegrama, a uma senhora que estava viajando, o falecimento de uma irmã. Reuniram-se em volta de uma mesa e toca a escrever. Primeiro foi o primo quem redigiu a nota. Depois de alguns minutos mostrou o resultado do seu trabalho: "INTERROMPA VIAGEM E VOLTE CORRENDO. TUA IRMÃ MORREU". Todos leram e um dos tios fez o seguinte comentário:
-Eu acho que não está bom. Afinal de contas, vocês sabem que ela é cardíaca, está viajando e um telegrama assim pode ser um choque. -Todos concordaram, inclusive um outro primo afastado que era sovina e achou o telegrama muito longo:
-Depois, com o preço que se paga por palavra, isso não é mais um telegrama, é um telegrana.
Ninguém riu do infame trocadilho, mesmo porque, velório não é lugar para gargalhadas. Foi a vez do cunhado tentar redigir uma forma mais amena que não assustasse a senhora em passeio. Sentou-se e escreveu: "INTERROMPA VIAGEM E VOLTE CORRENDO. TUA IRMÃ PASSANDO MUITO MAL". Novamente o telegrama não foi aprovado. Um irmão psicólogo observou:
-Não sejamos infantis. Se ela está viajando pela Europa e recebe esta notícia, não vai acreditar na história de "passando muito mal". Sobretudo com o "volte correndo" no meio.
-Também concordo - falou o primo afastado sempre pensando no custo. Então o genro aproximou-se:
-Acho que tenho a forma ideal. - Pegou no bloco e rabiscou rapidamente: "INTERROMPA VIAGEM E VOLTE DEVAGAR. TUA IRMÃ PASSANDO MAIS OU MENOS". Todos examinaram atentamente o telegrama. A filha reclamou:
-Vocês acham que mamãe é boba? Se a gente escrever que a tia está pasando mais ou menos e que ela pode voltar devagar, ela já vai adivinhar que todas estas precauções são pelo fato de ela ser cardíaca e que na realidade a irmã dela morreu!
-Concordo plenamente - disse o facultativo da família que era também sobrinho da senhora em questão. Resolveu, como médico, escrever o telegrama: "PACIENTE FORA DE PERIGO. VOLTE ASSIM QUE PUDER. PACIENTE TUA IRMÃ".
De todas as fórmulas até então apresentadas, esta foi a que causou mais revolta.
-Que troço imbecil - gritou o netinho que passeava pela sala no momento em que a mensagem era lida. Puseram o menino para fora da sala, mas no íntimo a família toda concordava com ele.
-Não, isso não. Se a gente mandar dizer que ela está fora de perigo, para que vamos pedir que ela interrompa a viagem? - argumentou o tio.
-Também acho - responderam todos num coro de aprovação. O filho mais velho resolveu tentar. Pensou bem, ponderou, sentou-se, molhou a ponta do lápis na língua e caprichou: "SE POSSÍVEL VOLTE. TUA IRMÃ SAUDOSA. PASSANDO QUASE MAL. POR FAVOR ACREDITE. CUIDADO CORAÇÃO. VENHA LOGO. SAUDADES SURPRESA".
-Realmente, esse bate todos os recordes! - disse uma nora professora. - Em primerio lugar não é "se possível", ela tem que voltar mesmo. Em segundo lugar, "saudosa" tem duplo sentido. Em terceiro lugar, ninguém passa "quase mal". Ou passa mal ou bem. "Quase mal" e "quase bem" é a mesma coisa. "Por favor acredite" é um insulto à família toda. Ninguém aqui é mentiroso. Depois "cuidado coração" não fica claro. Como telegrama não tem vírgula, ela pode pensar que a gente está dizendo "cuidado, coração", já que a palavra coração também é usada como uma forma carinhosa de chamar os outros. Por exemplo: "Oi, coração, tudo bem?" E finalmente a palavra "surpresa" no telegrama chega a ser um requinte de crueldade. Qual é a surpresa que ela pode esperar?
- Ela pode pensar que a tia está tendo neném - falou um sobrinho.
- Aos noventa anos de idade?
Abandonaram a idéia rapidamente. Seguiu-se um longo período de silêncio em que a família andava de lá pra cá, pensando numa solução. Pela primeira vez estavam se dando conta de que não era tão fácil assim mandar um telegrama. Serviu-se o costumeiro cafezinho, enquanto cada qual do seu lado procurava uma maneira de escrever para a senhora em viagem sem que isso tivesse consequências desastrosas. De repente o irmão psicólogo explodiu num grito eurekiano de descoberta:
-Achei!
Escreveu febrilmente no papel. O telegrama passou de mão em mão e foi finalmente aprovado por todo mundo. Seu texto dizia: "SIGA VIAGEM DIVIRTA-SE. TUA IRMÃ ESTÁ ÓTIMA".
quinta-feira, 17 de março de 2011
MINHA JANELA
Minha janela, Fulano,
quer ter vista para o mar
mas tem a vila, nos fundos
o bosque e o pomar.
São tantas janelas, Fulano,
posso ver tudo, se imaginar
mas as asas que libertam
não consigo encontrar.
A janela do meu mundo vê tudo, Fulano,
mas não diz nada
se o dissesse
pediria pra voar.
Todos querem voar, Fulano,
sonhadores de sacada
mas as janelas estão
gradeadas.
Da sacada o mundo se abre, Fulano,
despindo as almas da vila
o vento norte embala
cicatrizes no varal.
Dizem os políticos, Fulano,
que a vida pode ser colorida
basta encontrar dentro de nós
o Quixote do amanhã.
Cada movimento da vila, Fulano,
acelera meu coração
penso em mudar o mundo
mas me calo ao ouvir uma canção.
A música me tira do sério, Fulano,
igual vodka a passear pelas veias
é hora de requisitar a memória
e contemplar antigas quimeras.
As luzes coloridas e os fartos goles, Fulano,
de nada valem ante a janela
a se abrir e a fechar
janela do meu mundo
que os outros vão arrombar.
Não consigo alterar a rota do mundo, Fulano,
não quero emprestar tanto sonho
abandonarei o meu ego
meus amigos e meus pais.
Como conciliar tanta desgraça, Fulano,
e o medo de ser a melhor pessoa do mundo?
A ordem do mundo cabe
nas cruzadas do jornal
dança de letras entrelaçadas
no abismo vertical e horizontal
cabe em meu coração
que ainda sonha se libertar.
quer ter vista para o mar
mas tem a vila, nos fundos
o bosque e o pomar.
São tantas janelas, Fulano,
posso ver tudo, se imaginar
mas as asas que libertam
não consigo encontrar.
A janela do meu mundo vê tudo, Fulano,
mas não diz nada
se o dissesse
pediria pra voar.
Todos querem voar, Fulano,
sonhadores de sacada
mas as janelas estão
gradeadas.
Da sacada o mundo se abre, Fulano,
despindo as almas da vila
o vento norte embala
cicatrizes no varal.
Dizem os políticos, Fulano,
que a vida pode ser colorida
basta encontrar dentro de nós
o Quixote do amanhã.
Cada movimento da vila, Fulano,
acelera meu coração
penso em mudar o mundo
mas me calo ao ouvir uma canção.
A música me tira do sério, Fulano,
igual vodka a passear pelas veias
é hora de requisitar a memória
e contemplar antigas quimeras.
As luzes coloridas e os fartos goles, Fulano,
de nada valem ante a janela
a se abrir e a fechar
janela do meu mundo
que os outros vão arrombar.
Não consigo alterar a rota do mundo, Fulano,
não quero emprestar tanto sonho
abandonarei o meu ego
meus amigos e meus pais.
Como conciliar tanta desgraça, Fulano,
e o medo de ser a melhor pessoa do mundo?
A ordem do mundo cabe
nas cruzadas do jornal
dança de letras entrelaçadas
no abismo vertical e horizontal
cabe em meu coração
que ainda sonha se libertar.
domingo, 13 de março de 2011
Bola de meia, bola de gude - Milton Nascimento e Fernando Brant
Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...
Há um passado
No meu presente
O sol bem quente
Lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa
Me assombra
O menino me dá a mão...
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...
Pois não posso
Não devo e não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...
Bola de Meia! Bola de Gude
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...
Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...
Pois não posso
Não devo, não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...
Bola de Meia! Bola de Gude!
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...
Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...
Pois não posso
Não devo, não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...
Bola de Meia! Bola de Gude!
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...
Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...
sexta-feira, 11 de março de 2011
Motivo - Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
quinta-feira, 10 de março de 2011
NÓS DOIS
Alguns cruzam nosso caminho
embarcam no mesmo barco
dividem bancos e causos
e fazem morada
em nossos sentimentos.
Indecisos
outros passam
nem se deixam notar
seguem apressados
para habitar
o velho mundo
particular...
Assim vamos todos
sem duvidar
de nossas crenças e hábitos
aceitamos que o normal
seja comer, dormir,
trabalhar...
Num gesto inusitado
você endoidou os pólos
da bússula de meu barco
sentou-se do meu lado e,
com mistério e com carinho,
me mostrou novo caminho!
quarta-feira, 9 de março de 2011
SIMPLES
Simples e irradiando calor
meu amor me completa e persuade
sem medo e sem piedade.
Algumas vezes porém um ciume canibal
verte sangue de meus lábios e gengivas
risca meu dorso com unhas de gata bandida.
Nem adianta procurar a origem dessa ira
melhor dar um silêncio e esperar
a guria se acalmar.
Acontece que a turbulência se dá
porque nosso amor tem história
e geografia particular.
meu amor me completa e persuade
sem medo e sem piedade.
Algumas vezes porém um ciume canibal
verte sangue de meus lábios e gengivas
risca meu dorso com unhas de gata bandida.
Nem adianta procurar a origem dessa ira
melhor dar um silêncio e esperar
a guria se acalmar.
Acontece que a turbulência se dá
porque nosso amor tem história
e geografia particular.
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