sábado, 10 de outubro de 2015
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
O rato que tinha medo - Millôr Fernandes
Um Rato tinha medo de Gato. Nisso não era diferente dos outros ratos. Pavor, tremor, ânsia, vida incerta. Mas igual a todos outros de sua espécie, o nosso Rato teve, no entanto, um fato diferente em sua vida – encontrou-se com um Mágico(1).
Conversa vai, conversa vem, ele explicou ao Mágico a sua sina e o seu pavor. O Mágico, então, transformou-o exatamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um Gato. O Rato dai em diante, passou a perseguir os outros ratos, mas adquiriu imediatamente um medo horrível de cães. E nisso também, não sendo diferente de todos os outros gatos.
A única diferença foi que tornou a se encontrar com o Mágico. Falou-lhe então do seu novo medo e foi transformado outra vez na coisa que mais temia – um Cão, que pôs-se logo a perseguir os gatos. Mas passou a temer animais maiores: como Leão, Tigre, Onça, Boi, Cavalo, tudo. O Mágico surgiu mais uma vez e resolveu transformá-lo então, num Leão, o mais poderoso dos animais(2). Mas o nosso ratinho, guindado assim a letra O da classe animal, passou, porém, a recear quando ouvia passos de Caçador. Então o Mágico chegou, transformou-o de novo num Rato e disse, alto e bom som:
Moral: Meu filho, quem tem coração de rato, não adianta ser leão”.
Conversa vai, conversa vem, ele explicou ao Mágico a sua sina e o seu pavor. O Mágico, então, transformou-o exatamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um Gato. O Rato dai em diante, passou a perseguir os outros ratos, mas adquiriu imediatamente um medo horrível de cães. E nisso também, não sendo diferente de todos os outros gatos.
A única diferença foi que tornou a se encontrar com o Mágico. Falou-lhe então do seu novo medo e foi transformado outra vez na coisa que mais temia – um Cão, que pôs-se logo a perseguir os gatos. Mas passou a temer animais maiores: como Leão, Tigre, Onça, Boi, Cavalo, tudo. O Mágico surgiu mais uma vez e resolveu transformá-lo então, num Leão, o mais poderoso dos animais(2). Mas o nosso ratinho, guindado assim a letra O da classe animal, passou, porém, a recear quando ouvia passos de Caçador. Então o Mágico chegou, transformou-o de novo num Rato e disse, alto e bom som:
Moral: Meu filho, quem tem coração de rato, não adianta ser leão”.
domingo, 4 de outubro de 2015
O destino (à maneira dos... coreanos) - Millôr Fernandes
Encontraram-se os dois chineses.
— Olá, Shen-Tau, por onde andou?
— Ah, passei seis meses no hospital, Shin-Fon.
— Eh, isso é mau!
— Nada. Isso é bom: casei com uma enfermeira bacaninha.
— Ah, isso é bom!
— Que o que — isso é mau. Ela tem um gênio dos diabos.
— É, isso é mau.
— Não, não, isso é bom: o avô dela deixou uma herança e eu não preciso trabalhar porque ele acha que só eu sei cuidar do gênio dela.
— Oh, oh, isso é que é bom!
— Oh, oh, isso é que é mau! Com o gênio dela, às vezes não me dá um níquel. E como eu não trabalho, não tenho o que comer.
— Xi, isso é mau!
— Engano, isso é bom. Eu estava ficando gordo e mole — vê só, agora, o corpinho com que eu estou.
— É mesmo — isso é bom!
— Que bom! Isso é mau. As pequenas não me deixam e acabei gostando de outra.
— Êpa, isso é mau mesmo.
— Mau nada, isso é bom. Essa outra mora num verdadeiro palácio e me trata como um príncipe.
— Então isso é bom!
— Bom? Isso é mau: o palácio pegou fogo e foi tudo embora.
— Acho que isso é realmente mau!
— Mau nada: isso é bom. O palácio pegou fogo porque minha mulher foi lá brigar com a outra, virou um lampião e as duas morreram num incêndio. Eu fiquei rico e só.
— Isso… é bom… ou é mau, Shen-Tau?
— Isso é muito bom. Shin-Fon.
Moral: Nada fracassa mais do que a vitória, e vice-versa.
FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1979. p. 61-2.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Notícias de Marte
Quando ouço as notícias de Marte, olho admirado
pro céu e agradeço aos deuses pela sorte de ainda estar vivo e poder receber as novidades de lá. Invento desculpas, lavo minhas mãos e fujo da responsabilidade de melhorar a porra do nosso planetinha. Aristóteles se equivocou quando disse que sou animal político, dada minha condição de homem racional. Fico excitado com as notícias de que pode haver água em Marte, enquanto uso a mangueira pra ejacular metros e metros do precioso líquido pra limpar minha
calçada.
Jogo roleta russa. Apresso meus dias por aqui, e acredito encontrar a
salvação por lá.
(PENSADAS do Teco, o poeta sonhador)
sábado, 19 de setembro de 2015
Quem vem lá boiando no rio? - Ricardo Azevedo
É um barquinho de papel feito por um menino matando aula?
Uma folha de jornal?
Um baú de recordações?
Uma cédula de identidade?
Uma caixa-preta contendo verdades inexplicáveis?
Uma nota de mil?
Um mero ponto de vista?
Um artefato inútil?
Um manual de instruções?
Uma panaceia?
Anotações filosóficas atiradas ao léu?
Um plano de ação?
Um corpo afogado?
Pílulas anestésicas?
Pedaços picados de uma carta de amor?
Formas abstratas sem qualquer significado?
Mercadoria proibida por lei?
Um diário íntimo?
Um estupefaciente?
Um cheque sem fundo?
O resultado de um exame laboratorial?
Um documento falsificado?
Um brinquedo?
Um plágio?
Uma senha?
Uma sina?
Um cálice de veneno?
Uma prova de autoestima?
Um artigo de fé?
Um holerite?
Um canto de sereia?
Propaganda?
Letras de sangue contaminado por vírus?
A confissão de um crime ou de um sonho?
Uma garrafa trazendo a esperança
última de um náufrago?
Chegou a hora.
É urgente, urgentíssimo.
Torna-se imprescindível descobrir,
de uma vez por todas,
quem vem lá
boiando
nas palavras desse rio.
(Do livro Ninguém sabe o que é um poema).
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
Um apólogo - Machado de Assis
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
(Do livro Meus primeiros contos. Editora Nova Fronteira).
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Solução
Se a vida anda ácida
se tudo se arrasta
se um dia vale a pena
e noutro perde a graça
se a coisa não engrena
se a mula encascata
se a escada desmorona
diz um palavrão
te erga desta lona
se um dia você é tudo
e noutro dia é nada
a solução já foi testada:
um dia chupe limão
no outro limo
nada.
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Pedro Malasartes
Pedro montou uma
tendinha de ferreiro, e ia muito bem, ferrando cavalos que apareciam por ali,
ou fazendo outros servicinhos. Certo dia apareceram na sua tenda dois
peregrinos, um moço muito suave, e um velho de barbas brancas. Malasartes
pensou que queriam encomendar algum serviço e, pelo visto, coisa de pobre devia
ser, pois usavam túnicas grosseiras, e estavam descalços. Mas queriam apenas a
forja emprestada, por pouco tempo. O mais novo pegou uma velha que ia passando
pela rua, colocou-a em cima das brasas, soprou bem, apanhou a mulher com as
tenazes, colocou-a em cima da bigorna, e deu com o malho nela com vontade.
Malasartes espiava. E o velho espiava. Malha que malha, dali a pouco, quando
deu por acabado o serviço, o moço pôs a mulher no chão e da velha tinha feito
uma moça nova, bonita, sem nenhuma ruga. A moça saiu dançando, contente.
Malasartes assuntou:
- Esse deve ser Jesus
Cristo e o seu discípulo mais velho, São Pedro.
Horas mais tarde,
apareceu sozinho, na ferraria, o discípulo.
- Ferreiro,
empreste-me a forja por uns minutos?
- Como não?
São Pedro trouxe uma
velhinha pela mão e explicou:
- Vou deixar a minha
mãe bem moça e bonita.
Pôs a mãe na forja,
soprou, soprou, e logo a tenda se encheu de cheiro de carne queimada.
- Isso não vai bem,
São Pedro.
- Vai. É assim mesmo.
Tirou os torresmos do
fogo, colocou-os na bigorna, mas quando o malho desceu, espatifou carvão e
cinza para todos os lados. Saiu o velho, porta afora, desesperado, em busca do
Mestre. Trouxe-o e Jesus ajuntou os pedacinhos da velha, arrumou, alisou, pôs
na bigorna, malhou, e fez a velha como era, com o que São Pedro ainda se deu
por muito satisfeito. Iam partir e, antes, o Mestre chamou Malasartes para um
lado e disse-lhe:
- Pelo favor que nos
fez, peça-nos o que quiser.
São Pedro logo falou:
- Peça o reino do
céu, ferreiro.
- Que reino do céu?
Reino do céu não enche a barriga. Quero que aquele que se sentar no banquinho
que está aí diante da porta, não se levante sem eu mandar.
- Concedido – disse o
Cristo – Pode pedir mais uma graça.
- O reino do céu –
bradou São Pedro.
- Lá vem ele com o
tal do reino do céu. Quero que todo aquele que subir na figueira que tenho no
quintal não possa descer sem eu mandar.
- Concedido. E agora
peça a última graça.
- O reino do céu... –
gemeu São Pedro, assombrado por aquele homem não se importar com o descanso
eterno.
- Faça o favor de não
me aborrecer com essa história do reino do céu? Quero que quem entrar no meu
surrão nunca mais possa sair sem o meu consentimento.
- Concedido.
Saíram os peregrinos
e Malasartes ficou na bigorna, malho na mão, bam, bam, bam, pensando na estranha visita daqueles homens, e nos milagres
que presenciara. E então acudiu-lhe ao espírito que se ele tivesse pedido
dinheiro, bastante dinheiro, riquezas, certamente não precisaria estar batendo
malho, para obter algum dinheirinho, para comer.
- Sou um burro. Mas
já dou um jeito nisso.
Chamou o diabo e
disse:
- Que é que você quer
para me dar dinheiro?
- Muito?
- Naturalmente que
quero muito. Barras de ouro, carteiras cheias, dinheiro que nunca se acabe
enquanto eu viver, por mais que eu gaste. Isso é o que eu quero.
- Dê-me sua alma em
troca.
- Não tem dúvida.
Daqui a vinte anos pode vir me buscar.
Malasartes, desde
então, levou vida de fidalgo. Passeava a mais não poder, gastava a rodo, tinha
roupas belíssimas, carruagens, criados, adquiriu palácios, terras, milhares de
pessoas trabalhavam para ele. A sorte nos negócios jamais o abandonava. Negócio
em que punha a mão era certo prosperar. E assim ele levou vida boa e regalada.
Depressa passou o tempo, pois tão feliz lhe corria a vida. Mal se lembrava do
seu sócio o diabo, quando um dia chegou à janela e viu diante do portão a
figura temível do Danado. Construíra Malasartes um palácio no lugar da
tendinha, mas conservara, contra as opiniões do construtor, um banquinho de
madeira junto ao portão, uma figueira ramalhuda no quintal, e a tendinha de
ferreiro ao lado.
Vendo o diabo, Pedro
Malasartes se adiantou todo amável.
- Como vai o senhor?
Veio visitar-me?
- Vim buscar você.
Vinte anos já se passaram.
- Já? – estranhou
Malasartes, sinceramente admirado. – Então o senhor sente aí no banquinho e
espere um pouco. Vou pôr as minhas coisas em ordem.
O Diabo sentou e
esperou. E esperou. E esperou. Malasartes não aparecia. Não apareceu até a
noite. O Diabo foi se levantar, para esticar as pernas, e quem disse que podia
se despregar do banquinho? Forcejou por sair e quanto mais fazia, mais preso
ficava. Malasartes estava bem passeando. Quando voltou viu o Diabo urrando como
um desesperado, sem poder sair do banquinho. Riu a mais não poder, e falou:
- Se quiser sair daí,
consinto, mas em troca de mais cinquenta anos de vida. Vida boa e riquezas como
até aqui. Veja lá, hein?! E quero ficar moço e disposto durante todo esse
tempo, como estou até agora e como foi até hoje.
O diabo não teve
remédio senão concordar. Mal se viu livre do malfadado banquinho se escafedeu
para o inferno. E eis Pedro Malasartes, às soltas pelo mundo, fazendo artes e
malandragens quanto quis, moço, disposto, rico e gozando a vida. Nessas
condições, não admira que não sentisse passar o tempo. Um dia, quando assuntou,
cinquenta anos tinham se passado e o Diabo estava na sua porta novamente.
O Malvado foi logo
dizendo:
- Não quero me sentar
em banquinho nenhum. Vá tratando de arrumar a sua trouxa e vamos para o
inferno.
- Está bom, seu
Diabo. Não precisa brigar.
Pedro malasartes foi
para dentro e ficou. Passou uma hora, passaram duas e três. No quintal, o Diabo
via a figueira carregada de lindos figos escuros, madurinhos. Ele estava com
fome, fazia muito tempo que saíra do inferno, e, guloso, subiu à figueira e
comeu os deliciosos frutos, até se fartar. Quando foi descer, quem disse que
podia?
Experimentou
escorregar pelo tronco abaixo, parava no meio. Experimentou pular, armava o
pulo, largava o corpo, nem do lugar saía. Compreendeu então que estava
prisioneiro para sempre do Malasartes. Muitos e muitos dias levou o Malasartes
para voltar. Andava também pelo mundo, fazendo artes. Quando veio, encontrou um
Diabo sucumbido de desgosto, e disse:
- Eu consinto que o
senhor saia, seu Diabo. Mas, já sabe. Amor com amor se paga. O senhor me
concede aí uns cem aninhos mais. Já sabe como: vida boa, riquezas, saúde,
mocidade...
O Diabo concordou com
tudo quanto ele quis, e por cem anos o Pedro Malasartes desfrutou da mais bela
vida que alguém já teve até hoje. Um século depois, na porta do palácio
encontrava-se o mesmo Diabo.
- Entre, Seu Diabo.
Faça o favor. Por aqui. Venha ver a tendinha que eu morava, antes que o senhor,
bondosamente, me concedesse tantos favores.
O Diabo torceu o
nariz, a essa conversa, mas foi entrando. Não quis sentar, ficou em pé. Não
quis comer coisa alguma. Recusou ficar à sombra da árvore.
- Assim o senhor se
cansa. Espere um pouquinho que vou arrumar o meu surrão e já venho.
Demorou desta vez,
mas não muito. Nem sequer saiu de casa. Dali a pouco apareceu, arrastando um
grande surrão.
- Seu Diabo, o senhor
podia ajudar a amarrar meu surrão.
O Diabo não disse
nada. Foi. Quando se abaixou para amarrar o saco, Pedro Malasartes deu-lhe um empurrão
por trás, e o enfiou rapidamente no surrão. O Diabo esperneou quanto pôde,
pererecou que deu o dia, mas viu que não poderia sair. E daí deu de implorar ao
Malasartes que o acudisse.
- Ora, Senhor Diabo.
O senhor onde está, está muito bem. Eu vou acudi-lo para que o senhor me leve
para o inferno hoje ou daqui alguns anos? Não. Fique aí e bom proveito.
Mas depois que o
Diabo prometeu que nunca mais o procuraria, permitiu que ele se fosse.
Malasartes viveu mais
alguns anos e um dia morreu. Morreu e foi direitinho para o céu. Quando São
Pedro abriu a porta e deu com ele, bradou:
- Saia já daqui, seu
herege, seu danado. Vá para o inferno! Você não quis pedir o reino do céu ao
Mestre, agora se afomente!
- Pois então eu vou
para o inferno. Lá não há de ser ruim assim como dizem.
Foi. Bateu à porta,
veio o Vadio abrir, e quando deu com Malasartes, fez uma cara muito feia e
bradou:
- Passe daqui, Malasartes.
Pensa que me esqueci do banquinho, da figueira e do surrão? Já de minha porta,
e não me apareça mais.
Com toda paciência, Malasartes
desandou o caminho e foi à porta do céu, de novo.
Ali, contou a
história a São Pedro, e pediu:
- O senhor podia me
deixar ficar aqui na porta um pouco, descansando.
São Pedro encolheu os
ombros e não se importou mais com ele. Mas, nas idas e vindas do santo
porteiro, às vezes a portava ficava entreaberta. Pela fenda, o Malasartes
atirou o boné lá para dentro. Depois, queria, porque queria ir busca-lo.
- Pois vá, e não me
amole – respondeu São Pedro.
Malasartes, mais que
depressa, entrou e ficou.
- Eu daqui não saio.
Ouvi dizer que quem entra no céu não sai mais.
E então, para que
Malasartes não ficasse fazendo artes no céu, Deus fez erguer um monte de trigo
do tamanho de todas as nuvens juntas; mandou que os anjos misturassem alpiste,
milho e feijão a esse trigo. E mandou por último que o Malasartes separasse as
espécies. Quando já está quase tudo pronto, vem o vento forte e mistura de
novo. E dizem que até hoje o Malasartes está no céu, separando o trigo.
(Do livro Lendas e fábulas do Brasil.
Selecionadas, prefaciadas e recontadas por Ruth Guimarães. Ed. Cultrix)
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Sonhei com Rita Lee
Sonhei com Rita Lee. Ela fazia shows pelo Sul do país. No
intervalo de um show que ela fazia na vila onde nasci fui conversar com ela.
Disse-lhe que sou seu fã desde a música “Ovelha Negra”, do disco “Fruto
proibido”, lançado em 1975. Então ela falou da importância desse disco para a
história do rock nacional que surgia na época. A grata surpresa foi quando, no
meio da conversa, a rainha do rock brasileiro pediu para que eu falasse sobre
quem era o Teco poeta sonhador...
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Ovelha desgarrada
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