terça-feira, 16 de maio de 2017

O prazer de ouvir e contar histórias - Carlos Daitschman


A capital paranaense possui inúmeros contadores de histórias. Conheça um pouco dessa arte e também o trabalho de Carlos Daitschman, um dos pioneiros na retomada da arte de narrar, ouvir e dramatizar histórias na cidade.

“Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no ‘17’! O homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial… Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: ‘Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!’ Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando… até que o peixinho morreu afogado…”

O poema em prosa é do gaúcho Mario Quintana, chamado Velha História, publicado em 1976. É a primeira história de autor que o ator e contador de histórias Carlos Daitschman discursou profissionalmente, quando conseguiu que as pessoas imaginassem a literatura apenas ouvindo-o, sozinho, sem adereço ou objeto para efeito especial. Daitschman é um dos pioneiros da retomada da contação de histórias em Curitiba. Ele começou na década de 90 e hoje, além de trabalhar com grupos e comunidades através da Fundação Cultural de Curitiba, atua no projeto Curitiba Qual é a Sua, junto com Lúcia Sartori, que pretende conhecer as origens dos habitantes locais.
Daitschman é exemplo de como o gosto por literatura faz a diferença na vida das pessoas. Nascido em Curitiba em 1955, foi recém-nascido para Paranaguá e só voltou à capital para estudar, aos 14 anos. Veio morar com a avó, em uma casa antiga onde, por ser tímido, se escondia atrás dos livros. “Minha mãe diz que contava histórias para a gente dormir, mas não me recordo, tenho uma memória terrível de infância; mas sei que existiam livros na estante de casa ao meu alcance, assim como as enciclopédias Barsa e Larousse na mesa do meu pai”, conta. “Havia muito Monteiro Lobato, também A Sabedoria da Índia e da China, e quando já tinha lido todos peguei os de adultos, até um do Henry Miller que sumiu quando descobriram que eu estava lendo.”
O tempo passou, Daitschman pensou em fazer Engenharia Química, mas desistiu pela falta de aptidão com as ciências exatas, e acabou na faculdade de Psicologia. Na época, já possuía certa sensibilidade artística, pois participara de um Festival de Arte no Colégio Estadual, mas o despertar ocorreu quando cursou uma oficina ministrada por Antonio Carlos Kraide. Seguiu-se a carreira de ator e, em 1991, passou num concurso para a Fundação Cultural de Curitiba. Trabalhou em centros culturais da instituição e, em 1995, foi convidado a contar histórias nas bibliotecas. “Sai contando histórias para crianças, depois para adultos. Percebi rapidamente que não era uma brincadeira, que mexia profundamente com as pessoas. Quando fui a hospitais psiquiátricos, a pedido de ex-colegas de faculdade, começaram a acontecer coisas como, por exemplo, pacientes que não entravam em contato verbal começarem a contar histórias e cantar junto quando eu instigava. Então decidi estudar psicologia, antropologia, história das civilizações e hoje sei que não sei nada, mas estou em busca da história essencial, que é a história comum, de todos nós.”
Ele explica as diferenças entre o trabalho do contador e do ator. “O contador de histórias é uma espécie de ator, mas com o personagem você interpreta, tem que fazer o outro acreditar que é aquilo. Para mim, a grande diferença, e só fui descobrir muito depois que comecei, é que um contador nunca é maior que a história que ele conta.” A busca de Daitschman são as histórias populares (de lobisomem, boi tatá) que geralmente não estão escritas, mas fazem parte de tradições folclóricas. “Com o tempo percebi a importância de escutar e saber a história de cada indivíduo. Na verdade, colocamos as pessoas em papéis, só que elas são mais do que a gente define. Os problemas, as emoções, as paixões estão em todos os lugares. O que há são diferenças sociais, econômicas e culturais no sentido de educação formal. Mas posso afirmar que algumas pessoas que me ensinaram muito não sabem nem ler, nem escrever, pois quando você se abre para a escuta, cria-se um vínculo muito forte.” Nas narrativas escolhidas pelo artista, não existe moral pronta. “Não gosto de histórias como ‘era uma vez um menininho que não sabia dizer bom dia’, porque a criança já sabe onde vai dar. Não tenho nada a ensinar, só conto histórias que têm sentido para mim, pois se não há empatia não haverá verdade.”

Do site https://melissacrocetti.wordpress.com/2010/07/15/era-uma-vez/

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Aquele clube - Carlos Drummond de Andrade


E se a desconfiança vira paranoia?

O Clube dos Desconfiados teve existência breve. Sua utilidade era indiscutível. Por isso congregou inúmeros desconfiados, que em sociedade se sentiram mais garantidos sobre possíveis más intenções e surpresas desagradáveis. Uma vez reunidos e organizados, com estatutos e diretoria, passaram a desconfiar dos outros e de si mesmos. Marcada assembleia-geral extraordinária para exame da situação, ninguém compareceu.
Ficaram todos na esquina próxima, espiando quem entrava na sede. O porteiro, desconfiadíssimo, sumiu.

domingo, 14 de maio de 2017

Autoajuda poética - Claudia Tajes


Os autores de autoajuda que não se ofendam, mas o que vem a seguir é resultado de uma pesquisa da Universidade de Liverpool, publicada em 2013. Postada aqui e ali, a tal pesquisa voltou à ativa. Diz o seguinte: “Especialistas em ciência, psicologia e literatura descobriram que a poesia é mais útil que os livros de autoajuda por afetar o lado direito do cérebro, onde são armazenadas nossas informações autobiográficas, ajudando a refletir sobre elas e entendê-las a partir de outras perspectivas”. Estava por baixo da carne seca e fiz o teste. Ao ler a ironia amarga de Fernando Pessoa na voz de Álvaro de Campos – “Nunca conheci na vida quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo” –, encontrei consolo. Ao topar com uma pílula de autoajuda – “Um homem só está derrotado quando desiste” –, quase me deprimi para sempre.
Já que funcionou, busquei remédio para outras mazelas na farmacopeia poética brasileira. Problemas com a família? Tente Meireles, Cecília: “Minha família anda longe. Reflete-se em minha vida, mas não acontece nada: por mais que eu esteja lembrada, ela se faz de esquecida: não há comunicação!”.
De repente, uma canseira? Tome Manuel Bandeira: “Estou farto do lirismo comedido / Do lirismo bem comportado / Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente / protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor”.
Se chegou ao seu limite, Leminski: “Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso”.
Para todos os dias da semana, Quintana: “O mais feroz dos animais domésticos / É o relógio de parede: conheço um que já devorou / três gerações da minha família”.
E se o caso for de amor, sofrido ou correspondido, quem mais senão Drummond? “Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde.”
Para deixar uma pulga atrás da orelha, uma dose de Angélica Freitas: “Quando você viu na tv /aquelas pessoas em fila na chuva / à noite numa estrada / na fronteira de um país que não as deseja / (…)  não pensou duas vezes / nem trocou o canal / e foi pegar comida / na geladeira”. Ou então, Waly Salomão: “O que menos quero pro meu dia / polidez, boas maneiras / Por certo, um Professor de Etiquetas / não presenciou o ato em que fui concebido”.
De Antonio Cicero, bom para todas as horas, fica uma pequena prova: “Eu viveria tantas mortes / morreria tantas vidas / jamais me queixaria/ jamais”.
E quando o amor é tanto que nos derrete, Fabrício Corsaletti: “Se eu fosse um travesti usaria o seu nome/ se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome”.
É possível encontrar poemas para todos os estados de espírito. Os bons poetas brasileiros são incontáveis, e os ruins ocupariam uma enciclopédia inteira, se ainda existissem enciclopédias. Desculpem só dois gaúchos, Quintana e Angélica, nessa lista. Não quis magoar os amigos poetas mais próximos deixando um ou vários de fora – então espero não ter magoado todos. Os estrangeiros ficam para o próximo tratamento. Sobre autoajuda e poesia, o caso mais curioso é o de Clarice Lispector, que não foi poeta na vida, mas tem seus supostos versos divulgados em sites, páginas, e-mails, bloquinhos, ímãs de geladeira, panos de prato, azulejos, camisetas, canecas e, se duvidar, cuecas. Já que é assim, e como é Dia das Mães, encerro com uma frase que, afirma a internet, é da Clarice. Se não for, fica a intenção: “À medida em que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme”.
(Zero Hora, 13 e 14 de maio de 2017)

sábado, 13 de maio de 2017

RAZÃO - L. F. Verissimo


(Da série "Poesia numa hora destas?!")

Você quer razão para um porre?
No fim deste corre-corre
- a gente morre!

Esses adolescentes


Adolescentes falam rápido demais. Onde querem chegar com tanta pressa?

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...