domingo, 7 de maio de 2017

Uma luz na neblina


A casa toda é uma bagunça, como o quarto do adolescente. A vida parece descarrilada. Parte é o caos do seu país, e outra parte aceita na sua conta. 
Tudo se repete. Não sabe pra onde vai.
Nessas horas, alguns fios de conversa com amigas ou até conhecidos, uma sugestão, uma lembrança boa, ela vê despontar uma luz. Pelo menos durante uns dois dias. 
Como a chuva rápida que refresca o clima, a angústia empalidece. Corre, reorganiza os livros da estante, empolga-se de novo com trechos soltos que um dia sublinhara com sincera emoção. 
Canta, não apenas no chuveiro, músicas que emergem do fundo de sua alma.
E de novo ela junta as peças, dá-lhes um sentido. Sim, a confusão não se foi de todo, a angústia é um tigre a espreitar. Mas agora ela ri, pouco importa se está sem pai. Filosofa: a falta de sentido também faz parte do jogo. Se há salvação, por que tanta gente depende de um pai, seja um governo, um líder religioso ou educacional? Ou inventaram a "salvação" por causa de sua dependência?
Agora ela ri dos seus limites. E dos outros. Os que precisam de um pai, que seja bússola no horizonte.
A multidão suplica, xinga, grita. De sua janela, não disfarça o semblante cético. Parece que se dissipou a névoa. Em suas mãos eu vejo um cartaz: fuck you

sexta-feira, 5 de maio de 2017

O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio - Charles Bukowski


“Outro dia, fiquei pensando no mundo sem mim. Há o mundo continuando a fazer o que faz. E eu não estou lá. Muito estranho. Penso no caminhão do lixo passando e levando o lixo e eu não estou lá. Ou o jornal jogado no jardim e eu não estou lá para pegá-lo. Impossível.
E, pior, algum tempo depois de estar morto, vou ser verdadeiramente descoberto.
E todos aqueles que tinham medo de mim ou que me odiavam enquanto eu estava vivo vão subitamente me aceitar. Minhas palavras vão estar em todos os lugares. Vão se formar clubes e sociedades. Será nojento. Será feito um filme sobre a minha vida. Me farão muito mais corajoso e talentoso do que sou. Muito mais.
Será suficiente para fazer os deuses vomitarem.
A raça humana exagera tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância.”
***
Todas aquelas pessoas. O que estão fazendo? O que estão pensando? Todos nós vamos morrer, que circo! 
Só isso deveria fazer com que amássemos uns aos outros, mas não faz. Somos aterrorizados e esmagados pelas trivialidades, somos devorados por nada.”

***
Somos feitos de papel. Existimos graças à sorte, no meio de percentagens, temporariamente. E isso é a parte melhor e a parte pior, a questão temporal. E não há nada a fazer. (…) Podemos mudar a nossa aceitação, mas talvez isso também seja errado. Se calhar pensamos demais. É preciso sentir mais, pensar menos.
***
“Não há nada mais para se lamentar a respeito da morte do que se lamenta o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas vivem ou não vivem até suas mortes. Elas não honram suas próprias vidas, elas mijam em suas próprias vidas. Elas a jogam fora. Idiotas de merda. Se concentram demais em sexo, filmes, dinheiro, família e sexo. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Logo esquecem como se pensa, deixam os outros pensarem por elas. Seus cérebros estão entulhados de algodão. São feias, falam feio, andam feio. Toque as grandes músicas do século para eles e eles não vão ouvir. A maioria das mortes das pessoas é um engano. Não sobrou nada para morrer”.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma história quase mínima


Quando a vejo brincar com um bebê, dar papinha e emitir aqueles sons de professora de maternal, espanta-se o meu amor.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

Augusto Monterroso - O grilo professor


Será que esta fábula ainda é atual para pensarmos nossas escolas? 
Este autor afirmou: "Os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los".


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Vamos acabar com esta folga - Stanislaw Ponte Preta


O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...