quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma história quase mínima


Quando a vejo brincar com um bebê, dar papinha e emitir aqueles sons de professora de maternal, espanta-se o meu amor.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

Augusto Monterroso - O grilo professor


Será que esta fábula ainda é atual para pensarmos nossas escolas? 
Este autor afirmou: "Os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los".


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Vamos acabar com esta folga - Stanislaw Ponte Preta


O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

o homem no piano - Charles Bukowski


O homem ao piano toca uma música que ele não compôs, canta palavras que não são suas, em um piano que não é seu.
Enquanto as pessoas à mesa comem, bebem e conversam, o homem ao piano termina sem aplausos.
Então começa a tocar uma nova canção que ele não escreveu...
Começa a cantar palavras que não são suas, em uma piano que não é seu...
E como as pessoas às mesas continuam a comer, beber e conversar, quando ele termina sem ser aplaudido, ele anuncia pelo microfone que vai fazer uma pausa de dez minutos.
Ele vai até o banheiro masculino, entra em um reservado, tranca a porta, senta, puxa um baseado e acende, satisfeito de não estar ao piano. E as pessoas às mesas - comendo, bebendo e conversando - satisfeitas por ele também não estar lá.

Assim acontece em quase toda a parte, com todos e com tudo, enquanto ferozmente, no interior, o gueto negro incendeia.

Charles Bukowski "The man at the piano"

sábado, 29 de abril de 2017

Filhos - L. F. Verissimo


Tem a história daquele pai que concebeu dois filhos, Adão e Eva. Naquele tempo, não precisava mãe. O pai fez o que pôde pelas crianças. Elas tinham tudo, nunca lhes faltou alimento ou agasalho. Se queriam um cachorro ou um macaco para brincar, o pai fazia. 
Se queriam uma pizza, o pai criava, ou mandava buscar. Se queriam saber como era o mundo lá fora, o pai dizia que não precisavam saber. Eles não eram felizes não sabendo nada, ou só sabendo o que o pai sabia por eles? A felicidade era não saber. As crianças eram felizes porque não sabiam.

Adão ainda era acomodado, mas a Evinha... Um dia, o pai a pegou descascando uma banana. Nem ele sabia o que a banana tinha por dentro, mas a danada da menina descobriu e, antes que ele pudesse dizer “Dessa fruta não co...”, ela já tinha comido. E gostado. 
Foi então que ele decidiu impor sua autoridade paterna, pelo menos na área dos hortifrutigranjeiros, e determinar quais frutas do jardim podiam e não podiam ser comidas, e escolheu uma fruta como a mais proibida, pois se comesse dela a menina saberia. Saberia o quê? O pai não especificou. Só disse que o que ela saberia seria terrível, e que depois não se queixasse.

Eva comeu da fruta mais proibida, claro, e o pai foi tomado de grande tristeza. E disse a Eva que agora ela sabia o que não precisava saber, e que nunca mais seria a mesma.
– O que eu sei de tão terrível que não sabia antes? – perguntou Eva, ainda mastigando a fruta proibida.
– Que você pode desobedecer. Que você pode escolher, e pensar com a própria cabeça, e me desafiar.
E então o pai disse a frase mais triste que um pai pode dizer a um filho:
– Que você não é mais uma criança.

E Eva cresceu diante dos olhos do pai, e no momento seguinte já estava dizendo que queria morar sozinha, e fazer bolsa de inglês em Nova York, e saber como era o mundo lá fora. E Deus disse que ela podia ir, e que levasse o palerma do Adão com ela. E que os dois jamais voltassem e pedissem sua ignorância de volta.

(Zero Hora, sábado e domingo, 29 e 30 de abril 2017)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...