terça-feira, 25 de abril de 2017

Hemingway e a felicidade


Constatamos, principalmente nas redes sociais, que a maioria anda obcecada por mostrar o quanto é feliz... Seja no cuidado pela escolha da melhor selfie... Seja em seus outros "auto-marketings". 
Olha o que "O Cara" disse, bem antes da internet...


segunda-feira, 24 de abril de 2017

"A ideia de vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada" - Adam Phillips


“Um dos mais influentes psicanalistas da Inglaterra, autor de dez livros e editor da nova tradução da obra de Sigmund Freud (1856-1939), Adam Phillips, mais parece um profeta do que um homem da ciência. Pelo menos essa é a ideia que se tem depois de ler a entrevista que ele concedeu à revista Veja em 12 de março de 2003, “Páginas amarelas”), mas que sete anos depois me parece atualizadíssima as questões erguidas por ele, da qual se extraíram as dez denúncias abaixo numeradas:

1. Hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. É como se o mundo pudesse existir sem essas coisas.
2. A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.
3. Hoje todo mundo fala de sexo, mas ninguém diz nada interessante. É uma conversa estereotipada atrás da outra. Vemos exageros até com crianças, que aprendem danças sensuais e são expostas ao assunto muito cedo. Estamos cada vez mais infelizes e desesperados, com o estilo de vida que levamos.
4. Nos consultórios, qualquer tristeza é chamada de depressão.
5. As crianças entram na corrida pelo sucesso muito cedo e ficam sem tempo para sonhar.
6. No século 14, se as pessoas fossem perguntadas sobre o que queriam da vida, diriam que buscavam a salvação divina. Hoje a resposta é: “ser rico e famoso”. Existe uma espécie de culto que faz com que as pessoas não consigam enxergar o que realmente querem da vida.
7. Os pais criam limites que a cultura não sanciona. Por exemplo: alguns pais tentam controlar a dieta dos filhos, dizendo que é mais saudável comer verduras do que salgadinhos, enquanto as propagandas dão a mensagem diametralmente oposta. O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento sexual dos adolescentes. Muitos pais procuram argumentar que é necessário ter um comportamento responsável enquanto a mídia diz que não há limites.
8. [Precisamos] instruir as crianças a interpretar a cultura em que vivemos, ensiná-las a ser críticas, mostrar que as propagandas não são ordens e devem ser analisadas.
9. Uma coisa precisa ficar clara de uma vez por todas: embora reclamem, as crianças dependem do controle dos adultos. Quando não têm esse controle, sentem-se completamente poderosas, mas ao mesmo tempo perdidas. Hoje há muitos pais com medo dos próprios filhos.
10. Ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer. Os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço, acessível. Deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”. Todos precisam de um espaço para falar e refletir sobre sua vida.”

VIA: O mundo como ele é
Do site http://pensadoranonimo.com.br/ideia-de-uma-vida-boa-foi-substituida-pela-de-uma-vida-ser-invejada/

Emília - Monteiro Lobato



Monteiro Lobato



quarta-feira, 19 de abril de 2017

A empregada do Dr. Heitor - Rubem Braga

Era noitinha em Vila Isabel... As famílias jantavam. Os que ainda não haviam jantado chegavam nos ônibus e nos bondes. Chegavam com aquela cara típica de quem vem da cidade. Os homens que voltam do trabalho da cidade. As mulheres que voltam das compras na cidade. Caras de bondes, caras de ônibus. As mulheres trazem as bolsas, os homens trazem os vespertinos. Cada um entrará em sua casa. Se o homem tiver um cachorro, o cachorro o receberá no portãozinho, batendo o rabo. Se o homem tiver filhos, os filhos o receberão batendo palmas. Ele dará um beijinho mole na testa da mulher. A mulher mandará a empregada pôr a janta, e perguntará se ele quer tomar banho. Se houver rádio, o rádio será ligado. O rádio tocará um fox. Ouvindo o fox, o homem pensará na prestação do rádio, a mulher pensará em outra besteira idêntica. O homem dirá à empregada para dar comida às crianças. A mulher dirá que as crianças já comeram. A empregada servirá a mesa. Depois lavará os pratos. Depois irá para o portão. O homem conversará com mulher dizendo “ mas, minha filha, eu não tive tempo...". A mulher ficará um pouco aborrecida e como nenhum dos dois terá ânimo para discutir, ela dirá: “mas, meu bem, você nunca tem tempo...". Então o homem, para concordar com alguma coisa, concordará com o seguinte: a empregada atual é melhor que a outra. A outra era muito malcriada. Muito. Era demais. Essa agora é boazinha. Depois, sem propósito nenhum, o homem dará um suspiro. A mulher olhará o relógio. O homem perguntará que horas são. A mulher olhará outra vez, porque não tinha reparado.
- Oito e quinze...

No relógio da sala de jantar do vizinho serão quase oito e vinte. Em compensação a família é maior. O velho estará perguntando ao filho se o chefe da repartição já está bom. Na véspera o filho dissera ao pai que o chefe da repartição estava doente. O velho é aposentado. O filho está na mesma repartição onde ele esteve. A filha está em outra repartição. Eles têm um amigo que é importante na Prefeitura. Todos os três gostam de conversar a respeito da repartição. Talvez mesmo não gostem de conversar a esse respeito. Mas conversam. A casa da família é uma repartição. O velho está aposentado, não assina mais o ponto. A moça saiu com o namorado que é quase noivo e que a levará ao Bouleward, à Praça, ao cinema. Eles vão acompanhados da menorzinha. A moça na repartição ganha 450, mas só recebe 410 miliquinhentos, e se julga independente. A sua tia costuma dizer aos conhecidos: ela tem um bom emprego. O emprego é tão bom que ela às vezes até trabalha. Ela um dia se casará e será muito infeliz. Perderá o emprego por causa de uma injustiça e negócios de política, quando mudar o prefeito e o amigo de seu pai for aposentado. Depois do primeiro filho ficará doente e morrerá. A criança também morrerá. Também, coitadinha, viver sem mãe não vale a pena. A tia chorará muito e comentará: coitada, tão moça, tão boa... E continuará vivendo. Aliás a vida é muito triste. Essa opinião é defendida, entre outras pessoas, pela cozinheira da casa, que já está velha e nunca vai ao portão porque não tem nada que fazer no portão. É uma mulata desdentada e triste, que há quinze anos responde à mesma dona-de-casa: “eu já vou, dona Maria". E há quinze anos vai fazer o que dona Maria manda. E que nunca teve uma ideia interessante, por exemplo matar dona Maria, incendiar a casa. Está tão cansada de viver que nem sequer mais quebra os pratos. Um dia ficará mais doente. Com muito trabalho, e por ser um homem de bom coração, o seu patrão arranjará para ela um leito na Santa Casa, onde ela falecerá. Seu corpo será aproveitado no Instituto Anatômico, mais escuro e mais feio pelo formol.

As luzes estão acesas em todas as casas daquela rua quieta de Vila Isabel. Um homem dobra a esquina: vem do Boulevard. Outro homem dobra a esquina: vai ao Boulevard. Algumas empregadas amam. Algumas famílias vão ao cinema.

De longe vem um rumor, um canto. Vem chegando. Toda gente quer ver. São quinze, vinte moleques. Devem ser jornaleiros, talvez engraxates, talvez moleques simples. Nenhum tem mais de quinze anos. É uma garotada suja. Todos andam e cantam um samba, batendo palmas para a cadência. Passam assim, cantando alto, uns rindo, outros muito sérios, todas se divertindo extraordinariamente. O coro termina, e uma voz de criança canta dois versos que outra voz completa. E o coro recomeça. Eles vão andando depressa como se marchassem para a guerra. O batido das palmas dobra a esquina. Ide, garotos de Vila Isabel. Ide batendo as mãos, marchando, cantando. Ide, filhos do samba, ide cantando para a vida que vos separará e vos humilhará um a um pelas esquinas do mundo.

O menino, filho do Dr. Heitor, ficou com inveja, olhando aqueles meninos sujos que cantavam e iam livres e juntos pela rua. A empregada do Dr. Heitor disse que aqueles eram os moleques, e que estava na hora de dormir. A empregada do Dr. Heitor é de cor parda e namora um garboso militar que uma noite não virá ao portão e depois nunca mais aparecerá, deixando a empregada do Dr. Heitor à sua espera e à espera de alguma coisa. De alguma coisa que será um molequinho vivo que cantará samba na rua, marchando, batendo palmas, desentoando com ardor.

Rubem Braga (Fevereiro, 1935)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...