terça-feira, 18 de abril de 2017

Mudanças no galinheiro, mudam as coisas por inteiro - Sylvia Orthof


O Sol estava resfriado e tinha tomado uma aspirina. Mesmo assim, o nariz continuava a pingar, muito roxo-rosado, que é a cor do nariz do Sol, quando ele está resfriado.
Como o Sol estava muito chateado, sentindo calafrios, que são uns arrepios que sacodem a gente quando a febre é alta, pegou no telefone e telefonou para a Lua.
A Lua ouviu o telefone tocar, mas, como estava ocupada, chamou o Dragão, que é o cachorrinho dela.
O Dragão atendeu assim:
- Alô! Casa de dona Lua Nova!
O Sol, muito rouco, disse que precisava falar com ela, mas o Dragão respondeu que a dona Lua Nova estava ocupada e não podia atender.
O Sol ficou danado da vida, teve mais vinte e oito arrepios, sua febre aumentou até milhões de graus e gritou, quase sem voz:
- Anda logo, dona Lua Nova tem quem me atender!!!
O Dragão largou o telefone enganchado no dedo de um astronauta que ia passando e foi chamar dona Lua Nova.
Ele, o Dragão, era um tipo acostumado a obedecer a qualquer pessoa que falasse mais alto, muito nervoso, cuspindo um fogo bem fraquinho pelo nariz, tal como dizem que os dragões fazem. Era só dizer qualquer coisa, ele fazia, sem perguntar.
Como o Dragão tinha ouvido dizer que dragão soltava foguinho pelo nariz, ele também soltava, bem devagarzinho...
Não é que gostasse, achava até que não era muito agradável soltar fogo e puxar fumaça pro pulmão, mas fazia.
Dona Lua Nova foi atender, furiosa:
-Alô!!!
- Quem fala?
- É dona Lua Nova, seu Sol idiota! Manda chamar e depois fica perguntando quem é?
- É que estou rouco e não escuto direito! - respondeu o Sol. Dona Lua ficou ainda mais furiosa com a resposta e falou:
- Diga logo qual é a pressa do assunto, estou ocupada!
- Fazendo o quê? - perguntou o Sol.
- Lendo o jornal no banheiro e fazendo o que não é da sua conta!
- É que eu estou com gripe, muito doente, estou com febre, muito alta, tomei aspirina e não adiantou. Deitei, me cobri, não adiantou. Então estou avisando que hoje não vou poder trabalhar, talvez a senhora possa dar um jeito.
- Quer dizer que hoje não vai ter dia?
- É! - espirrou o Sol. - Atchim!
- Quer dizer que o pessoal da Terra vai ter duas noites seguidas, sem um dia no meio?
- Atchim! - respondeu o Sol.
O espirro foi tão forte, que desligou o telefone.
Dona Lua Nova ficou nervosíssima. [...]
- Jeremias!
Esqueci de dizer que o Dragão se chamava Severino, mas a Lua, só de implicância, mudou o nome dele.
            O Dragão nem reclamou, porque aceitava as coisas com muita mansidão.
            - Senhora? - respondeu Severino, que era dragão e atendia pelo nome de Jeremias.
            - Apronta meu café, vou ter que sair novamente. O Sol está gripado, não pode trabalhar hoje. [...]
O Dragão trouxe pão, manteiga, geléia de jabuticaba, ovos estrelados e leite. A Lua comeu tudo e virou Lua Cheia, toda redonda. [...]
Quando a Lua Cheia apareceu novamente no céu, de dia, foi um espanto!
O galo ia cantar, olhou pra cima, não viu o Sol e ficou de boca aberta, sem entender onde o dia tinha ido parar.
            Como não havia Sol, o galo ficou chateadíssimo e começou a implicar com a galinha:
            - O galinheiro está uma desordem, você é péssima dona-de-casa, não cuida direito dos pintinhos, etc, etc, etc e tal.
            A galinha reparou que o Sol não estava no céu e que a Lua tinha voltado.
            Como o Sol é patrão do galo e galo tem mania de mandar em galinha, a galinha pensou, pensou, pensou e concluiu:
            - Se o galo não pode cantar porque o Sol sumiu do céu, é porque o galo não manda coisa alguma, porque, se mandasse, cantava. O galo implica comigo porque sou fraca, fraca.
Sou fraca, mas se eu resolver mudar, eu mudo!
A galinha subiu no poleiro, tomou coragem e falou:
- Se a casa está em desordem, a culpa é minha, mas também é do galo. Afinal, a casa é nossa. Ele que ajude... e se os pintinhos estão malcuidados é porque meu marido só faz cantar de galo, esquece de conversar com os filhos, esquece de ser amigo da gente.
            Aí, ela ficou tão nervosa, tão nervosa, que abriu a boca
e cantou:
            - Cocoricó!
            Quando a galinha cantou, o Dragão descobriu que tinha chegado a hora dos fracos...
            Pegou um pára-quedas e desceu lá de cima, gritando:
            - Meu nome não é Jeremias, meu nome é Severino!
Aí, a Lua pensou:
- Se o Sol está doente, por que será que eu tenho que trabalhar, sem receber um pagamento extra?
            A Lua foi pedir trezentos e cinqüenta e oito reais pro Sol, como pagamento por trabalhar fora do horário.
O Sol, quando ouviu falar em pagamento, ficou logo bom. Mais um dia de gripe seria muito caro.
O Dragão começou a exigir respeito e voltou a ser chamado pelo nome verdadeiro: Severino.
            Deixou também de fazer o que não gostava, passando a não soltar mais fogo pelo nariz.
            Agora, o mais importante mesmo foi que a galinha aprendeu a cantar.
            Afinal... as mudanças no galinheiro, mudaram as coisas por inteiro!

terça-feira, 11 de abril de 2017

Intertextualidade


Para entender o que é o conceito de "intertextualidade", um exemplo divertido. O jogo do "não confunda": Não confunda "bife à milanesa" com "bife ali na mesa", Não confunda "conhaque de alcatrão" com "catraca de canhão", Não confunda "força da opinião pública" com "opinião da força pública". Como se vê, é possível elaborar um texto novo a partir de um texto já existente. É assim que os textos "conversam" entre si. É comum encontrar ecos ou referências de um texto em outro. A essa relação se dá o nome de intertextualidade. 
Há vários exemplos de intertextualidade na literatura. Veja, a seguir, como Ricardo Azevedo brinca com o famoso poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade.

Quadrilha - Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que 
amava Lili que não amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o 
convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para 
tia, Joaquim suicidou-se e 
Lili casou-se com J. Pinto Fernandes que não 
tinha entrado na história.

Quadrilha da sujeira - Ricardo Azevedo

João joga um palitinho de sorvete na 
rua de Teresa que joga uma latinha de 
refrigerante na rua de Raimundo que 
joga um saquinho plástico na rua de Joaquim que 
joga uma garrafinha velha na rua de Lili. 
Lili joga um pedacinho de isopor na 
rua de João que joga uma embalagenzinha de 
não sei o quê na rua de Teresa que 
joga um lencinho de papel na rua de Raimundo 
que joga uma tampinha de refrigerante 
na rua de Joaquim que joga um papelzinho 
de bala na rua de J.Pinto Fernandes 
que ainda nem tinha entrado na história. 
Do site  https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/intertextualidade-textos-conversam-entre-si.htm

sábado, 8 de abril de 2017

Eu cá, detesto putos!


 Que não haja dúvidas, detesto putos!

   Detesto-os porque são mais novos do que eu. E não posso com isso!

   Além do mais, há demasiados putos! E fazem muito barulho a divertir-se!

   Quando pedem que lhes conte uma história… …acreditam em tudo o que digo!

   Aprendem depressa coisas incrivelmente difíceis.

   Ainda por cima, têm tempo para não fazer nada… …a não ser palermices.

   Mas quando lhes dou umas palmadas, eles choram e eu fico muito triste.

   E dormem demasiado bem. Ou então, têm medos ridículos.

   Também os detesto porque quase nunca estão doentes. Mas quando ficam doentes a sério, tornam-se o centro do mundo.

   Comigo, não é assim!

   Detesto os putos; veem coisas que eu já não vejo!

   Detesto especialmente aqueles que mamam…

   e aqueles que se tornam como as mães cedo demais.

   Além de tudo isto, os putos gostam muito dos animais.

   E quando gostam muito uns dos outros? Então aí, adeus discrição!

   Detesto os putos porque não os consigo esquecer…

   Mas quando vemos um, esquecemo-nos do que é velho. E não suporto isso!

   Quando se põem a cantar em conjunto, é tão bonito que até choro. E detesto parecer-me com um puto que chora.

   Como detesto a franqueza deles!

   E, como se não chegasse, segundo dizem, eles desenham melhor do que eu.

   Conclusão: detesto os putos… porque mesmo se lhes digo que os detesto, eles gostam ainda mais de mim!
Pef 
Moi, j’ai horreur des gosses! 
Paris, Albin Michel Jeunesse, 1998 
(Tradução e adaptação)

Do blog http://eixodoleitorcrateus.blogspot.com.br/

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...