sábado, 11 de março de 2017

Somos amadores e carentes... de poesia


Meu poema não reivindica amores frustrados. Não humaniza estrelas e endeusa a lua cheia. O poema se engraçou com o novo bar repleto de chinelões mal-encarados, putas e carinhas drogados que se apavoram com o passado e se embebedam para suportar o amanhã.
O amor magoado proíbe que o poema sangre que a metáfora lateje e a febre goze. É uma temporada de tempo abafado, raiva a zero grau.
Mágoas de amor se engraçam no escândalo e submissão, no homicídio e suicídio raivosos. Só depois se tornam poemas.
Fazer poesia para se purificar de amores mal-amados é roubar o emprego do analista.
Mas Cadelão - diz uma Ninfa enluarada e esperta - o mundo está carente de poetas. Não critiques os enamorados, os que despertaram e vivem de paixões, e também os que gangrenam suas dores insuportáveis, não deboches por se dedicarem à poesia. Afinal, são tão poucos os sensíveis neste mundo frio e cruel.
Sim, garota esperta, você tem razão. Mario Quintana também o disse:
"Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos do que fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação. É fato consabido que esse refinamento de estilo acaba trazendo necessariamente o refinamento da alma. Sim, todos devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me" (Caderno H).


(Diário de B. B. Palermo)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

NOTAS DE UM CADELÃO

Estava no centro da cidade e cruzei por duas garotas cujas camisetas estampavam o nome CÉLINE. Será que elas leram o grande livro dele, "Viagem ao fim da noite"? Ou pelo menos ouviram falar desse grande escritor, a época que viveu, sua escolhas na política (apoiou o anti-semitismo), a desgraça de ter caído no esquecimento na última parte de sua vida... Talvez as peculiaridades, e também a visão de mundo, desses gênios signifique nada para grande parte das gerações atuais. Será que teriam razão em bradar que não têm nada a ver com histórias, artes e ideias de gerações passadas? Ah, esqueci de dizer: as estampas das camisetas eram bem bonitas!
OBS.: acabei de consultar o Google e percebi meu erro: as estampas não têm nada a ver com o escritor Louis-Férdinand Céline, mas sim com outra marca. Foi mal.
Já que estamos nessa, vou trazer aqui algumas frases... do escritor:

“Quando não se tem imaginação, morrer é pouca coisa, quando se tem, morrer é demasiado.” 
“A maior parte das pessoas morre apenas no último momento; outras começam a morrer e a ocupar-se da morte vinte anos antes, e às vezes até mais. São os infelizes da terra.” 
“Confiar nos homens é já deixar-se matar um pouco.” 

(Diário de B. B. Palermo)


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Menos chocolate, Baby


Sim, estou preocupado com as queixas das garotas a respeito desses caras insensíveis que só querem ficar, presos ao seu orgasmo e prazer animal, fugindo de compromissos mais sérios. Também me sinto de coração partido, Baby, apesar de admitir que o meu coração, como o desses caras, é de galináceo. Mas não escrevo textos românticos para agradar, e até enganar, numa linguagem açucarada. Minha ilha não tem apenas paisagens deslumbrantes. Se a primeira imagem é de praia paradisíaca, no subsolo alastra-se o esgoto, que destroça corações e mentes.
Sim, se escrevesse bem poderia ser lido por multidões, publicando auto-ajuda. Mas não seria sincero, estaria em contradição com o que passa no íntimo.
Seria hipócrita se espalhasse aos quatro ventos (como o faz a multidão, nas redes sociais, por exemplo) o que é certo e errado, e endeusasse o "certo", quando no meu eu mais profundo agitam-se desejos e fantasias impublicáveis de tramas e traições, de banquetes e surubas.
Sou contraditório. Mas quem não é? Na primeira parte do dia, nas manhãs tranquilas, desejo abraçar todo mundo. Mas, compreendam-me, é impossível passar o dia todo em serena voltagem. E isso, vejam bem, que me afastei das páginas policiais e políticas dos jornais, sites, rádio e TV. 
Hora de buscar um pouco de glicose. 
Chocolate. 
Compreendam-me, não consigo suportar muitas horas do dia cantando em silêncio ou a plenos pulmões as mais românticas canções. Agitam-se pensamentos obscuros, energizados pela ira e a inveja.
Não, Baby. Nossa mente racional é apenas uma fatia do bolo. Depois de uma bebida, pílulas e outras drogas, teu verbo arromba as grades, como se fossem gaiolas de alumínio. E então, naturalmente, transformo-me num cafetão irado e você numa bela ninfeta super star do happy hour.


(Diário de B. B. Palermo)

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...