domingo, 6 de março de 2016

Para Bukowski


Ridícula essa inocência de olhar pro umbigo e fazer planos de perder peso, aumentar a musculatura e angariar olhares e corpos de algumas vadias. Aiaiai que bosta quase não ler e escrever, quando saem algumas linhas sofridas é pra amassar a folha e acertar a lixeira. O pior é o vexame matutino de dar de cara com o que escreveu ontem à noite depois de entortar uma garrafa de líquido duvidoso. 
Ridícula essa pretensão de imitar Charles Bukowski.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Inri Cristo


“Eu te perdoo por não me levares a sério”, fala docemente o homem que se autoproclama Jesus Cristo.
Tudo o que ele diz é em obediência a Deus, que chama de “Meu paizinho”.
Essa devoção a um Deus onipresente e onipotente, em vez de me comover, me faz rir.
Mas não o rejeito. Com tanta igreja e representantes de Deus no mercado, é ele quem mais me atrai. É que, como eu, ele também está ******* pra essa sociedade de *****.
Carrega uma cruz: ser impedido de falar. Não ter mídia. E tem razão. Com tantos canais falando ***** por aí, por que não deixar ele viajar no verbo?
Somos parecidos. Embora ele seja profeta do caos, das revelações e previsões catastróficas, me pareço com ele, no aspecto poético, pois a tudo observamos e escutamos, não abrimos igrejas nem cobramos dos fiéis.
Mas não deixo de rir quando ouço dizer que Deus fala com ele. Sua obediência e fidelidade me dão inveja. Por que não consigo ser assim? Nessas horas quase me autoflagelo.
A culpa se esvai quando percebo que também sou contador de histórias, como ele, o padre, o pastor, o pai, a mãe, a professora, o avô, a avó... Creio que, quanto mais imaginação e invenção, mais agrada a Deus.
Mas que entidade é esse Deus?
Se foi ele que criou tamanha máquina (fantástica) que é o universo, por que dedicaria tempo a se importar com nossas *********?
E se Jesus, na verdade, for representado não por uma figura humana, e sim, por exemplo, por uma vaca, gato ou jumento?

Diante de tantos discursos, decidi dar mais crédito aos mais cômicos e imaginativos. Eles tornam a vida mais leve. É por isso que já sou quase fã de Inri Cristo. 

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

quarta-feira, 2 de março de 2016

Ana Cristina Cesar

faz três semanas
espero
depois da novela
sem falta
um telefonema
de algum ponto
perdido
do país

A poeta carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983) foi escolhida como autora homenageada na Festa Literária Internacional de Paraty em 2016, que vai acontecer entre 29 de junho e 3 de julho, em Paraty (RJ). Ela é a segunda mulher a ser lembrada pelo evento. A primeira foi Clarice Lispector em 2005. Na edição deste ano, o autor homenageado foi o escritor Mário de Andrade.
Expoente da geração da Poesia Marginal, que nos anos 1970 se firmou distribuindo edições caseiras no Rio de Janeiro, ao largo do mercado editorial e sob o peso da ditadura militar, Ana C., como era chamada por amigos, fundou uma vertente marcante na poesia brasileira contemporânea (Fonte G1).

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

No fundo, somos uns solitários


A esposa reclama que a máquina de lavar roupas estragou. A outra diz que está com saudade, que foi ao salão, mudou o cabelo e está louca para encontrá-lo.
Trocam-se os papéis.
Separa-se, encara pensão alimentícia e torna a garota linda e cheirosa sua esposa oficial. Reordenam-se as regras e logo a ex-outra é quem vai reclamar do vazamento da torneira da pia e da caixa de descarga do banheiro.
Enquanto isso a ex-oficial tricota artimanhas para estar sempre por perto e reivindicar o que lhe é de direito: fazer o impossível para tornar a vida dele um inferno.
Ser e não ser. Um dia somos namorados, noutro dia não. Um dia maridos ou esposas, noutro dia não. Amantes e ex-amantes. O campeonato da vida muda suas posições em alta velocidade. E nem percebemos que somos uns tontos!
Não descrevo fatos reais, munição perfeita para sites e revistas de fofocas. Farejo assunto qualquer para aguçar a curiosidade de meus onze leitores (pressinto que logo, logo, chegarei a quinze).
Fios, teias, boa parte imperceptíveis, nos conectam à realidade. Mas como esta anda vulnerável à neblina e ao lusco-fusco do “ouvi dizer”!
Será que um marido perfeito pode ser amante perfeito? Será que a amante perfeita pode ser esposa perfeita? Quem consegue andar tranquilo nas trilhas da monogamia? E nas trilhas da poligamia?
Inventamos as regras não sem renúncia. Culpamo-nos quando desobedecemos as mesmas. Também inventamos a tragédia e a comédia? Somos tontos, ridículos e sérios ao mesmo tempo. E temos dificuldade para perceber o quanto estamos aprisionados.
Leio um poema de Neruda e me pergunto como ele vê essas danças de troca de papéis. Somos razão, somos pulsão, somos vontade de poder, de sexo, de carinho... e de solidão.
Diz um trecho do poema “Cavaleiro solitário”, traduzido por Paulo Mendes Campos:

 “Os entardeceres do sedutor e as noites dos esposos
unem-se como dois lençóis me sepultando,
e as horas depois do almoço em que os jovens estudantes
e as jovens estudantes, e os sacerdotes se masturbam,
e os animais fornicam diretamente,
e as abelhas cheiram a sangue, e as moscas zumbem coléricas,
e os primos brincam estranhamente com as suas primas,
e os médicos olham com fúria para o marido da jovem paciente,
e as horas da manhã em que o professor, como por descuido,
cumpre o seu dever conjugal e toma o café,
e ainda mais, os adúlteros que se amam com verdadeiro amor
sobre leitos altos e longos como embarcações;
seguramente, eternamente me rodeia
este grande bosque respiratório e enredado
com grandes flores como bocas e dentaduras
e negras raízes em forma de unhas e sapatos.”


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Poema de Emily Dickinson


Neste poema Dickinson fala a respeito de um enterro que ela provavelmente presencia por morar perto de um cemitério. Este enterro é associado por ela ao seu próprio, como revelado na terceira estrofe. A tradução é de paulo Mendes Campos.

Não era a morte, pois eu estava de pé
e os mortos estão todos deitados; 
não era a noite, pois todos os sinos 
punham a língua de fora ao meio-dia. 

Não era o orvalho, pois na carne 
sentia sirocos a rastejar... 
Nem o fogo, pois os meus pés marmóreos 
podiam guardar para si um frio santuário. 

Era no entanto como se fossem. 
Formas que vi 
arrumadas para o enterro 
lembravam as minhas, 

como se a minha vida, recortada 
e emoldurada, 
ficasse irrespirável sem uma chave; 
e como se fosse meia-noite, um pouco,

quando tudo que bate de leve pára, 
e o espaço olha em torno, 
e a geada horrenda, manhãs primeiras de outono, 
bloqueia o chão palpitante. 

Principalmente como o caos – frio, incessante – 
sem saída ou ponto de apoio, 
sem qualquer notícia da terra 
para justificar o desespero.

ORIGINAL

1. It was not death, for I stood up, 
2. And all the dead lie down; 
3. It was not night, for all the bells 
4. Put out their tongues, for noon. 
5. It was not frost, for on my flesh 
6. I felt siroccos crawl, 
7. Nor fire, for just my marble feet 
8. Could keep a chancel cool. 
9. And yet it tasted like them all; 
10. The figures I have seen 
11. Set orderly, for burial, 
12. Reminded me of mine, 
13. As if my life were shaven 
14. And fitted to a frame, 
15. And could not breathe without a key; 
16. And I was like midnight, some, 
17. When everything that ticked has stopped, 
18. And space stares, all around, 
19. Or grisly frosts, first autumn morns, 
20. Repeal the beating ground. 
21. But most like chaos,--stopless, cool, 
22. Without a chance or spar,-- 
23. Or even a report of land 
24. To justify despair.

(Poema extraído da monografia de Aline Dimingues de Paiva. Cfe. site http://www.ufjf.br/bachareladotradingles/files/2011/02/Aline-Domingues.pdf)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...