domingo, 31 de janeiro de 2016

Desenhos na parede - Diana Corso



Não tenho tanto medo dos militares, nem dos políticos corruptos, quanto tenho da população simploriamente indignada e daqueles que manipulam esses sentimentos. Assusta-me a vontade que parece falar nas ruas de eleger alguém, aquele que estiver mais à mão, para odiar. Já vimos esse filme, quantas vezes? Quantas ainda o teremos que ver?
Ele seria um subversivo político somente na dimensão em que a liberdade de expressão fosse perigosa. Esse era o caso. Trata-se de um conto de Julio Cortázar que transcorre na Buenos Aires dos anos de chumbo, quando se desaparecia pela mínima discordância com aquela gente que a ditadura pôs no mando. A personagem fazia desenhos com giz de cera nas paredes. Eram imagens artísticas, por vezes até abstratas, mas diligentemente apagadas a mando da polícia. Arriscava-se muito, era uma espécie de paixão que lhe movia a vida: fazê-los depois visitá-los furtivamente para acompanhar o efeito que causavam nos transeuntes. Vê-los sendo apagados e insistir. Uma única vez pusera palavras: "me dói muito". Este foi removido com maior urgência.
Um dia, ao lado do seu, surgiu outro desenho. O traço era feminino, ele supôs. Por algum tempo comunicaram-se assim. Em geral, era ele que começava, ela respondia, uma dança na parede. Ele dedicava agora suas andanças furtivas a tentar surpreendê-la, sempre fracassando. Até o dia em que, obcecado por conhecê-la, expôs um de seus desenhos em um lugar mais visível e arriscado, onde podia ficar observando mais tempo à sua espera. Ela não pôde resistir ao desafio e foi pega. Ele não conseguiu ver mais que um cabelo e uma silhueta azul sendo colocada na viatura.
Uma triste história de amor desencontrada, mas linda e colorida. Retrata a obsessão dos regimes repressivos com o apagamento da poesia, da arte, da parte mais pulsante da vida nas ruas. A escuridão política começa com o enrijecimento das almas. A ascensão das piores ditaduras nasceu de disputas políticas, de crises econômicas, mas atendia ao impulso popular de simplificar a vida. É uma tentação eleger inimigos fáceis e sentir a satisfação de eliminar todos aqueles que forem apontados como discordantes. O obscurantismo nasce também da preguiça do pensamento.
Após todos estes anos de democracia, mesmo a nossa, com inúmeros defeitos e trejeitos inaceitáveis, voltei a temer novamente pela poesia dos desenhos na parede. Não tenho tanto medo dos militares, nem dos políticos corruptos, quanto tenho da população simploriamente indignada e daqueles que manipulam esses sentimentos. Assusta-me a vontade que parece falar nas ruas de eleger alguém, aquele que estiver mais à mão, para odiar. Já vimos esse filme, quantas vezes? Quantas ainda o teremos que ver?
O conto Grafitti é uma história de amor das antigas, daquelas em que os amantes nunca se tocam. Eles apenas se rondam, desenham e se excitam com o mistério. O perigo que nos ronda agora, que parece estar excitando a tantos, é de colocar no poder os que apagam a poesia das paredes, do mundo, do amor. Me doeria muito.
(Zero Hora, domingo, 31/01/2016)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

baixando as armas


As meninas apresentam suas armas:
o bumbum arrebitado
as cores transparentes
os cabelos avoados.
Os meninos apresentam suas armas:
o carro rebaixado
o som atordoado
o álcool pra soltar.
As meninas e suas credenciais:
grita o corpo seminu
e a boca silencia
nas altas doses de batom.
Os meninos e suas credenciais:
o corpo acadêmico
é a potência do seu som
e a palavra se esvazia
com o ronco do motor.
Daqui desta sacada, cansei de armar minha palavra, como o bote da serpente e o olhar do boxeador. Cansado de ter a língua afinada, a palavra vomitada antes de sentir amor. Aqui nesta sacada, saquei a emoção fingida, a razão idolatrada, não mais quero disparar e causar tamanha dor. É hora de baixar as armas e recuar...
E voltar a sonhar...
Que as gurias querem flores e poesia, palavras sussurradas com sentido, transar a vida com perfume e conteúdo, tudo, tudo, sem buscar a mera utilidade ou qualquer outro reflexo... Tudo, tudo, antes da produção em série, bombada, idolatrada, do sexo.


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Margem de erro


- E a garota fake, novidades?
- Quando li estes versos, pensei nela:

Ela é uma mina versátil
o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel
                                         (Chacal)

- Acho que você pensa demais nela. E fica idealizando como ela deveria ser, conforme teus sonhos. Pare de exigir demais, de ti e dos outros! Na vida a gente erra e acerta, acerta e erra...

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Não sei de onde ela veio


Minha alergia atravessou a rua
e se instalou por toda a pele
foi a surpresa de janeiro
igual calor e Big Brother.
Será que as férias me deixaram estressado,
coçando as bolas e cheio de ansiedade?
Eu fui à procura dela
mas não sabia que era sarna pra coçar
agora todo mundo sabe
que eu estou viciado em farmácia!
Diga, espelho meu:
há na cidade um lazarento como eu?!
Não sei de onde veio essa alergia: bicho, planta ou mordida de inseto... Só sei que coço as dobras dos braços e joelhos, e desconfio de toda a vida que passa perto. O pó dos móveis, o clima seco, o desfile frequente das baratas pelos cantos. Todo mundo ri, feliz, nas melhores praias, em viagens de fazer sonhar. E eu aqui, sem intuição e imaginação, passo o dia todo a me coçar!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Rádio Batuta


Vai o link de um site com literatura em voz alta. Ouvir poesia, crônica e outros textos em voz alta é uma experiência gratificante. Vale a pena experimentar...

http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/210

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...