sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Grave

Começa janeiro e as cigarras estão graves. Sua voz, sua ânsia e som. Grávidos, como outros janeiros e a gestação do ano novo. Cigarras vêm e passam, são e deixam de ser, enquanto vivo por aqui com esse medo louco de morrer. 
Chegou janeiro e as cigarras estão grávidas. Elas devem morrer pra vida continuar...
Amigo, pensas que hoje o poeta anda melancólico. Mas não. Ele apenas observa a realidade. Com toda a gravidade que ela nos dá.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Anônimos, sejam menos explosivos


Graças a Deus estou vivo, tanto que ouço fogos alucinados dos anônimos da cidade nesta virada de ano. Não se perguntam " o que é o tempo?". Apenas seguem a troca do calendário. Vivem a rotina do despertador, que os escraviza  a cada manhã na corrida em busca do possível. Abrem mão de velhos desejos, fazem tamanho sacrifício para que sobre uns trocos, investidos na explosão do novo ano. 
Aonde estamos? Cada rojão deve custar um livro. Que bem podia ser dado de presente. Ou doado. 
Anônimos fazem tanto barulho, e ninguém sabe quem são. Endereçam pedidos a Deus, num céu estrelado de indiferença e silêncio. Fogos de artifício talvez sejam artifício,  talvez joguem umas tintas na insensibilidade cotidiana. 
Sobras e migalhas, cara cheia do barato espumante, e o porre que passa na mesma velocidade do entusiasmo e da promessa de que este ano será de fato um novo ano. 
Minutos depois que a convenção marcou a troca de ano, tudo se acalma, anônimos esquecem os fogos e se empanturram de lentilhas, porcos e frangos. Sorrisos, vivas, cumprimentos e arrotos entusiasmados. 
Ah, o dia da virada marca a superioridade do bicho-humano sobre o bicho-bicho. A guerra não se dá apenas entre sapiens e sapiens. Inventamos a pólvora também para bombardear um dos pontos fracos dos animais: seus ouvidos. 
Em vez de explodir a frustração e os desejos reprimidos com o espocar de fogos, anônimos bem que podiam investir em outras coisas, como coçar as bolas ou enfiar os artefatos bem no meio... (Aqui, fica por conta da tua imaginação...).

Não solte fogos, meu irmão. Bichos também sofrem pelos ouvidos, e as explosões não curam tuas angústias, ódios e medos.
Tanto barulho passageiro não vai te libertar do inevitável silêncio... E do compromisso de estar durante os próximos 365 dias frente a frente com o outro, seja vizinho, rival ou patrão, e de tantos outros bichos - domesticados como você, ou não.
No final de 2016 não solte mais fogos meu irmão!

(Teco, o poeta sonhador, em: De bichos & gentes)
* Fotografia de Ângela Tamara Nunes Doebber, incansável na luta pela proteção e amor aos animais.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Ser brotinho em Ijuí


TECO - Cara, aqueles olhos me deixam tonto. Mas diante dela fico nervoso. Não vem assunto. 
ET - Tive uma ideia: pede pra ela contar umas histórias sobre os seus olhos.
TECO - Acho que não. Faz lembrar um ditado que diz: "Quem vê olhos não vê coração".
ET - Tenho a impressão de que este ditado está errado...
TECO - Aiaiaiai... Sempre soube que tem certas coisas que vocês, Ets, não conseguem entender.
ET - Sabe o que você pode fazer quando a encontrar? Pergunta se ela é brotinho por causa dos olhos, ou se os olhos são um presente dos deuses por ela ser brotinho...
TECO - Ótima ideia! Me fez lembrar de uma crônica do Paulo Mendes Campos, "Ser brotinho".
ET - e o que diz a crônica?
TECO - vou ler pra você umas passagens:

"Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas lançando fogo pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.
"Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao vácuo absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel, recados que os anacolutos tornam misteriosos, anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com uma sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser brotinho é a inclinação do momento.
"Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da festa com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes.
"Ser brotinho é adorar. Adorar o impossível. Ser brotinho é detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de pijama telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um sanduíche americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra".

ET - UAU!!

(Da série: A garota de Ijuí)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Andar sozinho

A moto anda sozinha. A diarista anda sozinha. O gari anda sozinho. Isabel andou com seu vizinho. Seu marido adora comprimidos. A auto-ajuda diz que posso andar sobre as águas como fez Jesus Cristinho. Mas eu quero andar fora dos trilhos. Levitar quando for me apaixonar. Abduzir todo meu bairro e seus gostos levianinhos. O bebê dorme sozinho. Vovô ronca bem sozinho. Só não ronca o robô que nunca dorme e não toma comprimidos. Como eu não sou robô vou tomar uns comprimidos e esquecer que ando sozinho.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
* Imagem do artista espanhol Luis Quiles.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Doce vida


TECO - Tem gente que se esquece de viver, que até emagrece!
ET - Não entendi...
TECO - Tem gente que se esquece de viver, que engorda, engorda...
ET - Viajando, cara?
TECO - Deixa pra lá... Quando perguntaram à Dercy Gonçalves se a vida não era amarga, sabe o que ela respondeu?
ET - Não.
TECO - "Que amarga? Vocês é que botam amargura em tudo. Pois botem açúcar!"

(Da série: Coisas que os ETs não entenderiam)

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...