domingo, 6 de dezembro de 2015

Passarinho engaiolado - Rubem Alves



Eis o belo texto do Rubem Alves, copiado do blog http://atorremagica.blogspot.com.br/2015/12/passarinho-engaiolado.html

Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho. De sua vida o mínimo que se poderia dizer era que era segura e tranquila como seguras e tranquilas são as vidas das pessoas bem casadas e dos funcionários públicos.

Era monótona, é verdade. Mas a monotonia é o preço que se paga pela segurança. Não há muito o que fazer dentro dos limites de uma gaiola, seja ela feita com arames de ferro ou de deveres. Os sonhos aparecem, mas logo morrem, por não haver espaço para baterem suas asas. Só fica um grande buraco na alma, que cada um enche como pode. Assim, restava ao passarinho ficar pulando de um poleiro para outro, comer, beber, dormir e cantar. O seu canto era o aluguel que pagava ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola.

Bem se lembrava do dia em que, enganado pelo alpiste, entrou no alçapão. Alçapões são assim; têm sempre uma coisa apetitosa dentro. Do alçapão para a gaiola o caminho foi curto, através da Ponte dos Suspiros.

Há aquele famoso poema do Guerra Junqueiro, sobre o melro, o pássaro das risadas de cristal. O velho cura, rancoroso, encontrara seu ninho e prendera os seus filhotes na gaiola. A mãe, desesperada com o destino dos filhos, e incapaz de abrir a portinha de ferro, lhes traz no bico um galho de veneno. Meus filhos, a existência é boa só quando é livre. A liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa… Ó filhos, voemos pelo azul!… Comei!

É certo que a mãe do passarinho nunca lera o poeta, pois o que ela disse ao seu filho foi: Finalmente minhas orações foram respondidas. Você esta seguro, pelo resto de sua vida. Nada há a temer. Não é preciso se preocupar. Acostuma-se. Cante bonito. Agora posso morrer em paz!

Do seu pequeno espaço ele olhava os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores, com seu mágico bater de asas; os urubus, nos seus vôos tranquilos da fundura do céu; as rolinhas, arrulhando, fazendo amor; as pombas, voando como flechas. Ah! Os prudentes conselhos maternos não o tranquilizavam Ele queria ser como os outros pássaros, livres… Ah! Se aquela maldita porta se abrisse.

Pois não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono a esqueceu aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre!

Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto. Sentiu um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais firmeza. Viu uma outra árvore mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas aguentariam. Elas não estavam acostumadas.

O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente ainda. Neste momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era bobo. Sumiu mostrando a língua.

— Ei, você! – era uma passarinha. – Vamos voar juntos até o quintal do vizinho. Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Apenas é preciso prestar atenção no gato, que anda por lá… Só o nome gato lhe deu um arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde a sua gaiola ficava dependurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com seus estilingues, no dia seguinte.

Tremeu de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem gozar a liberdade aqueles que têm coragem. Ele não tinha. Teve saudades da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta.

Neste momento chegou o dono. Vendo a porta aberta disse:

— Passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta. Deve estar meio cego. Pois passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar…

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ele se apaixonou por um fake


ET – Quando ela te mandou convite no facebook você se esbaldou na lábia. Testou poemas, canções de amor, papos-cabeça, só pra deixá-la impressionada. Com o passar dos dias você criou tamanha expectativa que até comprou um celular mais moderninho pra ter um chip da operadora dela. E você devaneava quando ouvia a sua voz. E cada vez mais ansiava pela sua ligação. Enquanto isso você esnobou aquela garota que sempre esteve do teu lado quando você precisava. Um mês depois, quando finalmente vocês iam marcar o primeiro encontro, longe do mundo virtual, para se ver “olhos nos olhos”, ela jogou um balde de água fria na tua paixão. Não mais ligou no início da manhã pra desejar “tenha um ótimo dia, meu anjo!”, não ligou à noite pra ficar uma hora contando a epopeia que foi o seu dia, da escola para casa, de casa para a academia, e do amor incondicional pelo seu poodle, enquanto você se coçava, louco para retomar o jogo no vídeo-game. Daí, no fim de semana ela deu um chá de sumiço, enquanto postava umas coisas esquisitas na sua time line. E se você puxava conversa no face, ela desdenhava, não respondia, sumia... Cara, você não desconfiou que essa garota pode ser um fake?
TECO – Pior que não...
ET – E ela pediu pra você prometer amá-la e protege-la pelo resto dos teus dias? Você contou a todos os teus amigos e amigas que, finalmente, encontrou a menina que encarnava o amor verdadeiro? Caramba! Sem nunca tê-la visto pessoalmente?
TECO – Isso...
ET – Você é muito mais do que um poeta sonhador: você é uma catástrofe no amor! Mas... Críticas à parte, você é um menino em extinção. É puro, ingênuo que (pasmem!) ainda acredita no amor!


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Vá pro jogo!


TECO - Nunca vi uma garota vacilar tanto.
ET - Bah, deve ter seus motivos...
TECO - Sei lá. O medo dela me fez lembrar deste poema do Alberto Martins:

Xadrez no centro
indecisa
entre a banca de jornais
e o garoto que vende bilhetes de metrô
a moça para um segundo
no meio-fio

depois
levanta a cabeça
e avança pela calçada de pedras pretas & brancas
pisando o mosaico torto

ela sabe que cada passo é um erro cada passo
é um logro - mas quem não joga
perde a vez e nunca mais
volta pro jogo

EM TRÂNSITO - poemas, de Alberto Martins (Cia. da Letras, 2010).

domingo, 29 de novembro de 2015

Foco


Pessoas fazem pose. Close. Piscam olhos. Tremem fotos. A imagem vira pó no apagar das luzes. Fogo. Foco. Cinza. Nuvem. Que bom que hoje não fiz merda, digo à pedra.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador) 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Aula de geografia


TECO - Poesia não se faz só com as mãos. Garotas adoram ouvir tua voz do outro lado da linha.
ET - Como se fosse gravação de telemarketink?
TECO - Nãoooo... Como se fosse música!
(...)
ET - Eu ouvi você dizer nude??
TECO - Cara, para com essa obsessão pelo corpo! Você só fala em peito, perna e bunda! Pare de nos imitar. É tanta ideia fixa pelo corpo que até parece que é a geografia dos humanos que determina sua história!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...