sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O porão de minha infância


Vocês lembram da casa de infância, e do porão que havia por lá?
Com oito anos eu já não tinha medo de ficar sozinho no porão. Estava acostumado com aquele lugar. Muitas vezes utilizava a escada, que ficava na despensa da cozinha, para chegar lá. Buscava qualquer coisa que meu pai ou minha mãe pediam.
Nele estavam as pipas com o vinho, a vara de taquara pendurada no teto, com salame, alho e cebola. Também as tulhas, onde eram armazenados os cereais, como o feijão, a pipoca e o amendoim. Havia a lata cheia de banha, e outras latas, com doces e geleias. Ah, também o saco com pinhões, que no inverno minha mãe assava na chapa do fogão.
No verão, o porão da casa era fresquinho, e ali descansavam os melões e as melancias, à espera dos serões, de noite, quando eram “devorados”.
E era nesse lugar que meu pai recebia as visitas para provarem o vinho...  Era ali, também, que eu me refugiava, quando as tias, ou as madrinhas, me intimidavam com seus comentários, do tipo “ai, que gracinha!”,  “já tem namorada?”


(do livro Os mistérios do porão)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Meu primeiro poema...

Minha vida de personagem, poeta sonhador, começou com este poema, que eu declamei no dias dos pais.

“Papai sonhou que recebeu a visita de seus primeiros sapatos. Eles disseram por onde andaram e o que fizeram em sua companhia. Derramaram lágrimas e lágrimas porque já não aguentavam dormir e acordar, acordar e dormir algemados no armário do porão...
Papai prendeu os sonhos no armário do porão e muito tempo depois as chaves ele perdeu...
Papai escondeu no armário os sonhos mais preciosos enquanto correu atrás de outras coisas que ele nunca desejou...
Papai também sonhou que recebeu a visita dos seus anjos da guarda. Eles o ensinaram a nadar no riacho, curaram o bicho-de-pé e a unha encravada.
Viram papai subir no pé de pitangueira, jogar futebol no gramado e roubar bergamotas no terreno do vizinho.
Papai sonhou também que recebeu a visita do caniço de pescar, do bodoque e do livro que a primeira profe lhe deu.
Também vieram de visita a primeira bicicleta, as pandorgas e as bolhas de sabão, o porquinho-da-índia, o arco-íris e o beija-flor, o banho de cachoeira, a mamadeira e os gibis, os cadernos e suas orelhas.
Vieram tantos amigos que naquele dia o coração de papai disparou de alegria!
Papai descobriu que os sonhos não avisam quando vão libertar-se do porão... e descobriu, também, que a felicidade não está guardada no armário do amanhã...
De vez em quando, papai, é preciso espiar por detrás dos ombros, e acenar para os brinquedos que sua vida conquistou!
Neste dia não esqueça de dar um pontapé na preguiça, para ser, com alegria, criança como eu sou!”


(Do livro Teco, o poeta sonhador, em: os mistérios do porão.)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Pequena crônica policial - Mario Quintana


Jazia no chão, sem vida,
E estava toda pintada!
Nem a morte lhe emprestara
A sua grave beleza...
Com fria curiosidade,
Vinha gente a espiar-lhe a cara,
As fundas marcas da idade,
Das canseiras, da bebida...
Triste da mulher perdida
Que um marinheiro esfaqueara!
Vieram uns homens de branco,
Foi levada ao necrotério.
E quando abriam, na mesa,
O seu corpo sem mistério,
Que linda e alegre menina
Entrou correndo no Céu?!
La continuou como era
Antes que o mundo lhe desse
A sua maldita sina:
Sem nada saber da vida,
De vícios ou de perigos,
Sem nada saber de nada...
Com a sua trança comprida,
Os seus sonhos de menina,
Os seus sapatos antigos!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Fora da caixa


Tua música não é rock, regae ou rap. Num momento mágico, quando tocas meu coração vertem flores das minhas mãos. Minha alma de Frankenstein fica num vermelho incerto quando passas por perto. Preciso de piercings e brincos, alegres, doloridos, para te encantar? Farei a loucura de cantar o meu amor, pra todo mundo ver e ouvir, seminu pelas ruas e avenidas ou do décimo primeiro andar! Posso investir num smartphone, tablet ou celular, com todos os códigos e senhas - nem que me transforme num “Eu, etiqueta”, como disse o poeta. Sei que no final da festa não sou grande coisa e, por qualquer coisa, você me deleta! Mas escute, anote e aguarde: ainda não tenho idade pra cair em desgraça. Com tua presença afundo na fossa, sem identidade, reputação e nome limpo na praça.
Depois que te vi, hoje, saí fora da caixa!


(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Inútil luar - Manuel Bandeira


Neste poema Bandeira abre espaço para o doce e surpreendente cotidiano.

É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...

Dormem as sombras na alameda
Ao longo de ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
Que se amarfanha...

No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
Sombra sagrada!)

Um velho senta-se a meu lado.
Medita, há no seu rosto uma ânsia...
Talvez se lembre aqui, coitado!
De sua infância.

Ei-lo que saca de um papel...
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
Faz umas contas...

Com outro moço que se cala.
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
 - de política,

Adiante uma senhora, magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tanagra.
E, junto dela,

Outra a entretém, a conversar:
 - "Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
Uma galinha."

E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia...

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...