quinta-feira, 1 de maio de 2014

Bartolomeu Júnior, o porco de Porto Alegre




Porto Alegre amanheceu interiorana nesta quarta-feira. Enquanto os moradores da suposta metrópole dormiam, um porco de 250 quilos flanava pelas ruas da zona leste da Capital.
Branco, pelos cor creme, focinho rosado, ainda não castrado e com rabo não enroscado, o animal circulou pela Avenida Ipiranga até ser amarrado a uma árvore, pouco antes das 6h, na esquina da Avenida Cristiano Fischer com Avenida Ceres, nas adjacências de um posto BR.
A piada que corria nas ruas era de que o porco havia aproveitado para passear por causa das sinaleiras lentas — referência aos testes feitos pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) na terça-feira pela manhã. A saga suína só seria desvendada uma hora mais tarde, quando o animal foi levado pelo motorista Benhur Barcelos Lopes para uma zona mais tranquila na Avenida Ceres, passando o motel P90. Lopes amarrou o porco e tentou fazê-lo se deitar.
— Faz cócega na paleta que ele deita — sugeriu o também motorista Flávio dos Santos da Cunha, que contou que o pai criava animais no Interior.

O animal, contudo, ignorou o carinho recebido. Quem passava pelo local é que não o ignorava: as pessoas o filmavam e o fotografavam compulsivamente. Se despertava simpatia em alguns, para a maioria, o porco identificado mais tarde como Bartolomeu Júnior, representava fogo, espeto e carne. A maior parte das piadas tinha alguma referência a churrasco.
Parte do mistério foi solucionado às 6h50min com a chegada de Teli Moreira Domingues, que disse ser sócio do dono do porco. Domingues não soube dizer o nome do animal, mas esclareceu a origem: um chiqueiro na vila Bom Jesus, onde morava com outros seis animais. Ele havia descoberto o paradeiro do porco na rádio Farroupilha e correu para lá para cuidar do seu patrimônio enquanto esperava o sócio chegar com com o transporte.
Outras pessoas, como a dona de casa Madalena Schmitz Cruz, também estavam preocupadas com a integridade física do bicho:
— Coitado, tadinho. Achei o pessoal da obra que ia carnear ele — disse .
Às 7h15min, o dono do animal chegou com uma caminhonete Fiorino bordô já com uns bons anos de uso. Gilson (não quis dizer o nome completo), 54 anos, deu os detalhes que faltavam: o nome do bicho (Bartolomeu Júnior), o preço (R$ 2 mil) e causa pouco nobre da fuga:
— Quebrou o chiqueiro para ir atrás de uma porca!
Junto, Domingues, a quem o sócio chamava de Bigode, e Gilson tentaram colocar o porco dentro da caminhonete. Não conseguiram. Gilson ainda convocou alguns transeuntes, mas ninguém prontificou. Com suor escorrendo pelo rosto, ele condenou o egoísmo humano.
Bartolomeu começou então a soltar os primeiros guinchos de desconforto e, quem sabe, revolta. Amarrado a uma árvore por duas cordas, ele começou se debater e conseguiu se soltar de uma delas. A corda teve de ser recolocada no pescoço duas vezes. Os dentes de Bartolomeu apareceram pela primeira vez.
No meio tempo, Gilson buscou reforços, dobrou o egoísmo humano e voltou com mais duas pessoas às 7h45min. Em cinco, eles ergueram os 250 quilos de guinchos e revolta e prenderam Bartolomeu na traseira da Fiorino. Trancafiado, amarrado dentro do camburão informal, o animal aceitou a nova condição, acalmou-se e voltou para a "estância" da qual veio na Vila Bom Jesus. A aventura suína havia acabado.
Claudio Goldberg Rabin - Zero Hora

quarta-feira, 26 de março de 2014

O Pavão - Rubem Braga



Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.
Rio, novembro, 1958

domingo, 23 de março de 2014

Tirada do TECO - na mesa do bar


De nicada
em nicada
não ganho
        o jogo
         titias!

(nem desespero
ao evaporarem
           os dias)

Ganho aos estrelas
quando cativo
as gurias!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Improvisar não dá!

Estava falando aos alunos sobre a questão da linguagem em Platão. De que, para este filósofo, a linguagem convencional não possibilita atingir o "verdadeiro" conhecimento, por ser mutável, aleatória, agarrada às opiniões cotidianas. Vendo que os alunos estavam se interessando "pacas" pelo tema, pedi para que analisassem a palavra (ou conceito) "amor". Deram vários exemplos de amor, e também o que consideram que este seja. Pedi então para uma aluna localizar no google o poema do Vinicius, que segue abaixo. Solicitei para que lesse para a turma. O que mais chamou a atenção de todos foram os dois últimos versos do soneto:



Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 Depois da leitura do poema, eles disseram que entenderam Platão. E eu não entendi mais nada...



Soneto de Fidelidade

Vinicius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Aventuras e tragédias


Tantas tragédias no trânsito, inclusive de crianças e jovens, me parecem ser ofertadas de bandeja à Sra. Morte. Pouca perspicácia (e uso da inteligência) para afugentar o monstro e seguir desfrutando a vida.
Um exemplo de luta com a morte, fazendo uso de uma série de artimanhas - e vencendo-a no final, quando todos os indícios eram de que perderia - está no filme "As aventuras de Pi". O personagem sobrevive a um naufrágio de navio e convive, em pleno bote, com um tigre de bengala, em alto mar.
Para suportar o naufrágio, Pi vai ter que primeiro sobreviver ao tigre. Cada dia de solidão e de luta pela vida significa vencer seu medo de desistir diante de tamanha tragédia, o medo de ser devorado pelo tigre e, enfim, o medo de nunca ser encontrado e resgatado.
Parece-me que esse esforço do personagem para que, no final, a vida triunfe diante da morte traz, entre outras,  uma senhora recompensa: deixar, como legado, uma incrível história pra contar.
Quando fui devolver o filme na vídeo-locadora, minha amiga atendente disse que "As aventuras de Pi" é um filme legal, embora tenha se perdido no final. Isso chamou minha atenção. Tinha me distraído com relação ao desfecho do filme. É que a história, no seu desenrolar, foi demais envolvente. 
Fazendo uma comparação com as coisas da vida, será que não estamos focados no “lá adiante”, no "final" de nossa vida, e esquecendo de viver (se possível) intensamente o aqui e agora? As sequências do filme (e de nossa vida), os avanços e recuos dos personagens, os lugares que o medo e a coragem ocupam em momentos decisivos da vida que optamos levar... A adrenalina posta em jogo...
No filme, a meu ver, o que mais importa é a engenhosidade de Pi, a toda hora, para manter-se vivo num bote, na companhia de uma fera (faminta) em alto mar.
A pergunta se repetia a cada sequência: "Como ele vai escapar dessa?", "Como vai sair de tal armadilha?”
No trânsito há muitas armadilhas criadas por nós mesmos. Imprudência, carros velozes, estradas mal conservadas, etc. Temos pressa de chegar ao destino, em vez de relaxar, traçar um roteiro, checar todos os itens de segurança, visar algum prazer ao pegar a estrada... 
Tantas notícias de acidentes, confirmadas pelas estatísticas, mostram que estamos flertando com a morte, jogando roleta russa com ela.
Nossa história não precisa ser contada pra meio mundo. Ser glo-bal-men-te significativa. Não precisa inspirar um filme que vá concorrer ao Oscar. Mas é a NOSSA história. Ou o que poderia ter sido. Depende, em parte, de como negociamos com a morte. E com a vida. Sabemos que, se a morte vencer o jogo, será definitiva. Resta o “poderia ter sido diferente”, que os mais próximos vão contar – inventando ou não. Isso se fomos significativos para alguns desses "próximos".

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...