quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O sedutor médio - L. F. Verissimo




Vamos juntar nossas rendas
e expectativas de vida
querida, o que me dizes?
ter 2,3 filhos e ser meio felizes?

(Da série "Poesia numa hora destas?!")

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ai de Ti, Ijuí!


Dia desses aconteceu algo inusitado. No final da tarde, o sol driblou vários prédios do centro da cidade e veio bater na janela da sala, onde está a redação do jornal. Na hora eu gritei: “Cleon, vais deixar escapar este momento? Não vais registrar nas lentes da tua máquina fotográfica?”
Cleon deitou a dar explicações técnicas sobre a impossibilidade de registrar numa boa foto aquele pôr-do-sol. Os prédios  impediam que houvesse “composição”, etc., etc.
Bateu-me um desespero, dali a pouco viria a noite e o instante se apagaria de nossa visão, restaria mera lembrança. Então comentamos sobre a beleza que a natureza nos oferece, de graça, mas que não aproveitamos, já que nossa cabeça está mergulhada nos afazeres cotidianos, e  entrincheirada entre as ruas e seus prédios.
Ao refletir sobre esse fato, lembrei-me da crônica do Rubem Braga, Ai de Ti, Copacabana. Ali, o cronista não estabelece uma relação entre o sol e a cidade, com seus prédios a desafiar as alturas, mas sim entre o mar e a cidade. Cidade com seus barulhos, lixos e especulações. Cidade com seus encontros e desencontros, e negócios muitas vezes impublicáveis. Cidade e sua relação conflituosa com o passado, quando uns querem botar abaixo prédios históricos, tendo olhos apenas para o presente e o futuro, sem qualquer preocupação com o que foi. Cidade com sua indiferença ante a natureza, seus lagos, córregos, banhados, árvores, seus ventos, humores e estações.
Diz Rubem Braga, em algumas passagens da crônica:
“Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas. (...). Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão. (...). Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum. (...). Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação. (...). Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?”
Rubem Braga parece um profeta a anunciar o castigo (merecido) aos homens, porque fazem tudo do seu jeito: torto e do avesso. Seus olhares rasteiros, como a farejar ouro em Serra Pelada, não sentem a beleza da vida a pulsar, com a transcendentalidade que a natureza nos oferece.

Aqui em Ijuí, entre a cotação do dólar, da soja e do trigo, do custo da cesta básica e da passagem do ônibus, ainda é possível carregar  as baterias da sensibilidade, e sentir a presença (muitas vezes espremida entre um edifício e outro) do pôr-do-sol. E, tendo a emoção se libertado um pouco da razão, posso dizer que esses movimentos harmônicos do sol que nasce e se põe, da lua que “namora” com Vênus, do ipê que floresce sem a ajuda das promoções das lojas de tintas, me dá uma vontade juvenil, não de ser profeta, mas sim de rezar.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Contação de histórias no colégio Ruyzão




Na semana Farroupilha, estivemos neste colégio, à noite, para um bate-papo através da literatura gaúcha, principalmente em torno dos causos de Apparício Silva Rillo, nos livros "Rapa de tacho". Foram momentos perpassados, em boa medida, pelo humor e linguajar da tradição literária do sul.









A quem tiver carro - Fernando Sabino





O carro começou a ratear. Levei-o ao Pepe, ali na oficina da Rua Francisco Otaviano:
    - Pepe, o carro está rateando.
    Pepe piscou um olho:
    - Entupimento na tubulação. Só pode ser.
    Deixei o carro lá. À tarde fui buscar.
    - Eu não dizia? Defeito na bomba de gasolina.
    - Você dizia entupimento na tubulação.
    - Botei um diafragma novo, mudei as válvulas. Estendeu-me a conta: de meter medo. Mas paguei.
    - O carro não vai me deixar na mão? Tenho de fazer uma viagem.
    - Pode ir sem susto, que agora está o fino.
    Fui sem susto, a caminho de Itaquatiara. O fino! Nem bem chegara a Tribobó o carro engasgou, tossiu e morreu. Sorte a minha: mesmo em frente ao letreiro de "Gastão, o Eletricista".
    - Que diafragma coisa nenhuma, quem lhe disse isso? - e Gastão, o Eletricista, um mulatão sorridente que consegui retirar das entranhas de um caminhão, ficou olhando o carro, mãos na cintura:
    - O senhor mexeu na bomba à toa: é o dínamo que está esquentando.
    Molhou uma flanela e envolveu o dínamo carinhosamente, como a uma criança.
    - Se tornar a falhar é só molhar o bichinho. Vai por mim, que aqui no Tribobó quem entende disso sou eu.
    Nem no Tribobó: o carro não pegava de jeito nenhum.
    - Então esse dínamo já deu o prego, tem de trocar por outro. Não pega de jeito nenhum.
    Para desmenti-lo, o motor subitamente começou a funcionar.
    - Vai morrer de novo - augurou ele, - e voltou a aninhar-se no seu caminhão.
    Resolvi regressar a Niterói. À entrada da cidade a profecia do capadócio se realizou: morreu de novo. Um chofer de caminhão me recomendou o mecânico Mundial, especialista em carburadores - ali mesmo, a dois quarteirões. Fui até lá e em pouco voltava seguido do Mundial, um velho compenetrado arrastando a perna e as idéias:
    - Pelo jeito, é o carburador.
    Olhou o interior do carro, deu uma risadinha irônica:
    - É lógico que não pega! O dínamo está molhado!
    Enxugou o dínamo com uma estopa: o carro pegou.
    - Eu se fosse o senhor mandava fazer uma limpeza nesse carburador - insistiu ainda. - Vamos até lá na oficina...
    Preferi ir embora. Perguntei quanto era.
    - O senhor paga quanto quiser.
    Já que eu insistia, houve por bem cobrar-me quanto ele quis.
    Cheguei ao Rio e fui direto ao Haroldo, no Leblon, que me haviam dito ser um monstro no assunto:
    - Carburador? - e o Haroldo não quis saber de conversa. - Isso é o platinado, vai por mim.
    Cutucou o platinado com um ferrinho. Fui-me embora e o carro continuava se arrastando aos solavancos.
    - O platinado está bom - me disse o Lourival, lá da Gávea. - Mas alguém andou mexendo aqui, o condensador não dá mais nada. O senhor tem de mudar o condensador.
    Mudou o condensador e disse que não cobrava nada pelo serviço. Só pelo condensador.
    No dia seguinte o carro se recusou a sair da garagem.
    - Não é o diafragma, não é o carburador, não é o dínamo, não é o platinado, não é o condensador - queixei-me, deitando erudição na roda de amigos. Todos procuravam confortar-me:
    - Então só pode ser a distribuição. O meu estava assim...
    
- Você já examinou a entrada de ar?
    - Para mim você está com vela suja.
    E recomendavam mecânicos de sua preferência:
    - Tem uma oficina ali na rua Bambina, de um velho amigo meu.
    - Lá em São Cristóvão, procure o Borracha, diga que fui eu que mandei.
    - O Urubu, ali do “Posto 6”, dá logo um jeito nisso.
    Não procurei o Urubu, nem o Borracha, nem o Zé Pára-Lama, nem o Caolho dos Arcos, nem o Manquitola do Rio Comprido, nem o Manivela de Voluntários, nem o Belzebu dos Infernos, esqueci o automóvel e fui dormir. (.......).
    Mas pela manhã me lembrei de um curso que se anuncia aconselhando: "Aprenda a sujar as mãos para não limpar o bolso". Resolvi candidatar-me - e quem tiver ouvidos para ouvir, ouça, quem tiver carro para guiar, entenda. Fui à garagem, abri o capô, e fiquei a olhar intensamente o motor do carro, fria e silenciosa esfinge que me desafiava com seu mistério: decifra-me, ou devoro-te. Havia um fio solto, coloquei-o no lugar que me pareceu adequado. Mas não podia ser tão simples...
    Era. Desde então, o carro passou a funcionar perfeitamente...

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

NÂGETTS OU NUGÉTES?


A primavera começa a dar o ar da graça e a cidade, mesmo entupida de carros e, talvez por isso, com os nervos à flor da pele, fica mais colorida.  Além das flores, temos as vitrines e a variedade de anúncios espalhados pela cidade. Há uma linguagem urbana bem sortida, com uma mistura de português e inglês que, tenho a impressão, quer me humilhar.
Dia desses vi numa loja esses anúncios e tive a sensação de que era convidado a estudar inglês. Me senti também um chinelão, afinal, quando poderei ter um “office de executivo” e uma “home Studio e home black”?
Respiro fundo e constato: como ando por fora! Imagina o mico se, numa roda de amigos, eu errar a pronúncia desses termos em inglês, que estão na boca de todo mundo. E o pior, não domino nem um terço da gramática de minha língua.
Sei, sou um casmurro ao achar estranha a babel de expressões gritantes nas fachadas das lojas. Não sei bem o que me pertence. Só sei que sou convidado (ou empurrado) a entrar nessa onda, ou moda, ou tendência...
Henfil, no livro “A volta do Fradim” (de 1992), conta a história do personagem  Baixim que recebe um índio, enviado pela FUNAI, para ser integrado à civilização. Para começar o processo educativo do índio, diz Baixim:
“Pra você se integrar, vai ter primeiro que aprender a falar português! Preste atenção...”.  Então Baixim descreve um jovem, que passa por perto:
“Aquilo ali é um playboy com um blue-jeans, T-shirts, óculos Ray-ban, Hollywood king-size filtro, ronsonchiclettes e tênis reebok!”
E, diante de uma TV:
“A TV mostra um tape, agora um replay, um slide, um slogan, um jingle...”
Depois:
“Ali naquele shopping Center tem uma drug-store onde a gang dark bem cool pede hot-dog com ketchup ou então um big Mac bebe coca-cola ou Pepsi, Milk-shake, ice cream soda, ou mesmo wiskion de the rocks...”
E Baixim dá o seguinte conselho ao índio “iniciante”:
“Quando você tiver mais know how e um big background, vai tirar Xerox, mandar telex e, se tiver cash, jogar no open market ou no over night. Um dia entras numa joint venture e faz um holding...”
E, dirigindo-se ao seu aluno:
“Compreende?”
Ao que esse, prontamente,  responde:
“Yes, i do!”
Com relação a essa “culinária lingüística”, sei que não preparo grandes pratos. Apenas um miojo ou um sopa pronta de supermercado. Quanto aos nuggets, aprendi sua pronúncia correta num barzinho de esquina. Um sujeito, meio alto por causa de algumas cevas, pediu à garçonete (que por acaso era a gerente do estabelecimento) para que trouxesse o cardápio. Percorreu com os olhos a lista de opções e acabou pedindo um “nugétes”. Prontamente foi corrigido pela dona: “É nâgetts, senhor.  NÂGTTES!”
Aí, o sujeito pergunta: “De que é feito esse nugétes?”
Ao que a moça respondeu: “Nâgetts é  um misto de chikens com...”
Aí o freguês se saiu com essa:
“Faz assim, como não tô com pressa, me traz uma porção de galeto com polenta!”.

Eu, pelo que me toca, decidi entregar os pontos. De agora em diante, em vez de contar histórias, vou fazer stand up.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...