quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Não basta...


Não basta me alegrar, se estou distante do paraíso
não basta tudo vencer, se amanhece e fico triste
não basta aparecer, se quero ganhar o teu sorriso
não basta me esconder, se quero amor e auto-estima
não basta te conhecer, se não acompanho esse teu ritmo
não basta te desejar, se eu não sei como fazer
não basta me repetir, se eu não quero passar em branco
não basta me esconder, se eu não quero levar um tombo...

A lua veio me seduzir, mas me empolguei e errei o pulo!
O sol veio me consolar, mas eu surfei e caí no mundo!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O trabalho e o lavrador - Sérgio Capparelli



O que disse o pão ao padeiro?

Antes do pão, eu fui farinha,
farinha que o moinho moía
debaixo do olhar do moleiro.

O que disse a farinha ao moleiro?

Um dia eu fui grão de trigo
que o lavrador ia colhendo
e empilhando no celeiro.

O que disse o grão ao lavrador?

Antes do trigo, fui semente,
que tuas mãos semearam
até que me fizesse em flor.

O que disse o lavrador às suas mãos?

Com vocês, lavro essa terra,
semeio o trigo, colho o grão,
moo a farinha e faço pão.

E a isso tudo eu chamo trabalho.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Coração selvagem - David Coimbra



Não sei por que não escrevi nada ainda sobre o Belchior, já que ele marcou tanto minha adolescência, com suas belas canções. Para tentar pagar um pouco essa dívida, vai a seguir essa bela crônica do David Coimbra.


Esse senhor de basto bigode que zanzou feito um fantasma por Porto Alegre dias atrás, Belchior, esse senhor estranho é um símbolo. Belchior é uma estátua viva à juventude, à inconformidade, à contestação reflexiva e, também, à imaturidade.
Você pode aprender muito, se conhecer Belchior, se prestar atenção no que ele escreveu e no que ele se transformou. Belchior foi um poeta inexcedível. Repare neste verso:

“Meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção.
Esconda um beijo pra mim sob as dobras do blusão”.

Não é uma bela imagem, o beijo que ela leva escondido nas dobras do blusão?
Em outro poema, Belchior tomou emprestada a verve de Olavo Bilac:

“Ora, direis, ouvir estrelas! Certo perdeste o senso. Eu vos direi, no entanto: enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto”.

Bonito.
Mas o importante de Belchior não é a beleza das suas composições. O importante é quando ele confessa que a sua alucinação é suportar o dia a dia. É a alucinação de todos, certo, mas Belchior não está exagerando sobre si mesmo. Em outra canção ele diz a um parceiro:

“Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava,
De olhos abertos lhe direi:
Amigo, eu me desesperava”.

Ele se desesperava com o dia a dia, ele se desesperava ao perceber que a juventude do seu coração era perversa, uma juventude que só entendia o que era cruel, o que era paixão, porque assim é a juventude.
Belchior sabia que a felicidade é uma arma quente, mas isso não lhe serviu de consolo. A fama, o sucesso e o dinheiro não foram suficientes para aplacar a dor existencial de Belchior. Ele não se conformou. Prova-o o seu futuro, que o futuro dele está acontecendo hoje. Prova-o esse ser humano enigmático que vaga pelo sul do continente meio que sem rumo, hospedando-se em hotéis sem ter dinheiro para pagá-los, doce e arredio ao mesmo tempo, parecendo ora aflito, ora sereno, sendo hoje o que foi sempre.
Belchior ficou congelado nos anos 70. Jamais saiu de sua própria juventude e, suponho, jamais sairá. Em uma de suas grandes composições há uma frase que diz tudo sobre ele, uma frase que resume o que é o coração selvagem de quem começa a se conhecer:

“Ainda sou estudante da vida que eu quero dar”.

É isso. Belchior sabia que a vida de uma pessoa é dada a outras pessoas. Mas que vida ele queria dar? Para quem? Essas eram as perguntas que o inquietavam, e que inquietam a quem quer que pense. Olhando para o Belchior pálido de hoje fico pensando se ele, enfim, descobriu as respostas.

* Texto publicado na Zero Hora desta sexta-feira, 30 de novembro.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Pulsantes - Martha Medeiros


Assisti à peça Vermelho, encenada pelo extraordinário Antonio Fagundes e por seu filho Bruno, que conta uma parte da vida do pintor Mark Rothko, expoente do expressionismo abstrato nos anos 50 e 60. O texto é tão bom, que saí do teatro com a cabeça fervendo. 

Vontade de escrever sobre o dilema entre o que é artístico e o que é comercial, sobre as diferentes maneiras de vermos a mesma coisa, sobre a função da arte abstrata (que nunca me comoveu, mas à qual a partir da peça passei a dar outro valor) e sobre a desproteção das obras quando expostas (Mark Rothko era hiperexigente quanto à luz das galerias, assim como quanto à distância que o visitante deveria ficar da tela, e por quanto tempo esse visitante deveria observá-la até ser atingido emocionalmente... enfim, um chato, esse Rothko, mas fascinava). 

No entanto, como não sou conhecedora de pintura, resolvi destacar aqui um outro aspecto da montagem, que diz respeito não só a artistas plásticos, mas a todos os que lidam com criação. Pensando bem, até com os que não lidam. 

Muitos entre nós ainda acreditam que trabalho e prazer são duas coisas distintas que não se misturam. O dia, em tese, é dividido em três terços: oito horas trabalhando, oito horas aproveitando a vida (até parece: e as filas? e o trânsito?) e oito horas dormindo. Cada coisa no seu devido lugar. Apenas os artistas teriam a liberdade de subverter essa ordem. 

Pois o mundo mudou. O trabalho está deixando de ser aquela atividade burocrática e rígida cuja finalidade era ganhar dinheiro e nada mais. Queremos extrair prazer do nosso ofício, seja ele técnico, artístico, formal, informal. O conceito de estabilidade perdeu força, as hierarquias já não impressionam. 

A meta, hoje, é aproveitar as novas tecnologias e as oportunidades que elas oferecem. Atuar de forma mais flexível, autônoma e motivada. Trocar o “chegar lá” pelo “ser feliz agora”. Ou seja, amar o trabalho do mesmo jeito que se ama ir ao cinema, pegar uma praia e sair com os amigos. 

Rothko respirava trabalho, e considerava que estava igualmente trabalhando quando lia Dostoievski, quando filosofava, quando caminhava pelas ruas, quando amava, quando dormia, quando conversava. Defendia a vida como matéria-prima da inspiração, sem regrar-se pelo horário comercial. Não se dava folga – ou folgava o tempo inteiro, depende do ponto de vista. Quando não estava pintando, estava alimentando sua sensibilidade, sem a qual nenhuma pintura existiria. 

Nos anos 50, só mesmo um artista poderia viver essa fusão na prática. Depois que cruzamos o ano 2000, porém, é uma tendência que só cresce, em todas as áreas profissionais, nas que existem e, principalmente, nas que estão sendo inventadas. 

Como pintor, Mark Rothko valeu-se de uma vasta cartela de cores, mas expressou-se magistralmente em vermelho – na verdade, ele viveu em vermelho. Paixão, sangue, vinho, pimenta, calor, sedução. Ele sabia que essa era a cor que pulsava. E segue moderno, pois, como ele, são os pulsantes que estão fazendo a diferença.


Zero Hora, 28/11/2012

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ou eles, ou nós!


Acendi a luz de casa e um vulto me trouxe de volta à superfície da realidade: um pequeno rato (pequeno camundongo seria redundância?) passou a mil pelo corredor, como um Fórmula Um!
A primeira coisa que me veio à cabeça, foi: "Ou ele, ou eu!" E a seguinte imagem se formou em minha mente cansada: "Cuidado, leptospirose!"
Lembrei imediatamente onde guardo o veneno, que não usava já a algum tempo... E é claro que ele comeu todo o alimento granulado... Pobres animais, não têm nenhum poder diante da racionalidade e soberania humanas!
Pobre rato! Pobre? Será? Apenas ele é um coitado diante dos fatos? Pois é, ele morreu pela boca. Aiaiai... Eu, astuto animal racional, elimino o bicho que suponho me faça mal, seduzindo-o com comida envenenada.
Mas, não é o que faço todos os dias, me matar ao me alimentar, seja com fast-food, seja com a farta opção de frutas e hortaliças impregnadas de agrotóxicos?...
Será que toda  a rede de produção/distribuição/consumo de alimentos não pensa assim: "Ou eles, ou nós!"?


***

Ontem a RBS TV mostrou alguns gremistas fazendo uma caminhada desde Uruguiana até POA para a inauguração da Arena, em dezembro. Tudo normal, não fosse a audácia de um torcedor do Inter, de também participar da caminhada. Vi a imagem na TV e levei um alegre susto. O gesto de colocar a amizade acima da rivalidade e paixão, pelo time do coração, só pode ser bem-vinda.
Legal a ideia de não exclusão do rival pois, em vez de se render à seguinte fórmula, "Ou eles, ou nós!", faz valer a outra fórmula: "Eles e nós!".
Pequenos (grandes) acenos como esses nos convidam à reflexão. Permitem pensar sobre o senso comum (hegemônico) da rivalidade, da corneta, etc. Não vamos nos deixar seduzir pelo apartheid, seja cultural, étnico, econômico, ou no futebol.
Figura diferente, a desse colorado! Não ligou para o pensamento de manada, o da unanimidade, que não suporta conviver com quem pensa e age diferente. 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...