terça-feira, 11 de setembro de 2012

Quero sofrer por amor




Quero dosar as emoções
              fazer a catarse 
                         correta

que resta a um poeta.

Sofrer por amor
não sofrer por futebol

e mandar para o inferno
                        a inveja
                          a gula 
                        o medo

me embriagar de amigos
                           amores
                          e humor

seus prazeres
              flores
      e segredos

não quero ser escravo
            e propriedade

não quero me submeter 
a qualquer feudo

quero teu amor
aleatório e casual
amor de ano novo
férias e carnaval...

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Você é importante - Ricardo Azevedo



Mesmo se eu te abandonar
mesmo se eu te disser não
mesmo se eu ficar louco
e quebro tudo no chão

Mesmo se eu me encontrar
mesmo quando eu te perder
mesmo se eu nunca explicar
por que eu dei o fora

Você precisa saber
você precisa entender
pode me ouvir um instante?
Você é importante

Mas se um dia eu voltar
(tudo pode acontecer)
sei que corro o risco 
de quebrar a cara

Se você me maltratar
me ferir, me desprezar
pode me ouvir um instante?
Você é, mesmo assim
você é importante

Do livro, Ninguém sabe o que é um poema. Abril Educação.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mensagem



Procurava na agenda o número do telefone da pizzaria, e dei de cara com o número do celular de um amigo, que falecera dois dias antes.
Tive a idéia de ligar para ele, mas só de pensar na possibilidade de ouvir sua voz, me deu calafrios.
Minha vontade foi contida pelo medo de despertar, com tal gesto, a ira da morte. E na hora me veio a verdade inquestionável – e a morte de meu amigo foi um exemplo disso – de que a morte quase sempre não manda aviso prévio. Ela nos pega desprevenidos.
Minha brincadeira sinistra recebeu o merecido troco. Ao ligar para o número do amigo que faleceu, o silêncio do outro lado da linha foi quebrado pela seguinte mensagem da morte: “Vou ficar mais um pouco na área de vocês, analisando, observando,... Quero saber se vocês merecem desfrutar da plenitude da vida, que só pode experimentar quem está vivo!”.

Suando na turbulência desses pensamentos malucos, lembrei da crônica Mensagem, da Heloisa Seixas, que reproduzo a seguir.

MENSAGEM

Ficou chocado quando recebeu o telefonema sobre a morte da amiga. Ele a conhecia havia muitos anos e nunca soubera que tivesse doença alguma. Era uma mulher relativamente jovem, bonita, que se cuidava. Muitas vezes caminhava com ele pela praia, sempre animada e contando casos engraçados. Tinham estado juntos poucos dias antes. Como é possível, perguntou ao amigo comum que lhe dava a notícia, ele também perplexo. Foi um mal súbito, respondeu o outro.
Mal súbito. A expressão ficou ressoando em seu ouvido. Era a junção de duas palavras fortes, incontornáveis em seu sentido, que resumiam com tirania aquela morte para ele absurda. Mal súbito. Não podia acreditar.
Passaram-se alguns minutos e ele ali, parado junto ao telefone, olhando para o aparelho como se esperasse ver brotar de seus fios a explicação que buscava. De repente, tomou um susto. Tão confuso ficou ao receber a notícia, que não havia perguntado nada sobre o horário e local do enterro. Folheou com dedos úmidos o caderno de telefones, procurando o número do conhecido que acabara de ligar. E, sem querer, abriu justamente na página que trazia o telefone da amiga morta. Estremeceu, olhando aquele nome, seguido de algarismos que já não faziam sentido. Seus olhos ficaram turvos.
Mas em seguida pensou que talvez fosse melhor ligar para a casa dela. Ela morava sozinha, é verdade, mas com toda a certeza haveria alguém da família atendendo ao telefone, justamente para informar sobre o enterro. Talvez, ligando para lá, ele soubesse mais alguma coisa, algum detalhe que o ajudasse a aceitar o que acontecera.
Ligou. O telefone tocou uma, duas, três vezes e, em seguida, após um clique, ele ouviu a última coisa que esperava ouvir – a voz da amiga.
Por um instante, ficou imóvel, apertando o bocal, os dedos muito brancos, enquanto a voz suave da mulher morta falava com ele. Claro que num segundo se recuperou.. Claro que percebeu logo ser apenas a voz dela gravada na secretária eletrônica – que continuara ligada.
Mas, passado o primeiro susto, redobrou a atenção. Começou não apenas a ouvir, mas também a escutar o que ela dizia. E constatou que não era uma mensagem comum, apressada, como as que são gravadas pela maioria das pessoas. A amiga deixara gravada na secretária eletrônica um recado lírico, como um poema, que, curiosamente, até então ele nunca ouvira. No fim, ela dizia que não estava, mas que logo voltaria – e eles se reencontrariam. E era como se houvesse, por trás de suas palavras, um sorriso. Como se falasse de verdade com ele, a ele se dirigisse. E era como se dissesse que estava feliz.
Ele próprio sorria também ao repor o fone no gancho, os olhos ainda úmidos. Estava pacificado.

Eloísa Seixas, do livro Contos mínimos, Editora BestSeller.


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Mais um sonho


Tentar despertar sonhos noturnos para libertar o imaginário se parece com a libertação de um passarinho da gaiola. O bicho tem medo de se libertar porque é nosso prisioneiro, e não o queremos ver partir porque nos tornamos seu refém.

Pode ser obra do imaginário, ou qualquer coisa absurda, mas sou ingênuo a ponto de acreditar que há no meu inconsciente um Outro Eu, que me manipula, como se eu fosse um fantoche. Mas confio Nele, a ponto de acreditar que Ele pode dar as respostas para as perguntas que não consigo responder.
Às vezes imploro a esse “Eu mais profundo” para que me ajude a me libertar, a fazer uma escolha num universo cheio de possibilidades, que me tire a sensação de me sentir preso numa gaiola.
Dia desses fiz um pedido aos meus sonhos. Vocês podem rir mas, ultimamente, meus pedidos se resumem a obter uma visão mágica de números que me façam acertar no jogo do bicho.
Como a pressão para tomar uma decisão era intensa, pedi ao meu Daimon para que me trouxesse uma luz, me ajudasse a escolher, entre: mudar de vez daqui e ir morar no norte do país, para materializar um grande amor que conheci pela internet e também para ter uma profissão mais digna, ou permanecer próximo de meu guri e de meus atuais amigos.
Relaxei, meditei, pedi com tamanha intensidade, que naquela madrugada recebi uma resposta através de um sonho. 
Estávamos, eu e meu filho, caminhando por entre as árvores de um bosque, quando nisso uma enorme sucuri atacou o menino. Desesperado, ele gritou para mim:
- Papai, me ajude!
Agi igualzinho ao Ulisses, da Odisséia. Peleei com toda a valentia, porque me sentia entre a vida e a morte, e tinha uma grande missão a cumprir.
Derrotei a cobra e libertei o menino.

Acordei assustado, e durante todo o dia permaneci atordoado com aquela mensagem do sonho.
Mesmo atordoado, não vacilei naquele dia em jogar na “cobra”. Só jogo no primeiro dia porque, com o passar do tempo, a rotina me conduz ao esquecimento, e eu deixo tudo como está.
Acreditem, o número da cobra saiu dois dias depois. Deu na cabeça e no milhar!

Não tenho sorte no jogo. No amor, pelo que eu me conheço, com o passar do tempo e com a rotina, tudo permanece como naquela música, do Benito de Paula: “Tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus...”

Hoje, em vez de pedir respostas ao meu Daimon, eu rezo para que ele me ajude a segurar meu amor distante, como a Penélope da Odisséia. Que ela continue a tecer e desfazer o manto dos seus sentimentos, afugentando os pretendentes que querem roubá-la de mim.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Múltiplo sorriso - Heloisa Seixas




Pendurou a última bola na árvore de Natal e deu alguns passos atrás. Estava bonita. Era um pinheiro 
artificial, mas parecia de verdade. Só bolas vermelhas. Nunca deixava de armar sua árvore, embora as 
amigas dissessem que era bobagem fazer isso quando se mora sozinha. Olhou com mais vagar. Na luz 
do fim da tarde, notou que sua imagem se espelhava nas bolas. Em todas elas, lá estava seu rosto, um 
pouco distorcido, é verdade – mas sorrindo. “Estão vendo?”, diria às amigas, se estivessem por perto. 
“Eu não estou só.”

Contos mais que mínimos. Rio de Janeiro: Tinta Negra, 2010.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...